O Rio é a cidade dos puxadinhos legislativos em matéria de (des)planejamento urbano. Agora, revive mais uma vez este carma; um puxadinho legislativo representado pelo projeto denominado “Reviver Centro”, reenviado nesta terça-feira, dia 20 de abril, para a Câmara de Vereadores, em plena crise pandêmica na Cidade.
Puxadinho legislativo, no suposto planejamento da Cidade do Rio, é o hábito impregnado de se fazer uma lei especial para cada freguês, ou situação da Cidade (veja abaixo a tabela dos últimos anos). Agora, para o novo projeto de lei “Reviver Centro” (sempre com um codinome de marketing, a exemplo do ex “Porto Maravilha”) o motivo alegado é o esvaziamento do chamado Centro. E para este “fenômeno”, a sempre prometida cura pelos velhos e ineficientes “remédios” de incentivo urbanístico-tributário, acompanhado de uma micro apresentação colorida composta por uma dúzia de slides a justificar os mesmos milagres urbanísticos. É a cloroquina do planejamento urbano no Rio: antigos remédios, sem eficácia comprovada, servem para qualquer “doença” da cidade.
Ausência, de sempre, de quaisquer estudos técnicos
Como de hábito, proposta legislativa é uma aposta; um ato de fé em quem jura que, desta vez, vai dar tudo certo. Mas, as pessoas de pouca fé ainda perguntam: qual a demonstração de que todas as benesses e “incentivos” aos proprietários fariam o efeito que se propõe nos sempre belos objetivos da lei? Nenhuma demonstração técnica. Nenhum estudo técnico de causa e efeito. Nenhum estudo mercadológico fundiário e tributário. Nenhum estudo de impacto urbanístico ambiental. Nenhum estudo de adequação ao Plano Diretor da Cidade e à Lei Orgânica do Município. Portanto, é mais um palpite urbanístico. Uma aposta sempre justificada por motivos circunstanciais para alterar a estrutura de planejamento da cidade.
Desta vez, o motivo circunstancial, como dito, é o esvaziamento do Centro, agudizado pela pandemia. No ano passado, na famigerada “Lei dos puxadinhos” (suspensa pelo Judiciário), foi arrecadar dinheiro para financiar despesas para o combate à Covid-19. E por aí vai. Bicando aqui e ali, cada novo administrador que entra se acha suficientemente inspirado para tirar do seu bolso alguma solução miraculosa para salvar uma parte da cidade, ou salvar o sempre “falido” mercado imobiliário, ou algum clube, ou alguma instituição privada ou pública “necessitada”, e ainda, se fazer de herói preocupado em “dar emprego”, sem que garanta, com isso, a sustentabilidade dos mesmos.
Foi assim, só para exemplificar com um passado recentíssimo, em leis feitas na época da Copa e da Olimpíada, que deixaram resultados pífios, ou nenhum resultado em áreas inteiras não ocupadas ou abandonadas, como na Barra da Tijuca, em Jacarepaguá, no Porto, na Tijuca, em Deodoro (Camboatá), na Ilha do Governador, em São Cristovão, no Recreio dos bandeirantes, sem falar em outras regiões da Zona Oeste.
Claro que, em todos os projetos nestas áreas, o “filé” já foi consumido e o osso ficou para os cidadãos roerem nas infindáveis e etéreas pautas teóricas do futuro Plano Diretor da Cidade.
Ora, como pretender rediscutir justamente o Centro da Cidade (ou parte dele) fora do contexto do Plano Diretor da Cidade, que está em processo de revisão?
Sim, porque por incrível que pareça, ao mesmo tempo em que se propõe mais uma leizinha para “resolver” este “probleminha” da área central, com enormes incentivos e estímulos tributários e urbanísticos aos proprietários de imóveis desocupados, o governo municipal retoma a revisão do seu Plano Diretor, inclusive com novas regras de uso e ocupação do solo. Segundo a proposta da Prefeitura, o pacote inteiro – Plano Diretor + lei de uso e ocupação do solo – deverá ser encaminhado à CMRJ em dois meses e meio.
Então, por que discutir esta proposta de uso do Centro fora do contexto geral do planejamento da Cidade? Por que se entregar à tentação de um “puxadinho legislativo” para a região, desde já desconectado das discussões gerais que, pelo cronograma oficial, virão a galope, custe o que custar? Por que fazer, mais uma vez, um puxadinho legislativo sem audiências públicas, e sem passar – na sua versão final modificada – pelo COMPUR (Conselho de Política Urbana)?
A revisão do Plano para “inglês ver”
A resposta só pode ser de que os planejadores oficiais acreditam e professam a crença de que Plano Diretor é para inglês ver. Simplesmente colocar lá, na lei do Plano, princípios, diretrizes e objetivos que agradam à retórica discursiva do não planejamento. Ou seja, um planejamento territorial tão teórico e vago que não vale nada na prática, salvo para satisfazer discursos políticos, currículos profissionais ou teses acadêmicas.
As regras que interessam no mundo real, no complexo equilíbrio social e econômico da cidade, são jogadas e estabelecidas fora do Plano: na lei de uso e ocupação do solo e nas contínuas leis esparsas e específicas que são a desgraça do (des)planejamento urbano da Cidade do Rio.
Se realmente quisermos tentar dar um fim a esta cidade inequitativa e incivilizada que vivemos, é imprescindível acreditar que esta precisa ter e seguir o seu planejamento, o seu Plano; um planejamento territorial funcional e controlado. Senão, a “nova direção” está fazendo mais do mesmo, com roupagem de uma nova griffe, mas que diz que muda para tudo continuar como está.
O plano diretor é uma grande utopia, assisti a uma discussão sobre ele na Universidade Veiga de Almeida na Barra da Tijuca quase dez anos após a sua elaboração. O número restrito de participantes provenientes do setor público foi lamentável. Discutir um plano que nunca foi aplicado na prática, é uma piada. Um plano concebido sem prazos, metas e a aplicabilidade da lei, é filosofia barata e patética. Só serve para ludibriar a sociedade , na verdade, nos chamar de idiotas.
É uma lástima mesmo, Sonia Rabello,que não se veja nunca na Prefeitura do Rio seriedade e compromisso verdadeiro com o desenvolvimento sustentável e efetivo da cidade. O que se viu, por exemplo no Porto Maravilha foi a irresponsabilidade de implantar um “décor” de renovação, porém sem a infraestrutura básica para sustentar a “dita” recuperação daquela área no Centro do Rio. Não há serviços de segurança pública, comércio e serviços para possíveis moradores ou mesmo os frequentadores dos museus lá implantados, cuja alimentação é provida por traillers sem conforto e ausência de banheiros públicos!
Obrigada pelo comentário acima, mas lamento discordar. Temos que avaliar que há uma enorme ação judicial na Justiça Federal da CAIXA X MRJ questionando o repasse de valores, que pode trazer enormes prejuízos futuros para a Municipalidade. Isso sem contar com as despesas de manutenção permanente do túnel na área, que substitui a perimetral, que some milhões de reais anuais, e a discussão de subsídios ao VLT, como despesa permanente da municipalidade. Milhões de reais tirados da saúde, educação, mobilidade, habitação social que lá é inexistente. Então, esse é o osso.
Lembre-se que o povo escolheu o prefeito que em sede do Poder Executivo, assinou em nome do povo os contratos de PPPs do VLT e do Porto Novo, com prestações mensais para mantê-los – não é subsídio. Ao fazer isso, a municipalidade desejou VLT e Túnel novos, não desejou hospitais nem desejou educação nem desejou habitação social… Repare que isso não é necessariamente ruim. Tudo na vida é escolha.
Não vou entrar no mérito sobre os mínimos constitucionais e todo aquele lero-lero… o que eu digo é que o povo escolheu um prefeito que moveu a municipalidade para priorizar esses investimentos ao invés daqueles! Então, agora uma vez escolhidos… devemos pagar por eles pelos tempos do contrato e não ficar criando empecilhos e pelos em ovos para não os pagar (aliás, já estamos dando calote nos dois há anos!).
Este Estado e esta Cidade estão todo dia passando recibo de serem uma zona.
Não vou entrar no mérito dos planos diretores porque não os li – mas a articulista fica com uma visão parcial quando diz que “em todos os projetos nestas áreas, o “filé” já foi consumido e o osso ficou para os cidadãos”. Existem contra-exemplos. No caso do Porto Maravilha, para por tudo abaixo e erguer tudo do zero (inclusive a malha de esgoto e VLT), foram alguns bilhões de reais provindos de vendas de CEPACs para um fundo. A prefeitura recebeu isso, gastou os recursos nas obras que os cidadãos cariocas estão usufruindo hoje… e neste caso o fundo tomou no fundo, pois o Porto Maravilha não deslanchou de maneira a usar todos os CEPACs vendidos.