Instituída pela Lei no 13.504/2017, o Dezembro Vermelho é uma campanha de grande mobilização no Brasil na luta contra o vírus HIV, a AIDS e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s). O propósito da campanha é chamar a atenção para a prevenção, a assistência e a garantia dos direitos das pessoas portadoras do vírus HIV. Dezembro foi escolhido pelo Ministério da Saúde em razão do Dia Mundial de Combate à AIDS ser no dia 1º dia dezembro.
Apesar de todo esforço da campanha, uma parcela da população acaba sendo “esquecida”, indiretamente, por diferentes motivos. Trata-se dos idosos. Dados do Boletim Epidemiológico sobre HIV/AIDS do Ministério da Saúde mostram que entre 2011 e 2021 houve 12.686 diagnósticos positivos para o HIV nesta faixa a partir dos 60 anos. Com relação à AIDS, foram notificados 24.809 casos e 14.773 mortes em decorrência da doença.
O Boletim destaca ainda que esta faixa-etária é a única na qual ocorreu um aumento percentual de falecimentos por conta do HIV ao longo destes dez anos. Para o geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Dr. Marco Túlio Cintra, esses dados reforçam a importância da orientação das medidas preventivas, de garantir o diagnóstico precoce e o acesso aos tratamentos contínuos e especializados para a população 60+, o que inclui reforçar a adesão à terapia antirretroviral (TARV) e o tratamento de infecções oportunistas, além do acompanhamento regular com profissionais de saúde capacitados. “Não podemos nos esquecer da questão da saúde mental e emocional dessas pessoas, uma vez que o estigma social relacionado ao HIV e à AIDS pode afetar a autoestima e o bem-estar psicológico do idoso. Assim, esse suporte deve fazer parte do tratamento.”
Fatores
A situação merece atenção. Entre 2011 e 2021, o número de idosos que testaram positivo para o HIV quadruplicou e, de acordo com o geriatra e presidente da SBGG, assim como tudo que envolve os idosos, esse aumento dos casos de HIV não tem uma causa apenas. Segundo ele, o primeiro fator está relacionado ao baixo uso de preservativos, já que não existe mais a preocupação com uma possível gravidez. “É preciso ficar claro para essa faixa-etária que o preservativo não é apenas um método contraceptivo, mas também uma alternativa bastante eficaz para evitar muitas infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV”, reforça, ao comentar que o segundo fator é a popularização dos medicamentos contra a disfunção erétil, que prolongaram a vida sexual de muitos homens. Dr. Cintra explica também que muitos idosos são divorciados ou viúvos, o que faz com que se sintam mais livres para outras relações e acabam se descuidando. Além disso, os aplicativos de relacionamento também auxiliam nesta jornada, facilitando os encontros.
Há também alguns fatores biológicos da idade que ampliam os riscos de infecção. Ele explica que a pouca lubrificação da vagina e do ânus, por exemplo, e a fragilidade do sistema de defesa do organismo nestes locais facilitam a entrada do HIV e embora tenha ocorrido um aumento do número de testes e diagnósticos, as informações sobre a testagem são divulgadas de forma insuficiente, o que contribui para que nem sempre ocorra a detecção precoce. “Infelizmente, mesmo quando o idoso já apresenta sintomas, como emagrecimento acentuado, os médicos sempre suspeitarão de câncer ou outra doença, mas nunca do vírus HIV. Esse ainda é um tabu dentro dos consultórios. É mito acreditar que idosos não tenham mais libido e vida sexual ativa, e isso prejudica a prevenção da doença e o diagnóstico precoce.”
De acordo com o médico geriatra, é preciso que as campanhas, como o Dezembro Vermelho, atinjam também os idosos, uma vez que o foco maior está nos mais jovens, o que faz com que eles não sejam alcançados.
Como lidar?
Geralmente, de acordo com o Dr. Cintra, a reação da pessoa idosa ao saber sobre a doença é de negação, raiva, perplexidade ou tristeza. O geriatra reforça que este é o momento de acolher a pessoa, sem qualquer tipo de julgamento, para que o tratamento comece o mais rápido possível. “Felizmente, hoje existem tratamentos eficazes com as chamadas terapias antirretrovirais, que permitem controlar a carga de vírus. No entanto, o uso desses medicamentos tem algumas particularidades nesta faixa-etária, sendo comum que a pessoa tenha comorbidades e doenças crônicas”, afirma o geriatra e presidente da SBGG, ao revelar que a saída é o médico adaptar o tratamento e escolher fármacos que não prejudiquem o funcionamento dos rins, do coração ou dos ossos, por exemplo. Segundo ele, em determinado casos, por causa da interação medicamentosa, é necessário ajustar as dosagens ou os princípios ativos para controlar enfermidades como diabetes, dislipidemia e hipertensão. “O principal objetivo é não afetar a efetividade da terapia antirretroviral.”