Nesta quinta-feira, dia 7/7, no Rio de Janeiro, o prefeito da Cidade anunciou, com pompa e circunstância, a sua proposta de substituição dos atuais corredores dos BRTs Transcarioca e TransOeste – que ele mesmo mandou construir para a Copa e para a Olimpíada há cerca de nove anos – pelo sistema de Veículos Leve sobre Trilhos (VLTs). Neste anúncio apenas não incluiu o BRT da Avenida Brasil, obra que se arrasta, no mínimo, há sete anos. Este não ou só após terminar a obra?
Ao mesmo tempo, voltou aos noticiários, a polêmica obra inacabada, há 10 anos (!), do VLT de Cuiabá (projeto incluído nas “obras da Copa de 2014”), e que nesta sexta-feira receberá uma vistoria técnica da Comissão de Viação e Transporte da Câmara Federal. Retornou à mídia porque o prefeito de Cuiabá teria decidido, em 2020, o inverso do prefeito do Rio, ou seja, transformar o VLT de lá em BRT. Ele teria anunciado a sua decisão apesar daquela obra já estar “60% pronta, e tendo custado mais de R$ 1 bilhão provenientes de recursos públicos – União/BNDES/FGTS”!
Ou seja, cada prefeito, a seu bel-prazer, sem qualquer alusão a um inexistente Plano de Mobilidade, resolve simplesmente se aventurar em fazer, transformar projetos ou realizar obras caríssimas na infraestrutura de transportes, modificando até mesmo as ações que ele mesmo fez ou começou a fazer há menos de uma década, como isto fosse trocar o brinquedo de criança em uma loja.
Não se trata de um prejulgamento do mérito de qualquer das decisões acima: transformar os BRTs em VLTs, ou o contrário. Mesmo porque, para não cair nos mesmos “achismos” dos governantes, precisaríamos ter acesso, de forma transparente, aos estudos técnicos-financeiros que embasaram tais decisões, bem como as análises de suas compatibilidades como os respectivos Planos de Mobilidade Municipais destas cidades. E, pelo que pesquisamos, nenhuma dessas cidades têm o seu Plano de Mobilidade Urbana aprovado, e nem os estudos técnico-financeiros que fundamentaram tais escolhas políticas.
Portanto, o maior equívoco em matéria de mobilidade urbana é tomar decisões de tal monta sem que estas estejam estudadas, desenhadas, discutidas, aprovadas e previstas no Plano de Mobilidade Urbana do Município! Este é o grande erro dos pseudo administradores das cidades: desprezam o planejamento e, nesta ignorância e arrogância, dão continuidade ao infinito desperdício de recursos públicos e à inconsequência das obras públicas ineficientes, mal financiadas e até inacabadas.
Há, nestes anúncios, um notório descumprimento da norma nacional sobre a Mobilidade Urbana – a Lei federal 12587/2012. Esta norma não é uma lei “para inglês ver”. Teria de ser observada. E, se ela não for cumprida, cabe aos órgãos de fiscalização e controle exigir o seu cumprimento pela administração municipal.
No caso do Rio, há inclusive a galhofa de se ver publicado o plano do plano, que seria concluído em 2015; e “cadê” ele? Ou seja, todas as obras milionárias dos BRTs foram feitas sem observância de um Plano de Transporte integrado para a Cidade. Daí a pertinência da crítica publicada pela página Metrô que o Rio Precisa sobre os erros cometidos desde então.
E pode? E quais são os órgãos de controle do Município?
Como salvar as cidades de tanto caos e “desplanejamento” decorrentes da inconsequência e da esbórnia financeira das decisões dos políticos em matéria de infraestrutura de transporte?
Podemos citar vários, e todos muito bem pagos: os Tribunais de Contas e as Câmaras Municipais, os Ministérios Públicos e até o Judiciário (se e quando assim provocado por meio de uma ação). Mas, raramente, se vê eficiência e controle deles na exigência no cumprimento da lei federal. Então, eles também são responsáveis.
E o que diz a lei nacional sobre a política de mobilidade urbana, que deve ser cumprida?
Ela determina que as ações que digam respeito à mobilidade urbana sigam o planejamento, instrumentalizado no Plano de Mobilidade Urbana do Município.
Vejam abaixo o texto da lei, com os grifos nossos. Seu descumprimento e sua falta de controle pelas autoridades competentes para tal são a causa que permite que delírios administrativos sigam em frente, consumindo ainda mais energia e dinheiro público da nossa já carente sociedade.
“Art. 24. O Plano de Mobilidade Urbana é o instrumento de efetivação da Política Nacional de Mobilidade Urbana e deverá contemplar os princípios, os objetivos e as diretrizes desta Lei, bem como:
I – os serviços de transporte público coletivo;
II – a circulação viária;
III – as infraestruturas do sistema de mobilidade urbana;
III – as infraestruturas do sistema de mobilidade urbana, incluindo as ciclovias e ciclofaixas; (Redação dada pela Lei nº 13.683, de 2018)
IV – a acessibilidade para pessoas com deficiência e restrição de mobilidade;
V – a integração dos modos de transporte público e destes com os privados e os não motorizados;
VI – a operação e o disciplinamento do transporte de carga na infraestrutura viária;
VII – os polos geradores de viagens;
VIII – as áreas de estacionamentos públicos e privados, gratuitos ou onerosos;
IX – as áreas e horários de acesso e circulação restrita ou controlada;
X – os mecanismos e instrumentos de financiamento do transporte público coletivo e da infraestrutura de mobilidade urbana; e
XI – a sistemática de avaliação, revisão e atualização periódica do Plano de Mobilidade Urbana em prazo não superior a 10 (dez) anos.
§1º Ficam obrigados a elaborar e a aprovar Plano de Mobilidade Urbana os Municípios: (Redação dada pela Lei nº 14.000, de 2020)
I – com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes; (Incluído pela Lei nº 14.000, de 2020)
II – integrantes de regiões metropolitanas, regiões integradas de desenvolvimento econômico e aglomerações urbanas com população total superior a 1.000.000 (um milhão) de habitantes; (Incluído pela Lei nº 14.000, de 2020)
III – integrantes de áreas de interesse turístico, incluídas cidades litorâneas que têm sua dinâmica de mobilidade normalmente alterada nos finais de semana, feriados e períodos de férias, em função do aporte de turistas, conforme critérios a serem estabelecidos pelo Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 14.000, de 2020)
§1º-A. O Plano de Mobilidade Urbana deve ser integrado e compatível com os respectivos planos diretores e, quando couber, com os planos de desenvolvimento urbano integrado e com os planos metropolitanos de transporte e mobilidade urbana. (Incluído pela Lei nº 14.000, de 2020)
§ 2º Nos Municípios sem sistema de transporte público coletivo ou individual, o Plano de Mobilidade Urbana deverá ter o foco no transporte não motorizado e no planejamento da infraestrutura urbana destinada aos deslocamentos a pé e por bicicleta, de acordo com a legislação vigente.
§ 4º O Plano de Mobilidade Urbana deve ser elaborado e aprovado nos seguintes prazos: (Redação dada pela Lei nº 14.000, de 2020)
I – até 12 de abril de 2022, para Municípios com mais de 250.000 (duzentos e cinquenta mil) habitantes; (Incluído pela Lei nº 14.000, de 2020)
II – até 12 de abril de 2023, para Municípios com até 250.000 (duzentos e cinquenta mil) habitantes. (Incluído pela Lei nº 14.000, de 2020)
§ 5º O Plano de Mobilidade Urbana deverá contemplar medidas destinadas a atender aos núcleos urbanos informais consolidados, nos termos da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. (Incluído pela Lei nº 13.683, de 2018)
§ 7º A aprovação do Plano de Mobilidade Urbana pelos Municípios, nos termos do § 4º deste artigo, será informada à Secretaria Nacional de Mobilidade e Serviços Urbanos do Ministério do Desenvolvimento Regional. (Redação dada pela Lei nº 14.000, de 2020)
§ 8º Encerrado o prazo estabelecido no § 4º deste artigo, os Municípios que não tenham aprovado o Plano de Mobilidade Urbana apenas poderão solicitar e receber recursos federais destinados à mobilidade urbana caso sejam utilizados para a elaboração do próprio plano. (Redação dada pela Lei nº 14.000, de 2020)
Art. 25. O Poder Executivo da União, o dos Estados, o do Distrito Federal e o dos Municípios, segundo suas possibilidades orçamentárias e financeiras e observados os princípios e diretrizes desta Lei, farão constar dos respectivos projetos de planos plurianuais e de leis de diretrizes orçamentárias as ações programáticas e instrumentos de apoio que serão utilizados, em cada período, para o aprimoramento dos sistemas de mobilidade urbana e melhoria da qualidade dos serviços.
Parágrafo único. A indicação das ações e dos instrumentos de apoio a que se refere o caput será acompanhada, sempre que possível, da fixação de critérios e condições para o acesso aos recursos financeiros e às outras formas de benefícios que sejam estabelecidos.”
É o que temos para hoje, no caos urbano das nossas cidades “desplanejadas”!
Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.
Podia também haver, coisa que penso não ser difícil com a tecnologia atual, uma consulta pública dos usuários dos modais para saber o que acham das propostas ou o que imaginariam que pudesse melhorar o transporte. E que isto tivesse peso significativo para tomar a decisão final.
O que falta para instalarem uma CPI do BRT?????? Foi um descalabro, todo mundo sabia que não funcionaria; o VLT idem, outra desgraça que acabou com as ruas do Centro e fechou milhares de lojas. Mas no Brasil é assim, não dá em nada, a cidade está pagando o preço do prefeito aventureiro, que gastou bilhões em transportes que não atendem à população. Quanto aos órgãos fiscalizadores, todos sabemos que são apenas cabides de emprego de políticos, são órgãos inúteis, com gente despreparada e dequalificada para exercer qualquer fiscalização , triste ex-cidade maravilhosa.
Parabéns! Há muito esperava um artigo estudo sobre mobilidade urbana diferente das apresentações temáticas e tomada de decisões que vinham sendo impostas a população do Rio e, por que não, do Brasil. Em particular, no BRT e VLT carioca, uma cegueira brutal se apoderou de setores com influencia social para vender algo de embalagem bonita mas podre por dentro. Tão podre é, no caso do BRT, que foi escancarado pelo prefeito Paes a ponto de destruir o que foi feito, fazendo um novo modelo calcado no VLT que é outra fruta podre. A apresentação acima traz luz a legislações corretas, mas que por manobras obscuras geraram as decisões que, para a nossa cidade, resultaram na demolição da estrutura do transporte urbano, guerras sem fim com os operadores, a implantação de novos serviços beneficiando outras empresas com prejuízo da população e a ampliação do esvaziamento económico da cidade. Em particular, o centro do Rio. As legislações acima apresentadas, se seguidas fielmente, teriam evitado as lambanças feitas por políticos que foram detonados da vida publica antes e já retornaram aos palácios ou estão em vias de se apossar dos centros de poder. São as mesmas figuras que dizem ter melhorado nossas vidas com a criação de legados para a sociedade. De tanta excelência que na primeira chuva ou crise sanitária terminaram de ruir como castelos de areia. É só olhar a nossa volta para ver a decadência da qualidade de vida a que estamos subjugados. E para piorar, em nossa ignorância, olhamos para nossos problema pessoal e usamos o poder de escolha para simplesmente impor nossa revolta intima nos dirigindo a caminhos piores do que já estão. Não consertamos a causa, só atenuamos os efeitos.
Obrigada, Jorge