O céu é azul, mas nele voam aviões e drones israelenses que matam quem está ali embaixo na terra. Os edifícios estão em escombros, depois de seguidos bombardeios, mas há quem lá more e coloque roupas no varal. O que resta da rua está tomado por blocos disformes de concreto, ferros retorcidos, poeira de alvenaria desfeita, cacos de vidro, pedaços de brinquedos de crianças. Apesar disso, uma mulher insiste em varrer, deixando limpo o pequeno trecho do seu mundo desabado, se isso é possível. Nas guerras, as mulheres perdem os maridos, perdem os filhos, cuidam dos que restam, tratam dos velhos, choram e se desesperam. Mas são elas que sempre dão início ao trabalho de reconstrução, de volta a alguma normalidade, mesmo que as bombas sigam caindo, e que sua família possa desaparecer, como já ocorreu a tantas outras. O que sobrou de asfalto está marcado pelo sangue dos que foram atingidos por atiradores de elite, dos que tiveram seus corpos esmagados sob os tanques, dos que foram dilacerados em pedaços por bombas, dos que ficaram esmagados, incógnitos, sob as lajes desabadas. Não se vê crianças, os alvos mais doídos, mas elas, em algum buraco, certamente existem. Em algum lugar, seguem sentindo fome e pensando em brincar. Vestem suas roupas sujas, têm os cabelos desgrenhados e os olhos de súplica e incompreensão do mundo violento que as cerca. Em alguma rua de Gaza, apesar do genocídio, alguns seres humanos relutam em não desaparecer.
Roberto Anderson: Uma rua em Gaza
Em algum lugar, seguem sentindo fome e pensando em brincar. Vestem suas roupas sujas, têm os cabelos desgrenhados e os olhos de súplica e incompreensão do mundo violento que as cerca