Despertamos no condomínio e sentimos a conta do nosso primeiro trekking no Fim do Mundo. Se você não faz ideia do que estamos falando certamente perdeu a última coluna, então volta lá para conferir que vale a pena. Estávamos tão cansados das noites mal dormidas, da tensão dos últimos dias, da ansiedade e do esforço físico que acordamos na parte da tarde. O friozinho do Ushuaia colaborou para ficarmos na cama a maior parte do dia recuperando as energias.
Entre uma cochilada e outra, no final da tarde, uma surpresa linda: começou a nevar no camping! Colocamos as mãos fora da janela e depois fomos ver a grama ficando branquinha. Ualll! Nossa primeira neve juntos! Apesar de não ter durado muito tempo, quando olhamos para as montanhas ao redor vimos os cumes todos brancos. Um sorvete de flocos gigante! Um espetáculo da natureza que nós cariocas nunca tínhamos vivenciado. Estávamos deslumbrados.
Depois de recarregarmos bem as baterias com um dia de descanso, tivemos nosso primeiro evento social no condomínio, um grande churrasco de comemoração de aniversário de um querido viajante que estava por lá. Todos se reuniram ao redor do fogo para esquentar e preparar uma churrascada completa regada com o melhor do vinho argentino. Vencemos a friagem e ficamos madrugada adentro conversando, trocando experiência e conhecendo um pouco da história de cada um desses aventureiros que enfrentaram milhares de quilômetros para chegar aqui com alegria estampada nos sorrisos de orelha a orelha.
Acordamos cedo e fizemos um café da manhã reforçado, pois começaríamos nossa visita ao Parque Nacional Tierra Del Fuego. Programamos para aproveitar os dias mais quentes e de sol que teríamos pela frente por lá.
A entrada do parque custou ARS$2.100,00 (R$ 52,50) e nos permitiu passar três dias, podendo inclusive sair, caso houvesse necessidade, mediante a validação sobre o retorno no ticket de ingresso. Importante destacar que dentro do parque não há sinal de telefone ou internet, então se organize e não deixe de pegar o mapa completo que te oferecem.
Iniciamos o passeio em direção ao final da Ruta Nacional 3 (RN3). No caminho, paramos no Centro de Visitantes Alakush para nos informarmos sobre as trilhas e já ficamos impactados com o Río Lapataia ao lado. Passamos pela primeira zona de acampamento, pela belíssima Laguna Verde e seguimos.
Chegamos no final da RN3, o fim do Fim do Mundo! Que emoção! Precisávamos tirar a foto clássica com a placa que marca o seu fim/início. A propósito, ela coincide com a estrada panamericana que vai até o Alaska. Será que vamos recalcular as rotas para chegar até lá?! Teríamos fôlego para isso?! Só o tempo vai dizer.
Começamos os nossos primeiros senderos, fizemos o da Bahia Lapataia e o a La Baliza. Ambos de fácil acesso, curtos e muito lindos. Conseguimos passear felizes, de mãos dadas e tirar algumas fotos lindas de morrer.
No retorno das trilhas o tempo começou a fechar. Aproveitamos para um almoço rápido de empanadas e seguimos para o sendero Mirador Lapataia. Outra pequena trilha para observar de cima uma bela visão panorâmica da famosa baia do Fim do Mundo.
Na volta, tentamos ir andando para a última trilha do dia, Castorera, já que a da Laguna Negra estava fechada. Não era tão perto, voltamos para pegar nossa casinha e fomos de carro até lá. Foi a menor trilha de todas, cerca de 300m. Mas é muito interessante pelo que ela representa, a prova viva de como o ser humano pode interferir no meio ambiente de forma involuntária e mesmo munido das melhores intenções. O caminho conduz para um dique construídos pelos castores, onde é possível ver de perto uma represa construída por eles e seus impactos no rio e bosque ao redor. Tivemos a sorte de ver um deles trabalhando em sua obra de arte. Contextualizando, os castores foram trazidos décadas atrás para a região, porém, ele não teve predador, virando uma verdadeira praga.
No final da tarde fomos para a zona de acampamento preparar uns petiscos e abrir um vinho, dormiríamos cedo para enfrentar um baita desafio no dia seguinte, um dos trekkings mais difíceis do Ushuaia.
Acordamos com a surpresa do tempo completamente fechado, com uma leve garoa. Ficamos chateados, pois na programação inicial iríamos fazer o Sendero do Cerro Guanaco. O mais difícil do Parque Nacional Tierra Del Fuego. Levantamos com calma e aproveitamos para conhecer o restante do parque.
Fomos na Estação do Trem do Fim do Mundo dentro do parque e conseguimos costear uma parte do trilho pela estrada. Pouco depois fica outra zona de acampamento.
Decidimos então conhecer o Correio do Fim do Mundo, afinal a Dani descobriu que nela é possível carimbar o passaporte para registrar a sua passagem pelo Ushuaia. Quando chegamos na Ensenada Zaratiegui o tempo abriu! Do nada estava céu azul! Sorte nossa que conseguimos ver uma das partes mais linda do parque com uma coloração especial. Não adianta, a cor de tudo se modifica com sol. Apreciamos a paisagem, contemplando inclusive as montanhas chilenas e, quando acabou a fila, entramos.
A unidade postal mais austral do planeta abre todos os dias das 10h até 16:30h, é comandada há muitos anos por um senhor de um bigode peculiar e super bem-humorado. A unidade está ativa e é possível enviar um cartão postal para o mundo todo! Os que estão à venda variam de ARS$150,00 (R$ 3,75) até ARS$ 750,00 (R$ 18,75). Porém, o maior chamariz de visitante não tem jeito, é o famoso carimbo no passaporte. Por ARS$500,00 (R$ 12,50) você registra sua passagem por aqui.
Amamos esse cantinho e resolvemos dormir nessa zona de acampamento para desfrutar até os últimos raios de sol, a noite estrelada e o barulho do mar. Que noite mágica!
Nosso terceiro dia no Parque Nacional Tierra Del Fuego amanheceu com sol a pino. Faríamos o Sendero Cerro Guanaco!
Fomos direto para o centro de visitantes, pois antes de subir a trilha a organização do parque exige o preenchimento de uma ficha por segurança e controle de quem se aventura no trekking mais difícil. Tomamos café da manhã e pegamos a estrada que leva até o estacionamento base do sendero. De cara a vista do Lago Acigami é maravilhosa. Terminamos de preparar a mochila e “cebo nas canelas pé de pano”.
O início do Sendero Cerro Guanaco é conjunto com o Sendero Hiato, que circunda o Lago Acigami até a fronteira com o Chile. Como o dia estava lindo, conseguimos pegar belas imagens de lá. Após pouco menos de 1km chegamos na divisão das trilhas. Agora começava de verdade nosso desafio.
O início pelo meio do belo bosque já nos apresentava o que estava por vir, subidas e mais subidas por caminhos tortuosos. Subimos, subimos e subimos! No meio da subida do bosque os joelhos já começaram a gritar. Paramos algumas vezes para respirar e estabilizar, mas a cara da Dani dava sinal de que as coisas não estavam muito simples de superar. O que é bem raro, pois ela tem um limiar de dor muito alto. Ficamos preocupados de não conseguirmos concluir nossa missão.
Aos poucos aquela subida bem íngreme diminuiu, as paradas para algumas filmagens e respirar aliviaram as dores e chegamos em uma espécie de mirador que surge no final do bosque. Uma vista absurda do parque já se desenhava. O incentivo e a pausa que precisávamos. Agora vamos até o final! Sentimos firmeza no comprometimento que fizemos, iríamos dar um jeito de completar!
A parte seguinte do trajeto era a céu aberto, uma parte beirando um riacho e outra em algo semelhante a um pântano. Aqui pegamos um pouco de lama por conta da garoa do dia anterior. O que chamou mais atenção foi a sinalização ruim da parte do pampa pantanoso, não havia uma indicação clara do caminho a ser seguido.
Esse pedaço da trilha quase plano era uma colher de chá para recuperação das forças antes do último trecho. Chegávamos no pé da parte superior da montanha, coberta somente por pedras cinzas, que no inverno deve ficar completamente coberta por neve. Aqui o bicho pegou, a inclinação era bem grande e o percurso era mais de 1 km até o cume. Os joelhos da Dani pioraram e a virilha começou a pegar também, enquanto o joelho esquerdo do Livio deu sinais de vida. As paradas foram recorrentes, estava bem difícil de seguir, o corpo gritava.
Ao final de 3:07h, mais de 6 km e 1000m de altitude, chegamos! A recompensa foi maravilhosa, uma mistura de sensações e sentimentos: dor, cansaço, alegria, superação, companheirismo, satisfação pessoal. Isso tudo foi brindado com a vista mais linda do Ushuaia! Lá de cima conseguimos contemplar toda a cidade e o Parque Nacional em um dia de sol inesquecível. Colocamos os casacos, e buscamos um cantinho para no abrigar e curtir enquanto lanchávamos. Durante quase uma hora aproveitamos cada momento daquela conquista e tentamos registrar o que nossos olhos captavam em algumas fotos e vídeos.
Enfim, tínhamos que começar a descida, ainda doloridos e sabendo que não seria tranquilo. Mas como o ditado popular diz que “para baixo todo santo ajuda”, (ch) oremos.
Logo de cara percebemos que os joelhos não tinham descansado o suficiente, e piorariam mais rápido porque a descida exige muito mais deles. Ambos estávamos com os dois joelhos muito doloridos. A primeira parte da volta foi extremamente difícil, como nada na ida se compara, muita dor. A segunda parte trouxe um breve alívio e a última renovou as dores.
Terminamos completamente exaustos, clamando por um belo banho e o merecido descanso das patinhas para cima da cama. Missão dada, missão cumprida. Estávamos muito felizes com a conquista!
Dormimos mais uma vez de frente para o Correio do Fim do Mundo. Na real, desligamos o disjuntor.
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