Roland Saldanha: Desindustrialização e Mercosul – Inimigos da Democracia

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“Ao final da jornada, nos lembramos apenas de uma batalha: aquela em que lutamos contra nós mesmos, o inimigo original, aquele que nos define.” Vale degustar os bons vinhos “El Enemigo” (Bodega Aleanna), produzidos com expertise do premiado enólogo Alejandro Vigil e por Adrianna Catena, sendo genial o storytelling usado, que se inspira na Divina Comédia para motivar o provocativo nome nas botellas. Mas o tema hoje não são vinhos, sempre melhores bebidos do que narrados. Atenção aos inimigos que nos definem!

Conviver com erros próprios, ocultando-os e atribuindo os problemas decorrentes a terceiros, é uma escolha muito comum, cômoda e paralisante. O Inferno de Dante é assim, de gélida mesmice, dependendo de demônios freneticamente batendo asas para manter o frio nas profundezas. A desindustrialização no Brasil, fenômeno comum a todos os membros do Mercosul, é encolhimento que depende dos frios ventos protecionistas para acontecer.

Medida pela queda na participação de atividades industriais no valor agregado em uma economia, a desindustrialização não é sintoma de doença quando decorre apenas da pujança no crescimento de outros setores. Construção e manufatura ainda empregam muito, mas o setor de serviços é favorecido por leveza incorpórea que gera valia usando menos força bruta e mais habilidade humana, agora amplificada por meios artificiais.  A desindustrialização que incomoda é outra, aquela da perda na capacidade de produção possível, do encolhimento de musculatura e potência para atender às necessidades sociais por mercadorias, no consumo final ou uso intermediário, inclusive para viabilizar o bom funcionamento dos demais setores.

O Mercosul não é demônio, é obra nossa. Fundado pelo Tratado de Assunção (1991), pode ser descrito (politicamente) como um processo de integração regional que visava à criação de um espaço comum para aproveitamento de oportunidades comerciais e de investimento, incorporando facilidades na movimentação de pessoas dos Estados-Membro, bem como acordos culturais, trabalhistas e sociais.

São boas as facilidades de mobilidade que permitem ir a Punta del Leste, Mendoza ou Assunción sem portar passaportes, de importar ou exportar bens produzidos nos países do bloco sem pagar impostos de importação e, sob perspectiva recente, de ter alguém por quem torcer na final da Copa. Passados 30 anos na jornada, contudo, os resultados observados da integração “econômica” arquitetada não surpreenderam os economistas: o Mercosul é um potente instrumento para isolar o mercado regional do ambiente competitivo mundial, desviando o comércio mais vantajoso e sancionando ineficiências produtivas nos diferentes membros. Na imagem dantesca: isopor de dutos num inferno congelado.

Após rápida ampliação na fase inicial de implementação, os fluxos de comércio intra-Mercosul paulatinamente retornaram aos patamares da década de 1990, notando-se distanciamento dos países-membro das cadeias globais de valor e decepcionantes taxas de crescimento das economias autorreferenciadas.

Desde 2021 em negociações bilaterais para assinatura de um Tratado de Livre Comércio (TLC) com a China, o Uruguai parece disposto a exorcizar seus próprios demônios. O pequeno país decidiu enfrentar inimigo original que lhe impede acesso aos melhores negócios, obriga compras regionais de produtos precificados por monopolistas ou cartéis para incluir a TEC que apenas formalmente não é paga. Optou por se abrir aos ares mais saudáveis da concorrência e possibilidades do comércio internacional. O Uruguai não é pequeno; são gigantes os que têm noção, coragem e disposição para enfrentar os inimigos originais, múltiplos e hipócritas. Arrisca-se sem medo, inclusive, a ser posto em exílio regional.

Bom exemplo, boas perspectivas. O Uruguai tem condições excepcionais para prosperar e reverter sua desindustrialização sem invencionices intervencionistas ou artificialidades cambiais. Os Tannats uruguaios podem ficar até mais caros no Brasil, mas valerão cada gota!

Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Nossa mentalidade é anticapitalista . . . Resta saber de que tipo de capitalismo estamos falando. É o mesmo capitalismo do Jorjão, do Betão e do Marcelão, nossos ícones da meritocracia?
    O Mercosul não vai dar certo nunca porque são muitos espertos num balaio só.
    Quando vamos parar de brincar disso?

  2. O Uruguai está correto em suas pretensões. Se perguntar ao Paraguai ele quererá o mesmo. Brasil e Argentina que mantém ainda uma mentalidade atrasada de usar o Mercosul como um instrumento apenas político e que não traz benefício econômico da eficiência. Obrigamo-nos a comprar caro uns dos outros e assim repelimos os produtos de fora. Mesmo assim, estamos com nossa indústria caindo e a Argentina também. Porque será?

    Nossa mentalidade é anticapitalista, o ambiente de negócios é ruim pra atividade produtiva, os custos de energia elétrica são um assalto, os impostos têm lógicas perversas pra produção e por fim, custos altos do trabalho quando se junta a CLT com a baixa produtividade do brasileiro.

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