Roberto Anderson: Um voto por Marielle

Foi na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro que uma mulher vinda da favela se projetou nacionalmente, e internacionalmente, infelizmente pela pior das razões, o seu assassinato

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No próximo domingo, os brasileiros, com exceção dos moradores de Brasília, elegerão seus prefeitos e vereadores. Até aqui as disputas para prefeitos das capitais, como de costume, vêm sendo relativamente bem acompanhadas pela imprensa. São Paulo nos apresentou o bolsonarismo ponto 2, a nova ameaça. Uma evolução naquilo que já provocava calafrios e que se acreditava não poder ser pior. Pois pode. Um modelo de fazer política na base da agressão permanente, da lacração pela prática de caluniar adversários, de se mostrar abertamente misógino, preconceituoso e violento. Um modelo que, por se mostrar viável eleitoralmente, mesmo que não alcance a vitória num primeiro momento, deverá se expandir por entre oportunistas de todos os quadrantes do país.

No entanto, a atenção aos candidatos à vereança é sempre menor, o que faz com que os resultados sejam surpreendentes, e mesmo ignorados pela maioria do eleitorado. Desatenção preocupante. São nas Câmaras de Vereadores que os prefeitos confirmam suas políticas para as cidades, ou as têm corrigidas. De lá partem as aprovações de onde gastar os recursos públicos municipais. De lá partem leis que afetam o dia a dia do cidadão. De lá partem legislações que podem afetar irremediavelmente a paisagem das cidades ou protegê-las. São as Câmaras Municipais que homenageiam e concedem títulos de cidadãos honorários a pessoas merecedoras das homenagens e a outras que nem tanto.

Foi na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro que uma mulher vinda da favela se projetou nacionalmente, e internacionalmente, infelizmente pela pior das razões, o seu assassinato. Marielle Franco, usando seu mandato a serviço dos mais desfavorecidos, ousou contrariar os interesses da máfia da grilagem de terras urbanas na cidade, que ocorre geralmente por desmatamento e ocupação de terras públicas. Se a ação de uma vereadora foi capaz de incomodar criminosos tão poderosos, com ramificações no Tribunal de Contas, na política e na polícia, é porque esse tipo de prática está ocorrendo debaixo do nosso nariz e precisamos de mais pessoas corajosas que a enfrente. Nunca nos esqueçamos que a terra urbana, um valor construído coletivamente, que deveria ser usada para o benefício coletivo, foi transformada em um grande ativo econômico, alvo de especulação, pelo qual grupos poderosos, alguns mafiosos, se digladiam. E cabe ao poder municipal, o que inclui a Câmara de Vereadores, regular o uso dessa terra.

Há muito o que fazer pelas cidades. Há a crise climática batendo às portas e exigindo políticas de adaptação. Há a necessidade de arborização intensa das ruas e praças, e a necessidade de buscar melhores soluções para o problema das chuvas torrenciais. Há diversos novos modelos de organização do espaço urbano sendo implementados nas principais cidades do mundo. Paris vem investindo no conceito de proximidade da moradia ao trabalho, às necessidades mais básicas e ao lazer, a chamada cidade de 15 minutos. Cidades de países nórdicos vêm buscando novos parâmetros na busca da construção da sustentabilidade.

Na cidade do Rio de Janeiro vemos ações descosturadas. Uma rede de ciclovias incompleta e malcuidada, um VLT limitado aqui, uns novos parques ali, um metrô que não avança acolá, um programa de revitalização de áreas centrais que pode se transformar no paraíso dos investidores em imóveis para locação de temporada… Em todas essas políticas a ação, ou omissão da Câmara de Vereadores se faz presente. E boa parte dos vereadores eleitos não têm ideia da complexidade da cidade, voltando-se para o atendimento de demandas paroquiais ou para o simples endosso das políticas propostas pelo prefeito.

No próximo domingo o eleitor terá mais uma chance de fazer bonito, de enviar às Câmaras de Vereadores políticos comprometidos com o bem-estar dos cidadãos e com a melhoria das cidades. Por isso, é tão importante nessa reta final voltar a atenção para os candidatos àquelas casas. Se entre os candidatos a prefeitos há os bem-intencionados, mas também há os histriônicos, os populistas e os violentos, entre os candidatos às câmaras municipais esses atributos estão muitas vezes multiplicados. Dá trabalho, mas é muito importante saber escolher. A memória de Marielle merece um voto consciente.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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