Roberto Andreson: Desordem urbana oficial

Arquiteto e urbanista, Roberto comenta sobre a liberação de obras, reformas e instalações aprovadas no Rio de Janeiro

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Quando um órgão público define uma restrição de edificação para a proteção do Patrimônio e, tempos depois, retira essa restrição, em favor de uma construção mais alta, logo se pensa em corrupção. É assim o modus operandi da maioria dos maus gestores. Mas, aqui na Cidade Maravilhosa, uma nova razão se sobrepõe ao ideal de proteção do Patrimônio e da paisagem: a desregulamentação (neo)liberal.

É exatamente a mesma destruição/desregulamentação que está sendo levada a cabo por Trump e por Milei, apenas de forma menos estridente. No Rio de Janeiro de Eduardo Paes, uma obscura secretaria de desenvolvimento econômico concentra os licenciamentos ambiental e edilício, retirados das secretarias dessas respectivas áreas, passando por cima de conceitos de proteção do meio ambiente, da paisagem e da qualidade de vida arduamente construídos durante décadas.

Foi o que aconteceu no terreno lateral à Basílica Imaculada Conceição, na Praia de Botafogo, número 266. Muitas décadas atrás, dos dois lados da igreja, existiam duas edificações neoclássicas com dois pavimentos cada. Uma era o Colégio da Imaculada Conceição e a outra abrigava a residência das religiosas do colégio. Elas emolduravam a igreja neogótica, cuja torre em agulha marcava a paisagem da Enseada de Botafogo, e eram ligadas àquela igreja por passagens suspensas. Posteriormente essas construções ganharam mais um pavimento.

Com a construção do viaduto que liga a Praia de Botafogo à rua Pinheiro Machado, a residência das freiras foi demolida, já que o viaduto avançou sobre o terreno daquela edificação. Sem sua residência, as freiras passaram a dormir no andar superior do colégio, uma situação bastante desconfortável.

Anos atrás, elas decidiram encomendar a construção de uma nova residência no que havia restado do terreno ao lado da igreja. O IRPH, acertadamente, fez uma série de exigências relativas ao projeto, como não ultrapassar a altura das paredes laterais da igreja, que é tombada. Em Patrimônio, é o que se chama respeitar a ambiência do bem tombado. Considera-se que este deva estar inscrito em um contexto que respeite a sua escala, materialidade, forma e simbologia.

O novo edifício foi construído a partir do projeto do arquiteto Marcos Bittencourt. Sua altura efetivamente era mais baixa do que a da igreja, suas formas e materiais eram compatíveis com as do monumento tombado, marcando a diferença temporal. Durante os levantamentos no local para subsidiar o projeto arquitetônico, foi descoberta a ruína de parte da parede dos fundos do antigo imóvel, em pedra e cal, com os vãos das antigas janelas. Ela havia sido emparedada por muros e o projeto da nova edificação deu destaque a essa ruína.

Agora, nem dez anos depois de edificado, o imóvel foi vendido e demolido. No seu lugar, a Prefeitura aprovou um edifício bem mais alto do que a igreja, reduzindo o monumento religioso a um pequeno objeto encravado entre edifícios bem mais altos que sua agulha, a qual já foi um marco na paisagem de Botafogo.

O que houve? Mudaram assim de forma tão radical os parâmetros para a proteção de bens tombados? Não, mas ocorre que a Prefeitura do Rio está dominada por uma lógica de mercado, que aprova qualquer coisa proposta por essa entidade difusa. Tais aprovações passam por cima de conceitos consagrados de preservação da ambiência de bens tombados e da necessidade de preservação do meio ambiente. O IRPH, herdeiro das experiências do antigo DGPC e do Escritório Técnico do Corredor Cultural, dois órgãos de excelência, não merecia tal situação.

Este não é um caso isolado. A permissão para uma tirolesa no Pão de Açúcar e a aprovação de um shopping-center no Jardim de Alah são exemplos desse vale-tudo. Também a privatização de área de praia junto ao quiosque do Pepê, a construção de prédios altos como anexos de edificações preservadas, o pagamento para legalizar projetos fora dos parâmetros permitidos (mais valerá), e o gabarito liberado para novas construções no Centro são exemplos de licenciamentos contrários ao bom senso e à proteção da paisagem da cidade. É a desordem urbana promovida pelo próprio alcaide. Os que lucram com essa destruição no Rio de Janeiro têm recursos para passar férias em Paris e Londres. Dirão depois, como os europeus sabem preservar o seu Patrimônio!

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

2 COMENTÁRIOS

  1. Com certeza a autorização para construção desse empreendimento levou rios de dinheiro de corrupção, senão alguma outra vantagem que não para população é a cidade.

  2. O articulista quer saber o que realmente é desordem urbana? Vai em Bonsucesso, na Rocinha, em Madureira e em todo o subúrbio em geral. Vai no Centro, ande pela cidade. Critica Trump e Milei mas não critica o maior destruidor da amazônia, do cerrado, da caatinga e que está em plena atividade. Não critica quem roubou muito e voltou pra roubar mais a olhos vistos e que implementa desordem por onde passa. Ora…vá ! O atual governo municipal é unha e carne com quem o articulista já demonstrou afinidade em outros textos. Governos q trabalham para os “seus” e não pelo todo.

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