Roland Saldanha: Gases de Vaca Muerta

O economista Roland Saldanha fala sobre o possível financiamento do BNDES no transporte de gás natural da Argentina e o desperdício do gás do Brasil

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BNDES - Rio de Janeiro | Foto: Rafa Pereira - Diário do Rio

Os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) são referenciais úteis para se tratar da questão do Gás Natural no Brasil e, em particular, da ideia do financiamento brasileiro para o trecho de gasoduto Nestor Kichner, na Argentina. Os ODS nos comprometem como observadores externos, mas dependem de engajamento ativo de governos, organizações e de cada pessoa na sociedade global para que haja efetiva aproximação das 169 metas Agenda 2030 da ONU. 

Estamos todos num período de transição energética para uma economia global de baixo carbono, limpa e acessível, preocupados com o aquecimento do planeta, mudanças climáticas e, na verdade, com a própria possibilidade de continuarmos aqui por mais alguns milhares de anos. O gás natural, apesar de ser recurso não renovável, aparece como alternativa valiosa na árdua tarefa de substituir fontes energéticas sujas, emitindo 44% menos CO2 que o carvão e 27% menos do que o petróleo para gerar a mesma quantidade de poder calorífico. Mesmo em relação ao GLP, vendido em botijões, o gás natural produz 17% menos moléculas de gás carbônico após a queima.

O tema é intrigante, considerando que no Brasil estamos extraindo gás natural no Pré-Sal e hoje reinjetando mais da metade de volta nos poços, em volumes “devolvidos” que são superiores ao total que importamos da Bolívia e em proporções muito superiores às observadas internacionalmente. A elevada reinjeção reduz o custo da extração de petróleo e mantém racionada a oferta de gás, por receituário de monopólio, mas poderia ser drasticamente reduzida com investimentos em equipamentos de purificação e escoamento, que interessam à sociedade.

O possível financiamento BNDES para a construção de dutos de transporte de gás natural extraído em campo de país vizinho levanta conflitos entre diversos ODS e chama a atenção para o desperdício e alto preço do gás natural no Brasil.

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Com difícil acesso a recursos externos, controles de preços e incertezas regulatórias que tornam o negócio pouco atrativo a investidores estrangeiros, a sofrida sociedade Argentina pede suporte brasileiro para viabilizar e acelerar o aproveitamento dos gases de Vaca Muerta, diminuindo sua dependência do suprimento boliviano e do Chile e sonhando com importante aumento do PIB, puxado pelo uso doméstico e exportações de fósseis.      

Vaca Muerta é uma das maiores reservas de gás natural de xisto (shale gas) no mundo, exigindo técnicas de extração por fracking, um processo em que se injeta água, areia e substâncias químicas em alta pressão para empurrar as moléculas à superfície. A rota tecnológica é controversa pelos riscos de contaminação de lençóis freáticos, rios, lagos e do próprio solo. Situado em território ocupado por indígenas Mapuche e com 14 poços de petróleo em operação, a intensificação da extração é clara ameaça à saúde e bem-estar de povos originários, bem como à fauna e flora locais.

Sendo boas as finalidades de colaborar com projeto com potencial para a aumentar a renda num outro país membro do Mercosul, que tende a reduzir a pobreza (OSD 1), gerar empregos e crescimento (ODS 8) e estimular a indústria argentina (ODS 9), a iniciativa que envolve fracking em território de povos originários afasta-se das metas de saúde e bem-estar (ODS 3), de cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11), de consumo e produção responsáveis (ODS 12) e de vida na água e terrestre (ODS 14 e 15). A maior disponibilidade de gás natural, em tese, encontraria alinhamento na busca de energia limpa e acessível (ODS 7) e nas ações contra a mudança global do clima (ODS 13).

Seria Vaca Muerta uma boa destinação para fundos do BNDES, anunciados em quase R$ 5 bilhões, majoritariamente colhidos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Tesouro Nacional dos brasileiros? Nós da Argentina e do Brasil precisamos enfrentar os inimigos que nos definem (vide posts anteriores), que impedem o acesso a financiamento externo para projetos de infraestrutura economicamente viáveis e que permitem a reinjeção por lógica privada de monopólio.  Os ODS ficarão sempre distantes sem racionalidade, boa regulação e transparência.

Tem muito gás natural sendo desperdiçado (em perspectiva social) no nosso Pré-Sal; vamos buscá-lo? Aumentando a oferta de moléculas de maneira a termos preços mais competitivos no Brasil, todos os 17 ODS ficariam mais perto de nós. Daria até para pensar a sério na reindustrialização do país. Energia barata e acessível é vida!

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3 COMENTÁRIOS

  1. Obrigado por achar que o assunto vale conhecimento e reflexão mais ampla Edgard. Me esforço muito para apresentar argumentos para leitura do todos, o que tem que afastar abusos. Talvez o ponto seja este mesmo, convidar cada um a enfrentar seus próprios inimigos originais, que não estão nos outros. Surtindo bom efeito, como exemplo!

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