Roland Saldanha: Chopps, Fritas e Comércio

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre decisão de prorrogação, por mais cinco anos, das medidas de Defesa Comercial impostas em 2017

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Foto de Dzenina Lukac: https://www.pexels.com/pt-br/foto/batatas-fritas-1583884/

O Carnaval de 2023 começa com uma excelente notícia: chopp com fritas de boa qualidade serão mais fáceis de encontrar nos melhores botecos e restaurantes, conforme decisão publicada no Diário Oficial da União de hoje — Dois chopps, por favor, e a conversa desce mais fácil.

É que estava em análise a prorrogação dos direitos antidumping sobre as batatas pré-fritas congeladas importadas da Bélgica, Holanda, França e Alemanha. Esta medida chegou a representar um sobre-preço de mais de 50%, em média, nas batatinhas que vinham de lá. Com a decisão de hoje, estes “direitos” caíram significativamente, chegando a haver produtores europeus que poderão exportar para cá sem estas “taxas” (já explico…) ou ao menos com acréscimos que não impedem os negócios.

As pessoas costumam saber pouco sobre os mecanismos de Defesa Comercial, os problemas que se quer resolver com eles e menos ainda sobre os inconvenientes que eles podem trazer.  Precisamos voltar às reuniões que ocorreram entre os países depois da 2ª Grande Guerra para achar as sementes do assunto.

Com as economias muito abaladas após duas grandes guerras, a preocupação com a retomada robusta das atividades e com os empregos foi bem encaminhada pela decisão de liberalizar o comércio e de reduzir drasticamente as tarifas de importação em todos os países signatários do acordo multilateral que selou o compromisso do GATT – o Acordo Geral de Tarifas e Comércio. Sim, o Brasil foi um dos 23 fundadores na Conferência de Genebra, que evoluiu em rodadas negociais para o que atualmente se conhece por Organização Mundial do Comércio (OMC), com 164 países membros. — Mais dois chopps e uma porção, chefia?

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Aproveitar das vantagens de fluxos de um comércio livre e previsível é o que fazemos ao irmos à feira em vez de plantar abacaxis, bananas e melancias na sala de casa; cada qual faz mais daquilo em que é relativamente melhor e depois trocamos. Funciona como mágica: a mão invisível dos mercados. Mas havia um problema… Baixar as barreiras protecionistas de forma rápida e generalizada poderia deixar expostas algumas indústrias dos signatários à concorrência estrangeira desleal, que sufocaria os produtores no mercado de destino desovando (em inglês, “dumping”)  mercadorias de baixo valor para, posteriormente, assumir a totalidade da oferta. Para cuidar desta possibilidade, incluiu-se no GATT um artigo específico para cuidar do tema, autorizando a imposição dos “direitos antidumping”, após um cuidadoso processo de investigação, para o desestímulo e combate ao comércio internacional desleal.

Direitos antidumping não são taxas, nem se confundem com impostos de importação (tarifas, no vocabulário especializado). São uma espécie de multa ou sanção não tributária que serve para neutralizar os efeitos distorcivos dos preços de exportações supostamente desleais. Um processo exaustivo, em que se avaliam milhares de transações nos diversos mercados e em que os custos detalhados de cada modelo vendido devem ser conferidos… Quando aplicados, contudo, os efeitos econômicos dos direitos antidumping ficam muito similares aos de impostos de importação, elevam os preços dos produtos estrangeiros e protegem a indústria doméstica deste tipo de distorção.

No decorrer do tempo e rodadas de negociação do GATT, porém, o conceito original de comércio desleal foi sendo flexibilizado e ampliado, deixando de ser instrumento específico para o combate de estratégias de predação internacional e passando a facilitar a abertura de investigações antidumping com finalidades exclusivamente protecionistas, anti-comércio, opostas aos próprios objetivos do GATT. Os meios de defesa comercial não são diferentes de um remédio que, usado em excesso ou fora da indicação específica, mata. Com este mal uso, certas indústrias encontraram caminho possível para se proteger da concorrência leal, aproveitando-se das fragilidades no diagnóstico do dumping. Uma indústria bem consolidada e lucrativa pode conseguir, infelizmente, ampliar seus lucros e até monopolizar seu mercado local se convencer as autoridades de defesa comercial de seu país que está sofrendo pelas importações a preços “desleais” provenientes de certas origens, mesmo que estes sejam preços perfeitamente competitivos e leais em análise objetiva.

O caso das batatas nasceu, assim, da comparação entre preços de tipos específicos de batatas fritas, vendidas em um mercado em que se consomem mais de 16 kg por habitante ano, com os de batatas mais populares, exportadas a consumidores menos exigentes, ou que simplesmente nunca tiveram acesso a uma boa batata dos Países Baixos. No Brasil, atualmente, são cerca de 3 kg per capita ano, mas a demanda cresce a taxas firmes e promissoras de 10% a.a. Em 2017, foi fixada uma sobretaxa antidumping pela comparação de preços de produtos distintos, o que fez reduzir muito as importações das origens onde são fabricadas as melhores e mais competitivas fritas do mundo.

Não se pode responsabilizar as autoridades de Defesa Comercial, contudo, por inconsistências que elas não podem evitar, dadas as regras do jogo. Com respeito aos referenciais legais, técnicos do Ministério do Desenvolvimento altamente especializados por fim reduziram incertezas e cumpriram bem o seu papel. Casos como este são complexos, destrinchar os detalhes intricados de cada uma indústria  a passos acelerados e em países distintos não é tarefa fácil. A investigação precisa durar até no máximo 18 meses, em rito com fases bem-marcadas, que prevê até auditorias profundas nas fábricas nas origens investigadas.

A decisão publicada no Diário Oficial de hoje se refere à prorrogação, por mais cinco anos, das medidas de Defesa Comercial impostas em 2017. Os direitos não foram completamente extintos, como desejavam os exportadores e consumidores, mas caíram significativamente, criando um cenário que impede os exageros nos preços domésticos e coloca um fim ao desabastecimento do mercado brasileiro.

Os bares, lanchonetes, hotéis e restaurantes do Rio, por tanto tempo fechados durante a pandemia, ficarão mais cheios, e seus donos aliviados. O turismo agradece e mesmo a alimentação em casa ficará mais barata e sortida. Vêm de lá da Europa as iniciativas tecnológicas de ponta para reduzir a quantidade de gorduras ruins e de produção sustentável deste produto que é igual ao feito em casa, mas sem sujeira.

– Mais uma batatinha e dois chopps, amigão! Partiu Carnaval!

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1 COMENTÁRIO

  1. Impressionou-me encontrar um artigo sobre um caso concreto ligando GATT e OMC aqui no jornal. Parabéns, é assim que aumentamos o nível da informação. Por mais informações como estas e menos notícias sobre quantas toneladas de lixo a comlurb recolheu.

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