Há um conjunto de reservatórios, construídos de 1850 a 1930 e tombados pelo Inepac, que contam a história da captação de água para o abastecimento do Rio de Janeiro e vizinhanças. Situados em platôs nas encostas ou em topos de morros, muitos são verdadeiros mirantes, de onde se descortinam vistas panorâmicas da cidade. Alguns foram originalmente alimentados por mananciais locais, o que os liga às matas que os circundam. Talvez o mais importante deles seja o conjunto Reservatório do Carioca e Caixa da Mãe D’Água, em Santa Teresa.
Projetos para aproveitamento das águas do Rio Carioca datam desde o século XVII, mas somente no século seguinte elas passaram a chegar ao Centro pelo sistema construído governo de Gomes Freire. Canaletas as conduziam pelo caminho que depois seria a rua principal de Santa Teresa até o Largo da Carioca, ultrapassando o vale entre o bairro e o Morro de Santo Antônio. O faziam através do Aqueduto da Carioca, atuais Arcos da Lapa. A Caixa da Mãe D’Água, localizada numa curva acentuada da Rua Almirante Alexandrino, com planta quadrangular e coberta por abóbada de arestas, funcionava como caixa de passagem daquele sistema.
Já na segunda metade do século XIX, quando teve início o efetivo serviço de distribuição de água no Rio de Janeiro, foi construído o Reservatório do Carioca, junto à Caixa da Mãe D’Água. Executado em 1865, ele era o mais importante dos primeiros reservatórios daquele período. Compunha-se de jardim na parte frontal, três reservatórios a céu aberto denominados Caixas do Carioca, o tanque de decantação, e a barragem. As comportas eram acionadas por diversas engrenagens em ferro fundido.
A partir dos anos 1990, as águas do Rio Carioca deixaram de abastecer a área central da cidade, restando apenas captações marginais para o abastecimento da comunidade Guararapes, situada abaixo do reservatório. O rio voltou a correr por seu curso natural, passando pela favela, e em seguida, através do vale de Cosme Velho e Laranjeiras, ainda que quase inteiramente canalizado e subterrâneo ao longo desse curso.
O reservatório entrou então num processo de degradação por abandono e vandalismo, com a quebra de peças em cantaria e o saque de grande parte dos gradis e elementos em ferro. Além disso, enchentes causaram estragos ao conjunto, com o desmoronamento de terra e pedras.
Algo precisava ser feito além do tombamento. Mas a dificuldade em conseguir os recursos necessários para o projeto e as obras impedia. Por fim, em 2016, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente conseguiu aprovar o uso de recursos do Fundo Estadual de Compensação Ambiental, já que o reservatório está situado no Parque Nacional da Tijuca.
O projeto de restauração foi elaborado pelo escritório FábricaArquitetura e o projeto de restauração do jardim histórico ficou a cargo da empresa Embyá Paisagismo. As obras, conduzidas pela empresa AQ Engenharia, foram acompanhadas pelo Inepac e pelo IPHAN. Como no futuro os reservatórios passarão a ser abastecidos com água tratada, aduzida do reservatório do França, eles receberam coberturas de vidro para proteção da água, que permitem a visualização do seu interior. Uma primorosa restauração foi executada, destacando-se a reconstituição volumétrica das perdas em elementos em cantaria. E também a recuperação do conjunto de guarda-corpos de ferro fundido, que se encontrava danificado por roubos e pela ação do tempo.
A restauração da Caixa Mãe D’Água retirou as camadas antigas de tinta e revestimentos inadequados. E recuperou, seguindo prospecções realizadas, uma coloração ocre para os cunhais e molduras. A limpeza da placa em pedra trouxe à luz os veios da mesma e deixou mais legível a inscrição que trata da construção da Caixa por Gomes Freire.
A restauração do jardim romântico, à frente do reservatório, exigiu um minucioso trabalho de pesquisa iconográfica, já que pouco restava do seu estado original. Fotos publicadas em jornais do princípio do século XX nortearam a sua recomposição com o retorno do chafariz e de plantas exóticas, a contrastar com a exuberância da floresta.
A antiga casa do encarregado do reservatório, junto à rua, não pode ser restaurada por encontrar-se ocupada, à espera de um processo de retomada pela Cedae. Já a antiga casa do encarregado do cloro foi adaptada para receber uma recepção aos visitantes. Dali sai a trilha que leva até às Paineiras. Complementando a intervenção, foi implantada uma sinalização do sítio histórico e da trilha.
Tudo foi feito com o maior cuidado e encantamento, mas ainda não se alcançou o seu principal objetivo, que seria devolver aos cariocas essa maravilha do seu patrimônio cultural. A Cedae não se preparou para abrir o sítio à visitação, mantendo apenas vigias que ocupam o centro de visitantes. Sem maiores cuidados, o jardim vai perdendo a sua forma e o limo vai tomando conta das paredes. Nossas autoridades não se mostram à altura da nossa história.