Roberto Anderson: Rio favela

O Rio é uma cidade maravilhosa. Mas, é também complicada

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O Rio é uma cidade maravilhosa. Mas, é também complicada. A ela cabe, como uma luva, a expressão atribuída a Tom Jobim de que o Brasil não é para amadores. Para Zuenir Ventura, uma cidade partida. Para moradores de outros estados, uma cidade violenta, onde se é assaltado, sequestrado ou morto a qualquer descuido. Com certeza, cidade bagunçada, onde ônibus não param nos pontos, motoristas não respeitam sinais e amam parar em fila dupla, e agendamentos de horários são ficções. Mas, também, cidade onde desconhecidos dão bom dia, e o garçom, ou o atendente do bar, podem ser os seus melhores amigos.

O Rio tem bairros que o Brasil inteiro conhece. São cantados em pérolas da nossa música. Suas paisagens e recantos são cenários das novelas, assim como são a moradia dos atores que nelas brilham. O Rio tem artistas de diversas áreas. Eles passeiam por aí e o carioca faz que é natural, deixando o escândalo para os paparazzi.

No Rio nasceram as favelas e aqui elas prosperaram. Segundo o Censo de 2010, seriam 763 localidades, abrigando aproximadamente 1,4 milhão de habitantes, ou 22% de toda a população da cidade. Como há anos não existem políticas municipais de habitação social, essa proporção só tende a aumentar. Há aquelas favelas bem pequenas e discretas, há aquelas supernovas, que não existiam no ano passado, e há as supergrandes, com a alcunha de complexos.

Como os bairros da cidade, as favelas são bastante diferentes entre si. Algumas têm vistas privilegiadas e moradores gringos, outras são escondidas até para os serviços públicos. Umas estão nas partes altas dos morros, com riscos de deslizamentos, outras nas áreas planas, inundáveis, junto às beiras dos rios, das lagoas, ou da baía. Mas em uma coisa todas se parecem: estão dominadas por grupos armados, seja do tráfico, seja da milícia.

Os endereços nas favelas nem sempre têm logradouro e número, mas isto é compensado pela sonoridade e inventividade de sua nomenclatura. Novelas são uma grande fonte de inspiração ao se nomeá-las. São, inclusive, marcadores da época do seu surgimento e do grande crescimento da cidade em direção à sua Zona Oeste. É o caso da Sangue e Areia (1967) em Bangu, da Bandeira II (1971) em Del Castilho, da Cavalo de Aço (1973) e da Rebu (1974) em Senador Camará, da Te Contei (1978) em Parada de Lucas, da Final Feliz (1982) na Pavuna, da Roque Santeiro (1985) no Itanhangá, da Pantanal (1990) no Recreio, da Renascer (1993) no Tanque, da Salsa e Merengue (1996) em Ramos, da Uga-Uga (2000) em São Cristóvão, e da Boogie Woogie (2014) na Ilha do Governador.

É bom lembrar que o fenômeno pode ocorrer também no asfalto, como o condomínio Selva de Pedra, no Leblon, construído onde antes existiu a favela da Praia do Pinto. A Globo tem mais capacidade de influenciar essa nomenclatura do que outras redes de TV, havendo inclusive a favela Criança e Esperança, em Guadalupe. Brevemente, poderão surgir aquelas com os nomes das novelas bíblicas, em voga nas outras emissoras.

Mas, sendo a criatividade uma marca popular, nomes curiosos surgem com as mais variadas inspirações. O que dizer da Kinder Ovo em Ramos? E da Rato Molhado no Engenho Novo, da Cachorro Sentado em Vargem Grande ou da Piolho no Tanque? Algumas parecem advertir o visitante, como a Pé Sujo em Cordovil, a Buraco Quente em Senador Vasconcelos, a Mata Quatro em Guadalupe, e a Vala do Sangue em Santa Cruz.

Não faltam as que homenageiam personalidades, como a JK no Andaraí, a João Goulart em Higienópolis, a Tancredo Neves na Taquara, a César Maia em Vargem Pequena, a Clara Nunes no Rio Comprido, a Tom Jobim na Pavuna, e a surpreendente Maestro Arturo Toscanini na Ilha do Governador.

Como a proteção do divino nunca é demais, há trinta e uma favelas com nomes de santos. A Barra da Tijuca, bairro emergente, tem poucas favelas, entre elas a São Tillon. Mas, em se tratando de Barra, não surpreende o fato de ser um santo não encontrado nas listas dos santos católicos. Há ainda a Cristo Redentor em Anchieta, a Sagrada Família na Tijuca, a Sagrado Coração em Santa Cruz e mais seis Nossas Senhoras.

Há favelas com nomes inspirados em outras paragens, algumas distantes, como a Coréia em Senador Camará, a Baleares em Cavalcante, a Everest em Inhaúma, a Luanda em Guaratiba, a Budapeste na Ilha do Governador e a Malvinas em Irajá. Nessa lista, também se encaixa a Disneylândia em Brás de Pina. É sobre fantasia, mas é uma terra! Há também as que se referem a lugares novos. São dezesseis essas promessas de recomeço, como a Novo Palmares em Jacarepaguá.

Nas primeiras décadas do século XX, a proposta de cidade-jardim de Ebenezer Howard gerou uma febre de empreendimentos imobiliários para as classes média e alta, nomeados como jardim. Eles buscavam aplicar os princípios de mais espaços, mais áreas verdes e menor densidade daquela proposta. Exemplos disso são os bairros elegantes de São Paulo da região dos jardins. Como o pobre tem direito de sonhar e também ter o seu jardim, no Rio de Janeiro, são vinte as favelas com nomes de jardins e trinta e cinco as denominadas parques, como a Parque Jardim Beira Mar em Parada de Lucas. O detalhe é que diversos aterros levaram o mar para bem distante daquele jardim. Se não há propriamente jardins, há noventa vilas, como a Vila dos Crentes em Vargem Grande. Umbandistas seriam bem-vindos?

A mesma poesia contida na música Chão de Estrelas (…a lua furando o nosso zinco salpicava de estrelas nosso chão) aparece nos nomes de diversas favelas cariocas. É o caso da Pedacinho do Céu em Cordovil, da Chácara do Céu no Vidigal, da Raio do Sol em Guadalupe e da Pôr do Sol em Santa Cruz. Há aquelas que prometem Sossego, uma em Senador Camará e outra em Madureira. Tem a Recanto Familiar no Humaitá e até mesmo o paraíso, como a Shangrilá na Taquara. Se é pouco crível, talvez a Prazeres em Santa Teresa sugira uma felicidade mais terrena. Seguindo essa senda, há a Primavera em Cavalcante, a Verde é Vida em Senador Camará e a Beco da Esperança no Engenho de Dentro. Mas nada se compara à Relicário em Inhaúma, cujo nome sugere delicadeza e acolhimento, como toda moradia de gente deveria ser.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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