Roberto Anderson: Reis e rainhas do Rio

'E, apesar de ter reinado por 70 anos, a Rainha Elizabeth II, a do Reino Unido, também não está em nossas ruas'

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Neste momento, em que o mundo acompanha os funerais da rainha britânica, e a ascensão de um novo rei, vale a pena lembrar algumas cabeças coroadas que dão nomes a ruas do Rio de Janeiro. Mas, não só logradouros públicos as homenageiam. Num país que já teve um rei residente e dois imperadores, somos fissurados em realezas. Padarias, bares, botecos, galegos, oficinas e toda sorte de estabelecimentos cariocas trazem nomes reais.
 
A Avenida Rainha Elizabeth, em Ipanema, liga a praia de Copacabana à praia de Ipanema, um percurso realmente nobre. Ela conecta a princesinha do mar aos domínios da garota de Ipanema. Num passado nem tão distante esse encontro com a praia era marcado pelo Barril 1800, bar que ostentava um barril na fachada e a cauda de um avião da Varig na cobertura.    
 
Não é uma via muito larga, com apenas três faixas de trânsito, e sentido único. Quase inteiramente reedificada, a avenida é ocupada por edifícios de épocas distintas, entre eles edifícios modernistas sobre pilotis, e edifícios daqueles que têm uma lâmina alta, longe dos pedestres, sobre embasamento para estacionamento. São exemplares do mal que a legislação que passou a exigir um grande número de vagas de automóveis pode fazer à cidade. 

No entanto, essa não é a nossa Elizabeth, a mais longeva rainha no seu posto. Na verdade, a rua homenageia a Elizabeth da Bélgica que, com o seu esposo, o Rei Alberto I, visitou o Brasil em 1920. E que aqui não ganhou nome de rua. Dessa visita ficou a escada de 117 degraus talhada na rocha do Pico da Tijuca, com corrimão de correntes, para facilitar a subida do rei. Mas, detalhe que as autoridades brasileiras desconheciam, o rei era alpinista, esporte que acabou levando à sua morte. É, talvez a escadinha fosse necessária…
 
Outra rainha entre nós é a Guilhermina, ali no Leblon. Uma rainha holandesa, cujos antepassados reinaram sobre as terras da Rainha Elizabeth, a do Posto 6. Não é curiosa essa predominância da realeza feminina, da mesma região, na nomenclatura de nossas ruas? Guilhermina também se encontra em localização privilegiada, conectando a praia do Leblon à Rua Visconde de Albuquerque. Ela está próxima a três generais, Artigas, Venâncio Flores e Urquiza, dois uruguaios e um argentino, muito envolvidos em problemas da América Latina, mas que certamente seriam galantes com a rainha.
 
Reis têm menos prestígio para nomear logradouros públicos do Rio, apesar de nomearem um sem número de estabelecimentos comerciais, indo do mate aos celulares, passando por casas de sucos e de quibes. Dom João III, filho de Dom Manuel, nomeia uma rua de apenas uma quadra em Olaria. E nada mais.
 
Dois príncipes são agraciados com nomes de ruas na cidade: o Príncipe da Beira, em Del Castilho, e o Príncipe Regente, o futuro Dom João VI, em Paquetá. Em igual número, duas princesas dão nome às nossas ruas: a Princesa Isabel, com uma larga avenida em Copacabana, e a Princesa Januária, com uma pequena rua no Flamengo. Se a princesa Isabel é popular, a Princesa Januária, segunda filha de Dom Pedro I, é menos conhecida. Mas ela seria imperatriz do Brasil, caso Pedro II não sobrevivesse antes de ter filhos. As duas perderam a chance de reinarem.

O Imperador Pedro II nomeia a mais bela avenida de São Cristóvão e uma rua em Santa Cruz. Já seu pai, nomeia uma pequena rua junto à Praça Tiradentes, que homenageia o herói condenado à morte pela avó daquele imperador. É nessa praça, do enforcado, que se encontra o monumento em homenagem ao neto da rainha algoz. Confusões da construção da mitologia histórica brasileira.
 
A praça Tiradentes ainda separa a rua do primeiro Imperador da rua de sua primeira esposa, a Imperatriz Leopoldina, figura de grande proeminência nos acontecimentos da independência brasileira. Por falar em Imperatriz, duas ruas foram nomeadas em homenagem a esse título, a rua Imperatriz, na Maré, e a rua da Imperatriz, em Realengo. Seriam imperatrizes do samba? Escolas de Samba são mais pródigas com a realeza, como a Império Serrano, a Império da Tijuca, a Imperatriz Leopoldinense e a Lins Imperial.
 
Cinco viscondes, seis marqueses e uma marquesa, seis condes e uma condessa completam a lista de nobres brasileiros homenageados nas ruas cariocas. Nenhum rei do Congo, nenhum rei mago, ou rei momo foi lembrado. E, apesar de ter reinado por 70 anos, a Rainha Elizabeth II, a do Reino Unido, também não está em nossas ruas. Ela que lançou a pedra fundamental da ponte que segue homenageando um ditador.   

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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