Roberto Anderson: Santo Antônio além da elitização

'Deixar de cuidar de bairros populares não é uma opção correta'

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Foto: Roberto Anderson

O bairro de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, tem esse nome por ser a área que se encontra depois do Convento de Nossa Senhora do Carmo, fora da área mais central durante a colônia. Vale lembrar que, no primeiro século de ocupação da cidade, a sua principal entrada se dava junto àquele Convento. A atual igreja de Santo Antônio, que dá nome ao lugar, é do início do século XIX, substituindo outra mais antiga, e se encontra no largo de mesmo nome, próxima ao Forte de Santo Antônio. 

É uma área de sobrados e casas térreas, mais simples do que os da região do Pelourinho, tendo permanecido um pouco isolada do restante da cidade no longo período de deterioração por que este último passou. Com as mudanças no Pelourinho, pouco a pouco, as condições do Santo Antônio foram se alterando. 

Até pouco tempo atrás, só mesmo alguns mais curiosos costumavam se aventurar por suas ruas estreitas e acolhedoras. Quem visitava o Santo Antônio encontrava um ambiente familiar, com moradores que lá se encontravam há muitas décadas, muitos deles debruçados nas janelas, vendo o movimento. Por suas ruas costuma passar a fanfarra que rememora o 2 de julho.

Em 2018 foi ao ar a novela Segundo Sol, da Globo. Parte da trama se passava no Santo Antônio. Para os não noveleiros, talvez não faça diferença saber que lá estava situada a casa da família de “Beto Falcão”, interpretado pelo ator Emílio Dantas. Mas o fato é que o bairro entrou em evidência, atraindo mais curiosos. 

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No ano seguinte a prefeitura deu início ali a várias obras de requalificação. Elas incluíram um novo sistema de drenagem de águas pluviais, o que veio atender a uma antiga demanda, já que eram comuns os alagamentos após chuvas mais fortes. Foram refeitas as pavimentações das vias, com a substituição do asfalto por paralelepípedos, e das calçadas. Foram inseridas travessias de pedestres no nível das mesmas, e a fiação elétrica foi embutida. Aliás, durante os serviços, que sofreram diversos atrasos, houve um furto de fios de cobre da obra por ladrões uniformizados de trabalhadores da empreiteira. Por sorte, essa engenhosidade do crime foi descoberta. 

Numa primeira avaliação, as obras parecem muito bem feitas e o bairro vem se renovando a olhos vistos. Dá um imenso prazer caminhar por ali, absorvendo a atmosfera charmosa que se instalou. Nas varandas das casas do Santo Antônio se pode curtir um belíssimo pôr do sol. Há novas pousadas, novos bares e restaurantes, novos ateliers de artistas, fachadas recém pintadas e … muitas casas à venda. A enorme quantidade de novos turistas atraídos ao lugar contrasta com os moradores ainda remanescentes. Mas, tais sinais podem indicar um processo que tem o horrível nome de gentrificação. 

Como intervir para sustar a deterioração urbana de um lugar é sempre um enorme desafio para os gestores das cidades. Deixar de cuidar de bairros populares não é uma opção correta. Mas ao realizar melhorias nesses bairros, ou mesmo em favelas, os imóveis se valorizam e há o fenômeno da expulsão de inquilinos, agora sobrecarregados com aluguéis reajustados, e de proprietários, tentados a realizar o súbito lucro tornado possível. A atratividade para o turismo é mais um fator de pressão sobre áreas renovadas.

Salvador já teve uma experiência traumática de substituição forçada de população, quando, na década de 1990, foram realizadas as obras de recuperação do Pelourinho. Duas décadas antes, o governo havia tido a iniciativa de ocupar com repartições públicas alguns imóveis maiores. Mas, a deterioração dos demais imóveis, a presença de prostituição nas ruas, e a ocorrência de casos de violência levou o governo à polêmica decisão de expulsar os habitantes locais. 

As 1.800 famílias que habitavam as diversas casas de cômodos instaladas nos sobrados arruinados foram substituídas por lojas e restaurantes, que receberam diversas isenções de impostos e aluguéis, criando-se um ambiente bastante artificializado. Com o tempo, poucos desses estabelecimentos elitizados se mantiveram e há agora muitos imóveis vazios, novamente em risco.

Serão os atuais moradores de Santo Antônio Além do Carmo capazes de conviver com a presença de turistas em suas ruas e com a valorização do lugar? Resistirão a festas barulhentas que vêm ocorrendo? A prevenção da expulsão por razões de mercado não é simples, apesar de poder ser combatida com medidas de regulação do aumento de aluguéis. Já a deterioração do ambiente urbano, com práticas nocivas à moradia, como som alto durante várias horas do dia, estendendo-se pela noite adentro, pode e deve ser combatida, caso se deseje a permanência de moradores. O tempo dirá se Santo Antônio manteve seus moradores e o charme atual. 

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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