O festival Panorama da Dança Contemporânea faz 30 anos. Desde 1992 ele vem mobilizando artistas nacionais para que preparem seus trabalhos para a mostra, além de convidar artistas e companhias internacionais. Para a dança carioca ele foi sempre um evento fundamental. O Panorama nasceu junto com a emergência de grupos e companhias que buscavam linguagens próprias e tentavam se firmar profissionalmente. Em seus melhores momentos, o Panorama fazia a costura entre esses grupos, propiciava o diálogo com companhias de outros países, e funcionava como uma plataforma para a exposição desses artistas a curadores de outros festivais.
A partir do Panorama, muitas companhias e grupos brasileiros, especialmente os cariocas, foram levados a exibir seus trabalhos em teatros de outros países. Com o Panorama funcionando como coluna vertebral do movimento de dança carioca, ganhamos todos: os artistas, a dança e a cidade. Houve um momento em que o Rio de Janeiro foi o epicentro da dança contemporânea brasileira, chegando a atrair para cá companhias de outros Estados, que também se tornaram cariocas. Para a cultura local isso não tem preço.
O mais interessante é que, em todos esses anos, o Panorama não se limitou às companhias já consolidadas e nem às áreas da cidade mais privilegiadas. Ao contrário, ele foi buscar artistas iniciantes e criadores da periferia. Diversidade sempre foi um atributo do Panorama. Diversidade de linguagens, de origens, étnica e social.
Para comemorar esses trinta anos, bailarinos e coreógrafos que já participaram das diversas edições do festival foram reunidos nesta semana no Teatro Sérgio Porto, uma noite memorável. Ali estavam criadores de gerações distintas. Quando, lá atrás, alguns já se apresentavam no festival, outros sequer haviam nascido. Mas agora estavam ali, todos irmanados no desejo de celebrar esse feito. Reivindicavam também que as autoridades políticas da cidade compreendam que o festival Panorama é um trunfo e um ativo valioso do Rio de Janeiro.
A celebração mostrou a riqueza da dança contemporânea carioca. Ficou evidente como seus criadores foram buscar referências em fontes tão diversas, como o samba, o hip-hop e a dança de rua, a dança de salão, a dança moderna americana, o expressionismo alemão, a dança-teatro, o circo, as artes plásticas, o cinema, o butô, e as experiências de desconstrução da própria dança. Tudo isso perpassado e digerido antropofagicamente pela criatividade dos artistas locais.
O que se viu foi um rio de memórias e afetos desembocando na cena do Sérgio Porto. Às vezes sereno, às vezes emocionado em lágrimas, às vezes volumoso e forte. Lá também estavam os que já se foram, criadores e produtores devidamente lembrados e homenageados. Como é bonito perceber que o fazer artístico e a emoção que ele desperta pode se dar apenas com o próprio corpo em movimento e, talvez, com o auxílio de quase nada, um pano, um surdo, uma tinta, ou uma bandeira.
O Panorama da Dança Contemporânea é tudo isso e muito mais. Ele guarda a memória daquilo que de mais expressivo já se produziu na dança da cidade. Ele já impulsionou as carreiras de inúmeras companhias. E ele poderá impulsionar as conquistas de artistas que ainda nem nasceram nesse ano em que se comemora seus trinta anos. Mas para isso, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro precisa continuamente ser lembrada de que esse instrumento de promoção da cultura carioca, essa plataforma para novos talentos existe e deve ser apoiada de forma sustentável e generosa. Que venham mais trinta anos!