Roberto Anderson: Revitalizar e pavimentar

A arquitetura e o urbanismo dos anos 90 foram pródigos em utilizar verbos iniciados pelo prefixo “re”. Reurbanizar, reabilitar, restaurar, revitalizar, requalificar, recuperar, eram expressões usadas nos mais variados contextos, muitas vezes de forma confusa ou abusiva

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A arquitetura e o urbanismo dos anos 90 foram pródigos em utilizar verbos iniciados pelo prefixo “re”. Reurbanizar, reabilitar, restaurar, revitalizar, requalificar, recuperar, eram expressões usadas nos mais variados contextos, muitas vezes de forma confusa ou abusiva. Chegou a existir um projeto de revitalização do Parque do Flamengo, como se o parque, arborizado e cada vez mais habitado por aves, pudesse estar morto. Malcuidado, abandonado pelas autoridades sim, estava e está. 

O urbanista Flávio Villaça contestava o uso do termo revitalizar para as operações urbanas que ocorriam no Centro do Rio de Janeiro na década de 90. Segundo ele, apesar da perda de escritórios e de comércio de luxo, e estar fisicamente deteriorado, por ter sido ocupado pelo comércio ambulante, o Centro nunca estivera tão vivo, tão cheio de gente. Se isso era economicamente bom para a cidade, eram outros quinhentos.  

Atualmente, a Prefeitura do Rio voltou, com toda carga, a usar a expressão revitalização. Revitaliza-se a orla da Lagoa, o bairro da Glória, e outros tantos recantos da cidade. Mas, nota-se que um item comum a essas intervenções é a pavimentação de áreas antes permeáveis. É assim na Lagoa e também está sendo na Glória. 

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O lema do presidente Washington Luis era “governar é abrir estradas”. A Prefeitura do Rio parece querer adotar o lema “revitalizar é pavimentar”. O problema é que, atualmente, com o advento da noção de sustentabilidade, as melhores propostas para os espaços urbanos já deixaram para trás um modernismo que se afastava da natureza. Hoje se busca soluções baseadas na natureza para os problemas urbanos. Busca-se a inserção das atividades urbanas nos ciclos naturais. E isso inclui reforçar a drenagem natural dos solos, com menos impermeabilização das superfícies, maiores golas para as árvores, jardins de chuva, áreas destinadas a alagamentos temporários, etc.

E o que faz a Prefeitura? Pavimenta os espaços entre a ciclovia e o meio-fio na Lagoa e as praças com saibro da Glória. Seria a falta de pavimentação o que afugentava as pessoas, ou seria a falta de segurança, de atrativos e de bancos nessas praças? Não nos enganemos, não será a pavimentação no entorno do vandalizado monumento a Deodoro que trará pessoas para o local. Na Glória há uma série de pequenas praças que, à exceção da Praça Paris, ficaram perdidas entre a área edificada e o Parque do Flamengo. As pessoas atravessam-nas em direção ao parque, sem nelas permanecer. Aos domingos, durante e após a Feira da Glória, acontece uma roda de samba em um desses espaços em frente à Amurada da Glória. Mas é só. No resto da semana, pouco acontece, a não ser rodas de moradores de rua em torno de algum fogareiro improvisado.

É verdade que outros serviços estão sendo realizados, como a limpeza de monumentos e a recuperação de canteiros da Praça Paris. São muito benvindos, e os moradores da Glória esperavam há muito tempo por isso. Mas, apenas a pavimentação de espaços ociosos na Glória não solucionará a sua falta de uso. Seria corajoso aceitar que esses espaços poderiam receber atividades mais permanentes, como quiosques ou pequenos restaurantes, por exemplo. Nesses casos se justificaria a pavimentação de alguma parcela dessas praças. Mas deveria ser apenas o estritamente necessário ao funcionamento desses equipamentos. Se a Prefeitura continuar o atual esforço de pavimentação, sentiremos saudades das praças com piso de saibro, tão características do Rio de Janeiro e … de Paris.

Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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3 COMENTÁRIOS

  1. Seria bom não esquecerem do Passeio Público. Faz tempo que não fazem nada por lá. O vandalismo se fez presente, tem bustos que até já sumiram assim como as placas que os identifica tbém já não existem.

  2. Realmente um absurdo o que esá sendo aplicado na Glória…
    Enquanto lutamos para aumentar a permeabilidade do solo e melhorar a drenagem de nossos espaços público, surge esta intervenção, na contra-mão da história, em minha opinião.

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