O dramaturgo e escritor tricolor Nelson Rodrigues certa vez disse que a escolha do nome determinava o sucesso ou o fracasso da pessoa, ou seja, praticamente a predestinava. “Napoleão, se não fosse batizado assim, certamente seria menos napoleônico”, dizia o genial autor de dezenas de peças teatrais e crônicas esportivas inigualáveis. Lembro Nelson para que o distinto leitor não subestime, assim, a minha preocupação recente com a criação de um Dia da Maconha Medicinal pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Era o objetivo do PL 1794/2016, do vereador Paulo Pinheiro e do hoje ex-vereador Renato Cinco. O texto era simples e direto: “fica incluída, no §11, do art. 6º da Lei nº 5.146, de 7 de janeiro de 2010, a seguinte data comemorativa: “Dia da Maconha Medicinal”, a ser comemorado, anualmente, em 27 de novembro”. A lei 5.146 é nada menos que o calendário oficial da nossa cidade.
Muitos disseram que eu impliquei com o projeto por mero reacionarismo. Certamente estes não conhecem o poder das palavras e dos nomes, tão bem descrito por Nelson. E ao longo dos anos, vemos o prejuízo à saúde que a divulgação de ideias errôneas trouxe para os jovens. Por exemplo: quantos jovens foram afetados pelo slogan “AO SUCESSO” de uma marca de cigarros? Barcos modernos, iates, catamarãs, caiaques, tudo isso desfilando diante dos nossos olhos ao som de músicas cinematográficas, embutiam em nossos cérebros a ideia esdrúxula de que o cigarro combinava com o esporte e com o sucesso!
Pois bem: como neurocirurgião, sou amplamente a favor do uso do canabidiol em um amplo espectro de tratamentos. Não hesitaria em prescrevê-lo. Mas o problema é que no caso há aí um “cavalo de Tróia”, um “Lobo em pele de cordeiro”. Ao chamarmos de “dia da maconha medicinal”, podemos saber que a data será do canabidiol. Mas os jovens vão entender, desde a mais precoce idade, que existe alguma maconha que pode ter efeitos benéficos para a saúde. Não há! Cito apenas uma pesquisa recente, de 2018, feita no Canadá, pela pesquisadora Patricia Conrod, professora de psiquiatria da Universidade de Montreal. A conclusão alarmante: o uso de maconha por adolescentes aumenta diretamente o risco de desenvolvimento de psicose. Os jovens pesquisados tinham média de idade entre 12 e 16 anos. No mesmo país, um ano antes, outra pesquisa também demonstrava déficit cognitivo e de aprendizado.
E nós, vereadores do Rio, queremos mesmo que os jovens, alguns ainda crianças, acreditem que a maconha pode ser “medicinal”? Vamos mesmo subestimar o poder das palavras e nomes deste jeito? O projeto foi retirado de pauta, mas nesta terça-feira (16/05), foi realizada uma audiência pública na Câmara sobre a questão do canabidiol. E lá, constatei, estupefato, que o uso medicinal do canabidiol, num passe de mágica, se transforma em apologia ao uso “recretativo” da maconha, inclusive para crianças. Alguns participantes da audiência tentaram até dar uma conotação religiosa ritualística. Novamente: dou total apoio ao Dia do Canabidiol. Mas não entrem com esse lobo vestido de cordeiro: maconha medicinal NÃO.
Se Napoleão, segundo Nelson Rodrigues, haveria de ter um destino napoleônico, é preciso que nossos jovens entendam: coisas que envolvem maconha terminam sempre em médico, nunca em medicinal.
Usar tempo dos vereadores e recursos públicos para instituir um “Dia da Maconha Medicinal” é uma estupidez. Dito isto, é igualmente estúpido (se não mais) dizer que a maconha não pode trazer benefícios para a saúde. Se uma palavra, na opinião do vereador neurocirurgião, é mais importante do que a evidência científica (e não vale fazer cherry-picking apenas dos estudos que corroboram com sua opinião), então talvez o sujeito devesse considerar mudar de ocupações – sim, no plural, pois não serve nem para a medicina, nem para o poder público.
A qual partido Paulo Pinheiro e Renato Cinco são vinculados…PSol. Não é necessário comentar + nada.
Eu sou de esquerda, a favor da legalização da maconha e vim aqui parcialmente decidido a cornetar, mas como gosto de dar o benefício da dúvida, decidi ler o texto, e realmente me convenceu.
Eu sou defensor da ideia de que a criminalização da maconha é a maior propaganda do seu uso desregulado (inclusive por jovens) que existe. De fato, o uso da maconha na juventude é altamente problemático. Já ouvi um especialistas, que inclusive é usuário recreativo da erva e favorável à legalização, afirmar que a maconha não deveria ser usada em hipótese alguma antes dos 23 anos.
Enquanto a maconha for proibida, de fato, uma data com esse nome pode acabar incentivando o uso recreativo e desregulado, inclusive por jovens, de modo que o vereador me parece ter razão ao afirmar que o nome “Dia do Canabidiol” seria mais adequado.