Estamos em plena emergência climática, o que exige ações concretas, objetivas, que visem mitigar os seus efeitos e adaptar a cidade aos crescentes problemas que virão. Segundo a Prefeitura do Rio, a elevação do nível do mar poderá afetar 10% do território do município, os deslizamentos de terras poderão expor até 50% de sua área a esse risco, as ondas de calor, como a que atingiu a cidade neste mês de março, com sensação térmica de 62,3º em Guaratiba, atingirão toda a cidade e as inundações poderão afetar mais da metade do município.
Em 2021 a Prefeitura do Rio de Janeiro elaborou o Plano de Desenvolvimento Sustentável (PDS), considerado “o mapa e bússola que serve à construção de um Rio de Janeiro resiliente, próspero e orgulhoso de seu papel no Brasil e no mundo”. Ocorre que o PDS se propõe a ser um plano muito abrangente, com cinco temas transversais, trazendo aspirações e metas relacionadas a questões como cultura de paz, governança democrática, igualdade e equidade e longevidade e bem-estar. Se o conceito de desenvolvimento sustentável pede esta abrangência, a questão climática traz urgências inadiáveis. Como a maioria das metas do plano são estranhas à questão climática, apesar de não serem menos importantes, há uma diluição das metas relativas àquela questão e uma maior dificuldade de aferição dos resultados.
O PDS propõe ciclos temporais, com metas a serem atingidas. O primeiro ciclo seria o período 2020-2030, já em curso, com 134 metas e 978 ações. O segundo seria o período 2030-2040 e o último, o decênio até 2050. As metas dos dois últimos períodos são dependentes do que for alcançado no primeiro. Então, é fundamental que se tenha avanços reais até 2030.
O plano propõe que a cidade chegue à neutralidade na emissão de carbono até o ano 2050, com uma redução de 20% em relação ao ano base de 2017 já em 2030, ou seja, daqui a seis anos. Atualmente, de acordo com o Inventário de Emissões-Base da Cidade de 2017, essas emissões totalizam 11,3 milhões de toneladas de carbono equivalente. O setor de transporte é o principal emissor (41,25%), seguido pelos setores de energia estacionária (30,24%), que se refere ao consumo de energia elétrica e combustíveis em edificações e instalações, indústrias e atividades rurais, e resíduos (28,51%). Assim, esses três principais setores precisam receber mais atenção e projetos que alterem essa realidade.
No setor de transportes, um dos projetos para mudar esta situação é a eletrificação de 100% da frota de ônibus municipais até 2050. Para 2030, 20% da frota já seria composta por veículos não emissores. No entanto, recentemente, a Prefeitura adquiriu 713 ônibus novos para o sistema BRT, dos quais 427 já estão operando. A Prefeitura anunciou também a compra de mais 150 ônibus para suprir as linhas regulares desaparecidas na cidade. Mas em nenhuma dessas compras há ônibus elétricos.
Atualmente a cidade conta com 450 km entre ciclovias, ciclofaixas e faixas compartilhadas. O plano propõe um acréscimo de mais 160 km até 2030. O Plano propõe também “garantir que ao menos uma área da cidade tenha emissão zero de carbono”. Aparentemente, a área escolhida foi o Centro, definido em 2022 como Distrito de Baixa Emissão de Carbono. O PDS apresenta a imagem de um possível projeto para a avenida Presidente Vargas, em que pistas atualmente dedicadas aos veículos sejam transformadas num bulevar arborizado, com lâminas d’água, ciclovias e uma faixa exclusiva para carros elétricos. No entanto, recentemente a Prefeitura decidiu retirar o status de rua de pedestre da Rua Uruguaiana, abrindo-a ao tráfego de veículos. Parece bem contraditório.
Visando intervir nas emissões relacionadas ao consumo de energia, o plano prevê a instalação de três fazendas solares para a geração de energia em aterros sanitários desativados do município. A primeira seria no Aterro Sanitário de Santa Cruz, já tendo ocorrido, em 2023, a licitação da parceria público-privada para a sua implantação. Conforme anunciado, serão cerca de 11 mil painéis, capazes de gerar energia suficiente para abastecer 45 escolas municipais ou 15 UPAs.
No setor de resíduos há muito que avançar. Em 2015, a coleta seletiva representou apenas 0,56% do total de resíduos coletados pela Comlurb. Atualmente 122 bairros (74,4%) são atendidos pela coleta seletiva, o que não significa que a totalidade desses bairros esteja coberta. Para 2030, o plano propõe que 100% dos bairros sejam atendidos pela coleta seletiva. Mas além dessa abrangência é preciso que haja uma coleta realmente significativa. A meta para 2030 é que 35% dos resíduos secos da cidade (vidro, papel, plástico e metal) sejam reciclados, índice que saltaria para 80% em 2050, um salto gigantesco.
O PDS define como meta que “Nenhuma pessoa em áreas de alto risco de inundações e nenhuma moradia em áreas de alto risco de movimentos de massa nas áreas mapeadas e identificadas pela Prefeitura do Rio.” Essa é uma meta ambiciosa, que requer ações imediatas. No entanto, não consta que exista um programa de reassentamento de famílias vivendo em áreas vulneráveis na escala necessária. Além disso, o aquecimento global irá gerar novas áreas de risco, que talvez não tenham sido ainda identificadas.
São aspirações do plano garantir a proteção de 100% das áreas prioritárias definidas como de relevante interesse ambiental, por meio da criação de Unidades de Conservação, além de realizar o manejo de 3.400 hectares de áreas florestadas e consolidar 1.206 hectares de floresta no município. O plano propõe também a reabilitação de áreas da cidade que conformam ilhas de calor, especialmente em bairros das zonas Norte e Oeste, onde há uma carência assustadora de áreas verdes. Na AP5, a área mais carente da Zona Oeste, há apenas um parque, a Fazenda do Viegas, bastante maltratado e com área correspondente a pouco mais da metade daquela do Campo de Santana, no Centro. A Zona Norte conta com nove parques, sendo o de Madureira o único bem cuidado.
O PDS propõe 16 “corredores verdes”, sendo oito na Zona Norte e quatro na Zona Oeste, nos quais haverá ações de arborização urbana, requalificação de praças, reconexão entre áreas florestadas entre si e com fragmentos de vegetação nativa e demais áreas verdes. O mais emblemático desses corredores é o que pretende conectar o Parque Estadual da Pedra Branca ao Parque Nacional da Tijuca, as duas maiores unidades de conservação cariocas. Estão previstas também ações de aumento da permeabilidade do solo, e drenagem que siga o conceito de soluções baseadas na natureza.
Citando o PDS, neste mês de março, o Prefeito editou o Decreto 54.069, que cria o programa “Cada favela, uma floresta”. O programa ainda deverá ser regulamentado pela Secretaria de Meio Ambiente e, se bem gerenciado, pode vir a ser uma contribuição importante. A Prefeitura já conta com os programas Guardiões das Matas e Guardiões dos Rios, ou seja, não faltam pessoas envolvidas com os problemas ambientais da cidade. Os resultados, se existem, precisam ser mais bem divulgados.
Apesar das intenções do PDS, de forma absurdamente contraditória, em 2023 as autorizações para remoções legais de árvores na Cidade do Rio de Janeiro cresceram 180%. Foram 11.730 árvores a menos, o maior número dos últimos oito anos. Somente um empreendimento da Cyrela Empreendimentos na Barra da Tijuca recebeu licença para o corte de 1.160 árvores. Esse dado estarrecedor tem tudo a ver com a retirada, a partir de 2021, da área de licenciamento ambiental da Secretaria de Meio Ambiente, transferindo-a para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico. A Prefeitura colocou a economia à frente do meio ambiente, deixando aquela secretaria capenga.
Além das contradições com o plano presentes na gestão da cidade, o PDS também entra em contradição com decisões da Câmara de Vereadores da Cidade. A revisão do Plano Diretor, recentemente aprovada naquela casa, permitiu a abertura de vias acima da cota 60, o que impacta as áreas florestadas. Outra decisão da Câmara foi a de não incorporar a proposta de se estabelecer áreas rurais na cidade, onde tal atividade seria prioritária. Mas o PDS propõe o fortalecimento e ampliação das áreas destinadas à produção agrícola, com aumento em 2030 de 20% das áreas destinadas a essa atividade.
Em apenas três meses de 2024, o Brasil já teve três ondas de calor. No ano anterior foram nove. Neste final de semana se anuncia a chegada de uma frente fria com riscos de inundações. A crise climática nos pega pouco prevenidos. Temos um plano para o enfrentamento da crise climática, mas ele é pouco conhecido da população, suas metas estão em flagrante contradição com práticas atuais da administração da cidade e com a prática legiferante da Câmara de Vereadores. Além disso, considerando as ambições temporais do plano, poucos projetos estão em execução. É bom ter um plano, mesmo que com problemas. Mas não o ver ser colocado em prática é que não é nada bom.
Não há plano inteligente de reverter o quadro. O que há são mais áreas verdes sendo desmatadas para construção de condomínios (muitos deles de alto padrão – vide um novo condomínio de casas em Mangaratiba, festejado por este portal aqui). Há mais áreas verdes removidas para construção de fábricas, galpões comerciais, supermercados, igrejas, estádios de futebol e outros equipamentos esportivos, etc, etc, etc, etc. A construção civil demanda espaço e recursos naturais.
O que há é uma sanha geral de atochar as ruas de mais carros e motos, como se o caos do trânsito atual já não fosse sofrimento o bastante. Ter carro é sinal de “mérito”, e ninguém abre mão de expor publicamente esse tal de mérito, que na prática, só uma meia dúzia dentre 8 bilhões têm de fato (me refiro ao “mérito”).
O que há é uma aumento na fabricação de produtos que demandam metais (a lista é enorme), o que exige retirada de mais minérios do subsolo, removendo cobertura florestal.
O que há é uma nova (nem tão nova assim) modinha entre os muito ricos de terem seu próprio jatinho particular, passeando pra cima e pra baixo sem motivo plausível, queimando combustível fóssil. A maioria, mesmo dentre os não ricos, considera isso mais do que correto e natural, afinal é preciso mostrar publicamente o “mérito” e a prosperidade.
O que há é uma expansão dos latifúndios de milho e soja, destruindo gigantescas áreas florestais. Tem muita gente que repete (burramente) que o agro é pop e fundamental para o desenvolvimento do país, e defende que o negócio tem mais é que continuar crescendo mesmo. A destruição ambiental? Depois a gente vê isso…
O que há é uma população crescente, que vai continuar precisando de novas habitações feitas de areia, tijolos, cimento, vidros, e metais, tudo retirado da natureza, aumentando a degradação. Esses 2 bilhões de humanos que estão por vir nos próximos 20 anos vão precisar comer, se deslocar com meios de transporte, usar aparelhos elétricos e eletrônicos (fabricados a partir de minérios retirados do subsolo, destruindo mais áreas verdes). Vão querer também comer sua carninha dia sim e outro também, aumentando a demanda por bois, frangos, porcos, peixes, etc, que por sua vez são alimentados com ração a base de soja e milho, que vem da onde mesmo? Dos latifúndios de soja, que não param de se expandir, obviamente. O tal do agro só é pop na mente dos pouco inteligentes.
Como se vê, população exageradamente grande e crescente com hábitos de vida e de consumo pra lá de destrutivos, não poderia resultar em outra coisa, certo? É possível reverter o estágio de coisas sem uma alteração profunda da nossa presença no planeta e dos nossos hábitos? Se alguém tiver uma fórmula mágica, que a apresente.