Sonia Rabello – Jardim de Alah no Rio: uma concessão sem projeto. Pode?

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre a tradicional região que divide os bairros do Leblon e Ipanema

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Cruzamento da Avenida Epitácio Pessoa com Rua Visconde de Pirajá, na Zona Sul do Rio de Janeiro - Foto: Rafa Pereira/Diário do Rio

A proposta de ”Concessão de Uso e Gestão” do Jardim de Alah, parque público de uso comum do povo, é mais um atropelo urbano-paisagístico, e também jurídico, da administração da cidade do Rio. Vejamos por quê.

O erro capital da proposta é que se está licitando a concessão de uso e gestão da área pública de utilização comum do povo sem qualquer planejamento ou projeto básico urbanístico-ambiental previamente estudado, escolhido mediante concurso público, apresentado ao Poder Público e à população da Cidade!

Será a Comissão de Licitação de cinco funcionários municipais [1] que escolherá, de uma só vez, um anteprojeto urbanístico-paisagístico [2] para a área de uso comum da sociedade e, ao mesmo tempo, concederá o uso e a gestão do parque público do Jardim de Alah, por 35 anos, ao empresário que ela, Comissão, entendeu ter apresentado a melhor proposta de conceitual. O anteprojeto escolhido pela Comissão será posteriormente desenvolvido no futuro projeto básico, no futuro projeto executivo e, então, possivelmente, executado.

Explicando bem: a proposta de licitação pretende que os interessados apresentem um anteprojeto conceitual para um futuro projeto urbano-paisagístico para o Parque público, dizendo, neste anteprojeto conceitual, o que pretendem fazer em termos de manutenção, paisagismo, eventuais construções de uso coletivo, creche, estacionamento, sistema de calçadas nas áreas envoltórias [3], sistema de ciclovia, arborização que fica ou que sai, uso e conservação das três praças do Jardim, reordenação do sistema viário [4] e estacionamentos da região com ampliação de vagas [5], eventual uso e exploração comercial do canal público, e também a proposta dos prédios temporários e definitivos para uso e exploração comercial de lojas, restaurantes e áreas privadas para atividades gastronômicas, bares, casas de shows, academias, ou quaisquer outros que possam ser relacionados como prática de esporte, turismo, lazer, educação, cultura, meio ambiente ou estacionamento (Termo de Referência – item 4.2.19 do edital).

Será a tal Comissão de Licitação, a seu critério exclusivo, quem julgará o melhor conceito do futuro projeto urbano-paisagístico para o Jardim de Alah, bem público e bem cultural tombado da Cidade e, a partir do seu julgamento, o concederá por 35 anos ao empresário por ela escolhido. E tudo sem qualquer estudo de impacto ambiental ou estudo de impacto de vizinhança do futuro projeto básico a ser ainda elaborado, mas já eleito pela Comissão.

Então, como será o futuro projeto urbanístico-ambiental deste importante Parque público tombado? Ninguém sabe, ninguém viu. O seu anteprojeto – que nem projeto básico é – será escolhido pela Comissão de Licitação da Secretaria Municipal de Coordenação Governamental, sem qualquer participação dos demais órgãos municipais das Secretarias de Planejamento Urbano, da Secretaria de Meio Ambiente, da CET-Rio, do órgão municipal, estadual e federal de proteção ao patrimônio cultural, e sem consultar, sobretudo, a sociedade civil e as entidades de Arquitetura e Urbanismo, como o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), na escolha do “melhor” anteprojeto conceitual! Mas, já se dará a outorga por mais de três décadas da área pública de uso comum do povo ao vencedor do anteprojeto conceitual!

A forma que a Prefeitura escolheu para fazer a parceria público-privada é aquela rechaçada pela maioria dos urbanistas e arquitetos, e também não recomendada pela legislação em vigor: a de licitar um anteprojeto conceitual junto e embolado com a própria concessão de uso e gestão para suposta revitalização e manutenção de praça pública de uso comum do povo, sem projeto básico urbanístico-paisagístico ou arquitetônico, e sem projeto executivo prévios.

Sem projeto básico, ou executivo, como então o edital conseguiu prever quais os seus custos de investimentos e de execução? Como souberam, ou de onde deduziram, os custos dos investimentos públicos e a renda das áreas privadas a serem exploradas, se o anteprojeto conceitual ainda está sendo licitado? E mais: como a Comissão de Licitação escolherá um anteprojeto conceitual, no qual é previsto que o empresário poderá construir prédios privados com fins comerciais numa área onde o próprio edital diz que “não incidem parâmetros urbanísticos” (item 3.2.1 do Termo de Referência)? Como licenciar prédios de uso comercial em logradouro público, sem índices urbanísticos, e sem referencial de lote? É legal isso?

Como licenciar prédios de uso comercial em área pública de uso comum do povo tombada, sem desafetação da área para uso privado? É legal isso? Ou é desvio de finalidade? O anteprojeto conceitual urbanístico-paisagístico, escolhido pela Comissão de Licitação e a ser outorgado, pela concessão, ao empresário vencedor, sem estudo de impacto ambiental e de vizinhança, será compatível com a preservação e o tombamento do Jardim? A Comissão de licitação escolherá um anteprojeto urbanístico-paisagístico econômico, antes do mesmo ser submetido ao licenciamento urbanístico e ambiental, e sem que tenha sido apreciado pelo órgão de licenciamento cultural do Município (IRPH), pelo IPHAN e o INEPAC, pois é vizinhança de bens tombados federal e estadual?

E se os prédios e a proposta para investimento privado no Jardim (escolhidos pela Comissão de Licitação) não forem compatíveis com a preservação das suas características, como fica? Os órgãos culturais serão pressionados a aprovar o projeto já escolhido e já cedido ao empresário ganhador da licitação? Isso não torna o objeto da licitação juridicamente impossível?

Como aprovar a construção de prédios no Jardim público, área de uso comum do povo, sem desafetar a área para uso privado? Qual será a área desafetada para uso privado? É legal? Isso pode, em face do que diz o art. 235 da Lei Orgânica, que dispõe em português claríssimo que: “As áreas verdes, praças, parques, jardins e unidades de conservação são patrimônio público inalienável, sendo proibida sua concessão ou cessão, bem como qualquer atividade ou empreendimento público ou privado que danifique ou altere suas características originais.” É para descumprir o que diz a lei orgânica? Ilegal, e daí?

Como calcular e julgar a previsão de “estimativa do investimento” privado para justificar a concessão de uso do parque público, inserindo no valor total os custos privados de R$ 112.570.003,20, os custos de “Instalações Especiais/Edificações/Pavilhões no valor de R$ 82.724.193,69”, se ainda não se tem qualquer projeto básico do que se pretende fazer? Seriam estes os custos de instalações para o comércio privado, sendo inserido como um investimento para obra pública? O que é a previsão de “Serviços Preliminares à Obra no valor de R$ 16.264.077,93” também inserido no valor total de custos de investimentos? E como se estimou os valores diminutos, frente aos demais, de R$ 7.986.231,22 para Reformas, urbanização, iluminação e paisagismo”, e de “R$ 235.024,02 para Equipamentos urbanos de parque e mobiliário” se ainda não há sequer projeto básico? (item 6 do Anexo III – Estudo Econômico de Referência).

Como não se estimou, no edital, a obrigação já julgada devida pelo Judiciário, confirmada pelo STJ [6], e ainda não cumprida, do Metrô e do Estado recuperarem a área por eles degradadas no Jardim de Alah? Não seria isto perda indevida de recursos públicos? Como justificar que as contrapartidas mínimas obrigatórias sejam somente as de Limpeza, manutenção e zeladoria do Jardim? Por que inserir nas contrapartidas a Segurança (item 5.2 do Termo de Referência) “nos limites da competência da Concessionária”, se a segurança pública e de bem público é serviço público indelegável da Polícia Militar e da Guarda Municipal? Quem fará a segurança da área, uma guarda privada, ou esta será somente para o comércio que for ali instalado? Por que inserir seus custos, então, nas estimativas de investimentos?

Como justificar a inserção do “Canal” e “Estacionamento” nas “Contrapartidas obrigatórias” (itens 5.3 e 5.4 do Termo de Referência, Anexo II) se não há ali nenhuma contrapartida obrigacional a ser executada, mas sim direitos de exploração comercial pelo interessado?

Por que o edital prevê que a “fiscalização contratual sobre o cumprimento das obrigações da Concessionária, incluindo a implantação das intervenções para revitalização do Jardim de Alah, ficará a cargo da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos – CCPAR (item 7.1 Termo de Referência) [7]? Acaso se está retirando a competência de fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente para a área verde do Jardim? Da Secretaria de Ordem Pública para o comércio privado a ser ali instalado, e nas calçadas? Da Secretaria da Fazenda para a fiscalização de atividades comerciais? Do IRPH para as intervenções e manutenção no Jardim tombado? Da Secretaria de Urbanismo, ops… quem mesmo fiscaliza o urbanismo na cidade? A SMDEIS? Da CET-Rio, para o trânsito nas vias lindeiras, inseridas na chamada “área ampliada” da concessão [8]? A Comlurb não mais atuará no Parque e na área ampliada? A Guarda Municipal e a Polícia Militar não atuarão mais no Parque Jardim de Alah, na área de uso comum do povo?

O edital para concessão de uso e gestão do nosso Jardim de Alah, praça pública tombada de uso comum do povo, nada nos diz sobre o que acima colocamos muito resumidamente, nem nada esclarece sobre o que a Cidade pretende como proposta urbanístico-paisagístico para o seu Jardim de Alah, porque não há nenhum projeto, nem conceitual, nem projeto básico, nem nada que signifique qualquer planejamento urbanístico-paisagístico público para o local. A Cidade está abrindo mão de planejar o que quer para o seu Jardim, e afastando qualquer participação e opinião da sociedade civil nesta escolha! Editais malfeitos como este, e com erros grosseiros são os motivadores dos constantes ajuizamentos. Fazer o quê?

Se a Prefeitura quer inserir a fórceps um modelo novo de gestão de suas praças públicas de uso comum do povo, por entender que ela, Prefeitura, não é suficientemente competente para fazê-lo por seus próprios meios e funcionários, que pelo menos o faça bem-feito. Faça, no mínimo, com planejamento claro, completo do que quer fazer e conceder, e mantenha o compromisso básico de qualquer boa administração da cidade – que tenha planejamento para tal.

Que faça antes o projeto urbanístico-paisagístico público do que pretende para o bem público de uso comum do povo, ouvindo e consultando a população sobre as propostas, e que desenvolva o projeto executivo, e que depois licite o empreendedor.

Sem isso, é o atropelo de sempre, sem planejamento e sem projeto, ingredientes infalíveis do fracasso, que vemos, quase sem exceção, nas concessões públicas outorgadas poder público na Cidade e no Estado do Rio de Janeiro.

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4 COMENTÁRIOS

  1. Existem pessoas que são ótimas pra dar palpite quando estão de fora da administração das coisas, mas deixa elas terem algum poder pra ver como fica. Sônia Rabello foi uma péssima presidente estadual da REDE Sustentabilidade RJ, uma direção totalmente autoritária e desorganizada, e quer falar de “projeto básico urbanístico-ambiental previamente estudado, escolhido mediante concurso público, apresentado ao Poder Público e à população da Cidade!”

    Faça o favor!

    Se a Sônia Rabello administrasse o Deserto do Saara igual administrou o partido, em 4 anos o deserto ia quebrar pq ia faltar areia.

  2. como sempre o poder público é omisso em suas obrigações, e quer transformar logradouros públicos e grandes negócios privados com passagem de propinas por baixo da mesa, em meus 60 anos bem vividos nunca… nunca ouve uma privatização que melhorasse algo para o POVO, diga-se light, barcas, trens, trânsito etc… parece que nós não somos os patrões que colocam eles no poder para administrar nossos interesses, são verdadeiros senhores feudais fazendo tudo ao bel prazer sem serem questionados pelos órgãos fiscalizadores que com certeza estão na “boquinha”.

  3. Privatiza que melhora, já dizia o mantra neoliberal.

    Exploração do espaço público ao bel prazer ($) de empresários que têm como maior preocupação o retorno sobre o investimento.

    Isso dá certo sim. Pode confiar.

    Questões técnicas são questões menores. O importante é quem vai levar, quem vai negociar e levar sua comissão e quem vai usufruir.

  4. Como sempre, nesta cidade maravilhosa, a melhor solução é deixar como está, não é? Um lugar abandonado, onde moradores são constantemente são vítimas das mais diversas violências, porque tudo é imutável. Afinal, tal qual os quiosques da praia e da orla da lagoa, a exploração de área comercial dentro de zonas públicas, são impossíveis. O importante é possuirmos enormes áreas descuidadas, sem qualquer serventia para o povo, como as praças em geral no Flamengo/Glória, alguns sendo utilizados como estacionamento para o Sempre Presente (programa necessário, mas o parque poderia ter melhor serventia). Enfim, viva a bagunça, porque a simples ideia de permitir o ente privado a dar um melhor uso para a região já é passível de adoecer esses ditos entendidos que, na realidade, mais batalham pelo regresso do que pelo progresso.

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