Tadáskía, pintora carioca, é a primeira artista do mundo a desenhar nas paredes do MoMA

Jovem artista, natural de Santíssimo, bairro da zona oeste do Rio, ultrapassa imposições e se torna a primeira artista a pintar as paredes do renomado museu americano.

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
Vista geral da exposição Projects: Tadáskía, aberto a visitação no The Museum of Modern Art, Nova York desde maio até 14 de outubro (Jonathan Dorado/divulgação).

Caros leitores do Diário do Rio, meu nome é Lucas Albuquerque. Tenho 28 anos e sou carioca, nascido na baixada fluminense do Rio. Sou curador, crítico e historiador da arte, e é com enorme prazer que anuncio que, a partir desta segunda-feira (8 de julho), colaboro de maneira recorrente com o jornal através desta coluna. Minha proposta é tensionar ideias sobre arte e cultura contemporânea com base em notícias, entrevistas com artistas, curadores e galeristas, e visitas a ateliês e instituições. Já é de longa data o desejo de elaborar uma conversa com o público no formato de coluna, esse formato tão generoso que dedico partes do meu dia à leitura, e não há casa melhor que o Diário para a sua realização.

Quantos universos cabem no traço de uma criança que, permitida a tomar as paredes da sua casa como a sua tela, se coloca a desenhar todo o espaço, sem temer a repressão alheia? A resposta para essa pergunta parece surgir nos trabalhos da artista carioca Tadáskía, que vem chamando a atenção internacionalmente após a inauguração de sua primeira individual internacional no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). Ocupando a sala de projetos com um desenho livre de mais de 18 metros de largura, Tadáskía impressionou não apenas pela qualidade do seu trabalho, mas por ser a primeira artista trans e negra do mundo a intervir nas paredes da instituição.

Tadáskía não é mais nenhuma criança — seus recém-concluídos 31 anos atestam uma longa trajetória de vida, ainda que o feito prodígio chame a atenção. Natural de Santíssimo, bairro suburbano da Zona Oeste do Rio, suas primeiras experimentações em arte surgiram na infância, no traço errante do desenho em lápis de cor. “Quando eu desenhava, minha mãe, Elenice Guarani, e minha tia, Gracilene Guarani, que são mulheres negras e afro-indígenas, me falavam para colocar mais cor porque cor é vida”, conta a artista.

Impulsionada pelos ensinamentos das mulheres de sua família, pelas ações educativas e culturais promovidas pela escola pública e pelos primeiros contatos com a arte através da igreja evangélica, a artista completa sua formação na universidade pública, cursando Artes Visuais pela UERJ e mestrado em Educação pela UFRJ. Além disso, outro espaço de desenvolvimento importante para a sua caminhada foi o Parque Lage, onde realizou pela primeira vez um desenho de grande escala direto na parede, em um projeto coletivo, na exposição “Estopim e Segredo” (2019).

De lá para cá, Tadáskía conserva muitos dos hábitos de sua tenra juventude. Todos os dias, antes de iniciar seu trabalho, a artista presta uma oração. Quando se coloca a pintar, em seguida, realiza os movimentos expansivos e errantes de olhos fechados, fazendo de seu corpo o instrumento para uma força maior, criadora de mundos, seres e figuras que só adquirem significado posteriormente. “Admitir o erro é também identificar que podemos voar em linhas tortas”, afirma.

2 PorFeAvila Tadáskía, pintora carioca, é a primeira artista do mundo a desenhar nas paredes do MoMA
Tadáskía. Foto por Fe Avila.

“O que está em jogo no desenho é a movimentação da minha mão e como o papel ou a superfície vai receber esse voo, essa brincadeira, essa linha. E, muitas das vezes, a linha entorta para um lugar que eu não tinha percebido, porque, como eu estou de olhos fechados, ela vai para lugares que eu, mesmo achando que é um lugar que eu tinha imaginado, quando eu abro os olhos, era um outro lugar ou as linhas se embolam”, diz Tadáskía.

Outro trabalho integrante da exposição em cartaz no museu americano é o livro de folhas soltas “Ave Preta Mística”, apresentado em 2023 na 35ª Bienal de São Paulo. A obra narra o voo e transformação de um pássaro que vai ao encontro do seu bando. Feitos em carvão em pastel seco, os desenhos apresentam formas circulares voltadas ao seu próprio centro, como uma energia em fusão, lembrando o traço revolto dos murais desenvolvidos pela artista. Já os poemas, por sua vez, prestam reverência à pensadora feminista negra Audre Lorde.

“A ave preta mística é uma população negra reunida além do tempo-espaço conhecido. Livre interpretação de Sankofa, um pássaro preto olhando para trás com um ovo em seu bico. Mística, a ave preta se transforma, tal como na ampliação de seus voos, nos mostrando um desejo incansável de liberdade”. É com ela que a artista inicia o percurso na sala de projetos do MoMA, onde agradece, na primeira folha, às suas ancestrais: “Dedico às irmãs negras e irmãos negros outsiders”, “às mulheres negras e pessoas trans negras”, bem como “às pessoas que se importam com as crianças e as pessoas que são igualmente crianças de coração”.

Em formas arrepiadas e coloridas que preenchem o cubo branco do museu, os seres criados pela artista vibram em desejo de vida e expansão, numa prova cabal de que a arte brasileira é forte o suficiente para adentrar o circuito internacional quando acompanhada da valorização de vozes antes suprimidas. Com seus 31 anos, Tadáskía convoca a vida de seus antepassados enquanto abre as portas para suas irmãs: é na recusa à repressão da linguagem que ela se torna a primeira mulher trans a ingressar no seleto grupo de artistas brasileiros que já expuseram no MoMa.

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
entrar grupo whatsapp Tadáskía, pintora carioca, é a primeira artista do mundo a desenhar nas paredes do MoMA
lapa dos mercadores 2024 Tadáskía, pintora carioca, é a primeira artista do mundo a desenhar nas paredes do MoMA

Comente

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui