Na terça-feira, dia 2/6, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro confirmou a inconstitucionalidade da chamada “lei dos puxadinhos, consolidando assim as premissas constitucionais para validade de qualquer lei de planejamento urbano nas cidades do Estado do RJ:
1. Todas as leis que envolvam qualquer modificação do planejamento urbano hão de ter discussão pública participativa;
2. Todas as leis que envolvam modificação no planejamento urbano devem estar compatíveis com o Plano Diretor;
3. Todas as leis que envolvam modificação no planejamento urbano hão de se basear em estudos técnicos;
4. E a novidade: não podem trazer retrocesso na política ambiental da Cidade, aplicando-se o princípio da precaução também no planejamento urbano.
Decisões anteriores do Tribunal de Justiça do Rio já haviam, reiteradas vezes, declarado inconstitucionais leis municipais que não obedecessem aos três primeiros condicionantes: participação pública, estudos técnicos e submissão ao Plano Diretor.
O quarto item, muitíssimo bem-vindo, é o acréscimo progressista da decisão, mencionando aplicar ao sistema de planejamento urbano os princípios consagrados do Direito Ambiental: o princípio do não retrocesso na proteção da qualidade do meio ambiente urbano e o princípio da precaução ao lidar e proteger o meio ambiente da Cidade.
Destacamos a seguir alguns trechos do voto vitorioso do Desembargador Relator, Dr. Antônio Iloízio Barros Bastos, ao fundamentar cada uma destas premissas:
1. Participação social pública:
“A democracia participativa consubstancia uma das dimensões do princípio democrático, sendo certo que para sua efetivação impõe-se a estruturação de processos que garantam a efetiva possibilidade de participação nos debates públicos que levarão às tomadas de decisão. (…) o projeto de lei contou com uma audiência em ambiente virtual limitado antes do advento de diversas emendas parlamentares que modificaram a proposta original sem que houvesse nova oportunidade de participação para o debate. (…) é necessária uma real participação material a partir de um amplo debate público em que de fato se participe das tomadas de decisão (…) A consequência positiva dessa participação está na legitimação das decisões tomadas e o aprimoramento dos objetivos e resultados que se busca com a lei. No trâmite legislativo que culminou na lei em foco essa exigência constitucional não foi devidamente observada. (grifos nossos)
1. a) Participação social e estudos técnicos:
“São esses estudos técnicos que instruem a participação popular devidamente informada. Em termos, os estudos técnicos fornecem informações que tornam a participação popular efetiva e produtiva, pelo que sem tais insumos o espírito das regras constitucionais que buscam realizar democracia participativa no planejamento urbano é violado, pois a participação torna-se meramente formal fora de um debate público informado para a tomada de decisão embasada.”
2. Estudos técnicos necessários:
“É inegável a importância de estudos técnicos para potencializar o atendimento ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a compatibilidade entre a lei e o espírito da CERJ no tema de política urbana. (…) No caso, a lei complementar impugnada não está substanciada de forma adequada nesses estudos. (…) [e] estudos técnicos de impacto ambiental. Trata-se de um direito cuja efetividade exige, dentre outros, prévia elaboração de estudo de impacto ambiental condicionante da implantação de instalações ou atividades causadoras de alterações significativas do meio ambiente e implantação de áreas, polos industriais e transformações de uso do solo.” (grifos nossos)
3. Submissão ao Plano Diretor:
“Quando uma intervenção, como a operada pela LCM 219/2020, não está de acordo com o instrumento básico da política de desenvolvimento urbano, tem-se que tal intervenção não está inserida no planejamento urbano. (…) Observando o princípio da reserva de plano. (…) Em termos, o sistema constitucional idealizado ao planejamento que potencializa a realização das funções sociais da cidade exige que a lei que enverede pelo ordenamento territorial deva ser adequada, observando diretrizes do plano diretor que se insere dentro dessa lógica constitucional. Ao não ser compatível com diretrizes do plano diretor passa a não ser compatível com o sistema constitucional idealizado.” (grifos nossos)
Destaco, neste ponto do voto, que o princípio da reserva do Plano, que submete todas as leis urbanísticas ao Plano Diretor aprovado está baseado no TEMA 348 do STF que diz: “Os municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor.”
4. Princípios do não retrocesso ambiental, da moralidade, e da proporcionalidade material nos objetivos da lei:
“A contrapartida para agir conforme modificações em descompasso com a lógica constitucional que foi explicitada no presente acórdão ao invés de estimular práticas sustentáveis com base no princípio da precaução, fomenta uma lógica de capitalização de danos ambientais que, além de insuficiente a seu reparo, não é apto a atingir todos os fins pretendidos pelo legislador. (…) Nesse cenário, viola-se também os princípios da moralidade, interesse público, proporcionalidade e vedação do retrocesso ambiental. Esse cenário revela clara violação aos princípios da moralidade e interesse coletivo que conformam a Administração Pública a agir com probidade em busca do atendimento de fins públicos e proteção de bens jurídicos de alta envergadura constitucional como é o meio ambiente. (…) Em verdade, a medida adotada com a lei traduz um verdadeiro retrocesso ambiental, pois não se cumpriu o dever de proteção ao meio ambiente natural e urbanístico, violando a respectiva garantia de vedação ao retrocesso. (…) Vislumbra-se a violação ao princípio da proporcionalidade que é vertente substancial do devido processo legal, pois em termos de adequação não se demonstra que a medida adotada com a lei tem potencial de conter a crise que foi provocada pela pandemia, sobretudo sem trazer outros problemas que podem tomar o lugar, como os impactos desconformes no ambiente natural e urbanístico da cidade;”
A ADIn foi proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do Prefeito e da Câmara Municipal, e o MPRJ contou como amicus curiae nesta ação com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-RJ) e com as Associações de Moradores da Freguesia (AMAF) e do Jardim Botânico (AMAJB).
Após obtida a liminar que suspendia a aplicação da famigerada lei, o Município do Rio de Janeiro, já no governo Paes, tentou derrubar a suspensão no STF (STF – SL 1.411/RJ – DJ 29/03/2021). Felizmente no STF, com os votos explícitos dos Ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber, a decisão de se assegurar a suspensão da lei foi mantida!
Parabéns por esta luta difícil, mas finalmente tão bem-sucedida para a Cidade!
Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.
Acho cômicas essas leis criadas dentro de palácios, em salas com ar condicionado por autoridades que vivem no mundo de Alice…Só faltou combinarem com as comunidades, com as milícias, com os que vivem de ocupações, com os que nunca cumprem as leis e com os que DEVERIAM punir os que estão errados. Aqui é e sempre foi assim: perdem um tempo enorme, gastam um dinheiro enorme para NADA, pois grande parte da população faz tudo que é proibido na cara dos que fiscalizam e nunca são punidos de verdade, já os que sempre cumprem as leis são sempre os punidos, pois estão sempre fazendo o papel de palhaços…
Quem conhece o Brasil sabe como as cidades são afetadas pela falta de planejamento nas construções. Cidades totalmente desorganizadas, com problemas de infraestrutura, que acaba deixando o povo sem opção de mobilidade e de moradia.
“Não podem trazer retrocesso na política ambiental da Cidade, aplicando-se o princípio da precaução também no planejamento urbano.”
Isto é ativismo judicial. Se a vontade popular for de tomar atitudes que no entender da dona Sonia aí forem “retrocesso”, a vontade popular será usurpada pelo tapetão dos tribunais. Você vai dando corda e com esta corda que irão enforcar a todos.
Hoje começa no planejamento urbano. No futuro, inventarão que comer carne é danoso ao meio-ambiente… e aí leis pra permitir comer carne seriam “retrocessos” canceláveis pelos tribunais.
OLHO VIVO nas ideias bonitinhas, porque na verdade são ideias ordinárias.
Haveriam benefícios e retrocessos com a nova lei. Depende para qual finalidade seria usada.
A cidade precisa regulamentar muitas construções já incorporadas ao cenário urbano da cidade, mas que não possuem seus registros e, consequentemente, não contribuem em impostos para a cidade.