Roberto Anderson: Residir no Centro, não elitizar o Centro

O Centro não é a Barra e a compreensão da sua história e da riqueza de seu Patrimônio, material e imaterial, é fundamental para o sucesso desse novo esforço em trazer habitações para a área

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp

Em algumas áreas do centro do Rio de Janeiro, como a Cruz Vermelha, a Lapa, as adjacências da Rua de Santana e aquelas acima da Rua Marechal Floriano a existência de moradias ainda resiste, apesar de reduzida. Ali estão, em geral, famílias de poucas posses, algumas vivendo em casas de cômodos. Sem elas, o esvaziamento do Centro seria ainda mais dramático. Em 1960 a população residente no Centro do Rio de Janeiro era de 64.263 pessoas, mas ela veio declinando ao longo dos anos. Em 1970 caiu para 62.595, em 1980 foi para 61.088, em 1991 foi para 48.713, e no ano 2000 chegou ao seu patamar mais baixo, de 39.135 habitantes.

Há muito se tenta trazer mais habitações para o Centro do Rio de Janeiro. O sucesso dessa empreitada reverteria um fenômeno prejudicial para aquela região e para toda a cidade, que reflete um movimento mais amplo de deslocamento populacional dentro do município, em direção à Zona Oeste. Esse deslocamento populacional também provocou a perda de população em outras áreas consolidadas da cidade. Mas nunca é demais lembrar que a expulsão de moradores do Centro teve início com as drásticas reformas do período Pereira Passos.

A primeira ação concreta nesse sentido foi a mudança da legislação que vigeu até a década de 1990, que simplesmente vedava a construção de novas habitações no Centro. Foi na gestão do Prefeito Cesar Maia que se propôs essa alteração, através da Lei nº 2.236/94. A partir de então, além de ser permitido o uso residencial no Centro, os novos edifícios, cujas unidades tivessem área inferior a 60m2, ficaram isentos da previsão de área para estacionamento, o que contribuiu para baratear em muito a sua edificação. Além disso, contrariando a Lei Orgânica do Município, as edificações coladas nas divisas poderiam subir acima de 12 metros de altura.

No Centro há ainda muitos espaços desocupados, definidos como “vazios urbanos”, e o poder público é proprietário da maior parte deles. Há também uma grande quantidade de edificações deterioradas que permanecem como desafios ao projeto de atração de moradias. Visando aproveitar o potencial habitacional desses imóveis, na década de 1990, a Prefeitura lançou o projeto “Novas Alternativas”, da Secretaria Municipal de Habitação. Tratava-se de um programa de recuperação de cortiços e de adaptação de imóveis antigos para a atividade residencial. Tal programa, no entanto, apesar de sua excelência, não passou muito da fase embrionária, tendo sido posteriormente abandonado.

O Censo de 2010 encontrou 41.142 habitantes no Centro, um pequeno efeito da Lei nº 2.236/94, consubstanciado no lançamento no ano de 2005 do condomínio Cores da Lapa. No seu lançamento, todas as 688 unidades foram vendidas em duas horas. Mas, a modéstia desse crescimento leva à percepção de que essa primeira alteração na legislação não foi suficiente para mudar de forma radical o quadro de perda de população do Centro. O mercado imobiliário mais conhecido da Zona Oeste e os incentivos municipais em obras naquela região continuaram a torná-la mais atraente.

A pandemia de Covid-19 trouxe mais um complicador, a perda de postos de trabalho no Centro, o que poderá ser uma condição duradoura. Buscando então incentivar novas construções de edifícios residenciais ou mistos, a reconversão de uso de edifícios de escritórios para habitacionais, ou a recuperação de imóveis degradados, recentemente foi aprovado o projeto Reviver o Centro. Ele propõe a concessão de variados benefícios fiscais às empresas que realizarem tais investimentos.

O projeto Reviver o Centro se propõe também a investir na experiência de aluguel social, ou seja, de unidades que permaneceriam em poder da Prefeitura, sendo alugadas para famílias necessitadas. Quanto a isso, seria interessante revisitar o projeto Novas Alternativas, que já experimentou esse modelo de habitação social. É preciso conhecer o que deu certo e o que deu errado naquela experiência. Por outro lado, é fundamental que as famílias que até hoje resistiram morando no Centro não sejam expulsas por uma onda de valorização de aluguéis.

Voltando ao condomínio Cores da Lapa, ele nos faz lembrar que não basta ser um projeto residencial. É preciso considerar as especificidades do Centro. Um condomínio fechado, com altas torres em meio ao casario da Lapa não deixa de ser um corpo estranho. A propaganda daquele empreendimento se deu com base nos atrativos da boemia local. Mas logo os moradores se incomodaram com o ruído dos bailes do Clube Democráticos, centenariamente situado em frente ao local onde foi erguido o condomínio. O Centro não é a Barra e a compreensão da sua história e da riqueza de seu Patrimônio, material e imaterial, é fundamental para o sucesso desse novo esforço em trazer habitações para a área.  

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
entrar grupo whatsapp Roberto Anderson: Residir no Centro, não elitizar o Centro
Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

1 COMENTÁRIO

  1. pra morar no centro , deve existir mais padarias, mais postos de combustíveis , mais papelaria , mais mercados e se possível de grande porte e shopping & farmácias e etc. fim de semana é muito deserto e perigoso , o programa de policiamento local não da conta do tamanho .

Comente

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui