Por: Tarcísio Motta
Descaso com a contenção de encostas e a drenagem das águas pluviais, falta de política de moradia e milhões de reais em obras prometidas que não são concluídas. O resultado, já sabemos: quando a chuva intensa chega, famílias perdem suas casas, seus pertences e, muitas vezes, até a vida de entes queridos. São histórias que se repetem em diferentes regiões do país: vimos isso no Grande Recife, no sul da Bahia, no norte de Minas Gerais, em São Paulo e na região serrana do Rio de Janeiro. O que não canso de repetir é que essas tragédias são causadas pela omissão do Estado brasileiro.
Desastres são muitas vezes considerados como fatalidades naturais, acontecimentos inevitáveis. Essa visão equivocada impede a compreensão da sua dinâmica socioambiental e dificulta propor soluções e apontar responsabilidades. As tragédias só ocorrem em territórios vulneráveis, que estão expostos a ameaças. Nas cidades, as fragilidades estão relacionadas às características físicas da paisagem, à qualidade dos serviços públicos e à política de uso e ocupação do solo. Logo, o poder público é responsável pelo grau de exposição socioambiental de um território a uma ameaça climática.
Quando um evento adverso, como chuvas torrenciais, atinge toda a cidade, os estragos tendem a se concentrar nas áreas com menos cobertura florestal, infraestrutura urbana e serviços assistenciais. Ou seja, a maior parcela dos riscos recai sobre os mais pobres. Por isso, os desastres nos informam mais sobre as desigualdades do território atingido do que sobre a potência das chuvas. Eles escancaram nossas injustiças socioambientais.
A situação se torna ainda mais grave devido às mudanças climáticas decorrentes do colapso ecológico global que vivemos: tudo indica que os problemas tendem a se agravar. O poder público precisa tomar medidas urgentes para evitar novas tragédias. Precisamos construir um Sistema Único de Proteção Socioambiental eficiente que ajude a organizar e viabilizar ações locais de prevenção e mitigação de desastres. Também não é possível que se continue alegando uma suposta responsabilidade fiscal para bloquear recursos quando se tem mais de 200 mortos em Petrópolis e mais de 100 no Grande Recife. A prevenção e o auxílio às vítimas devem ter prioridade. Por isso os governos, especialmente o federal, são corresponsáveis pelas tragédias que têm se repetido no país.
Na CPI das Enchentes, que realizamos no Rio de Janeiro em 2019, apresentamos 105 recomendações e sugerimos o indiciamento de cinco autoridades. Ficou evidente que o que mata não é a chuva, e sim o descaso dos governos que arriscam a vida dos cidadãos ao remanejar para outras áreas os recursos que deveriam garantir a proteção socioambiental dos territórios: se a chuva não vem forte naquele ano, aquele dinheiro que foi retirado da prevenção parece não ter feito falta. A população só nota que foi retirada verba da contenção de uma encosta, por exemplo, se ela ruir. Só que esse dinheiro que não é investido agora é a encosta que vai desabar dois anos depois. Aprendemos que não dá para evitar as chuvas, mas dá para evitar os desastres.