A hiper taxação imobiliária no Rio de Janeiro

Para o urbanista Bruno Araújo, os governantes vem consistentemente onerando o mercado de imóveis no Rio, o que lenta e silenciosamente encareceu a produção imobiliária.

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Bairro do Flamengo, aterro | Foto: Rafa Pereira - Diário do Rio| Foto: Rafa Pereira - Diário do Rio

Por Bruno Araújo

O Estado do Rio de Janeiro teve, segundo os dados recentemente divulgados, do Censo, um crescimento populacional bem abaixo da média nacional, de apenas 0,4%, e a nossa capital, queda de 1,72%.

Isso denota que, ainda com a presença da indústria do petróleo no estado, há uma evasão populacional em curso, conjugada com a falta de atratividade econômica. Por isso vemos aqui e ali o uso da palavra decadência para caracterizar esse fenômeno.

Os índices dos últimos anos também corroboram essa conjuntura, vem apontando um crescimento econômico do Rio sempre abaixo da média nacional, e nos momentos de recessão, uma queda maior que a média também, mostrando a dificuldade de recuperação. A criação de empregos é o mais emblemático deles, com indicadores frequentemente desfavoráveis.

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Nos estudos urbanos, se detecta que o crescimento imobiliário não está necessariamente vinculado ao aumento da população, em especial no Brasil, onde o chamado déficit habitacional é severo e a qualidade da habitação em geral é baixa. Assim, o crescimento econômico propicia que as pessoas busquem melhorar a sua moradia, e quando ele não ocorre, ou vem em índices pífios, aumenta o processo de favelização a até mesmo de informalização gradativa de áreas formais, com construções irregulares e precárias.

A tendência do governante é de sempre buscar o aumento da arrecadação, o que é feito muitas vezes a qualquer custo, de forma injusta, e tem efeito contrário, ao deprimir as atividades econômicas. Mas governante com caixa cheio é um candidato à reeleição mais robusto, ou mais apto a eleger o sucessor. Então, procuram as formas menos impopulares de atingir esse objetivo.

Nesse sentido, justamente nessa última década “perdida” (mais uma, a se somar aos anos 80), os poderes públicos Estadual e Municipal da capital tomaram medidas que oneraram sobremaneira a produção imobiliária local, e agravaram o quadro negativo, quando deveriam agir para a reversão dele, com políticas anti cíclicas e de estímulos.

Os custos cartorários foram majorados com aprovação pela ALERJ de nova metodologia de cálculo, que passou a considerar o valor do imóvel transacionado como base para calculo de emolumentos dos cartórios de notas e de registro de imóveis, o que se revela incompatível com a prestação do serviço, que é rigorosamente o mesmo para qualquer imóvel, seja menos ou mais valioso. Não se tem notícia de que tenha havido qualquer tipo de questionamento à constitucionalidade dessa regra, mas é certo que o Ministério Público estadual é sócio em 5% do valor de todos os atos, o que para dizer o mínimo, constitui um conflito de interesses. Além do MP, a Defensoria Pública é agraciada com outros 5%, e o Tribunal de Justiça com 20%. Portanto, o aumento das custas beneficia diretamente esses 3 órgãos do sistema de Justiça.

Some-se a isso a majoração da alíquota do ITBI, de 2 para 3%, aumento de 50%, ocorrida em 2017, e a do ITD, em 2018, de 4 para 8%.

E como se não fosse o bastante, a Prefeitura do Rio veio criando diversas normas que também oneraram a produção imobiliária. Uma delas, talvez a mais significativa, diz respeito às doações obrigatórias que alguns empreendimentos residenciais tem que fazer, de áreas para implantação de equipamentos comunitários públicos. Há tempos, esses lotes, nas áreas mais nobres da cidade, vem sendo vendidos pelo município, demonstrando a sua desnecessidade, ou, no mínimo, o exagero no seu dimensionamento. A doação de lotes foi substituída por contribuição em dinheiro para os cofres públicos, num claro desvio de finalidade. As edificações comerciais, antes isentas de doações, pois em tese não são moradia e não gerariam demanda por equipamentos públicos, também passaram a ter doações obrigatórias, num aparente desvio de finalidade.

São aumentos de impostos, taxas e emolumentos que aparentemente atingem um número menor de contribuintes, por isso não há qualquer clamor público contrário a esses aumentos, oposto do que ocorre quando há reajustes no IPTU, por exemplo. Por isso os governantes vem perpetrando essas ações, que lenta e silenciosamente encareceram a produção imobiliária.

Então, não surpreende que na cidade do Rio o valor dos imóveis seja tão elevado, em comparação a outras, quando, em função das dificuldades econômicas pelas quais cidade e estado passam, evidenciadas pela demografia, deveria ser o contrário.

O único dado auspicioso recente, como publicado aqui no Diário do Rio, veio do CNJ, e não do nosso estado, ao contrário, “CNJ determina que Tribunal de Justiça do Rio emita certidões de distribuição gratuitamente”, reafirmando que “é ilegal cobrar pela emissão das certidões dos distribuidores cíveis e criminais, mas o Tribunal do Rio descumpre há pelo menos 10 anos a ordem dos tribunais superiores. Agora, a ministra Rosa Weber quer dar um fim à prática, que onera os cidadãos fluminenses em mais de 500 reais quando querem, por exemplo, vender imóveis.

Será que só recorrendo ao Poder Judiciário Federal será possível reverter esse quadro?

O setor imobiliário não pode ser a galinha dos ovos de ouro dos governantes no Rio de Janeiro. É preciso desonerar a produção, facilitando as transações, trazendo mais dinamismo ao mercado. Esperemos da sociedade organizada a cobrança para que isso ocorra, e que os demais poderes, em especial o Legislativo, cumpram o seu papel institucional mirando o desenvolvimento do nosso estado e da nossa cidade.


Bruno Araujo é arquiteto e urbanista, integrou nos anos 90 equipes vencedoras dos Projetos Rio Cidade e Favela Bairro, na cidade do Rio de Janeiro, bem como os concursos para realização de PEUs, Planos de Estruturação Urbana. Vem se dedicando a projetos de arquitetura residencial e incorporações, e se especializou também em estudos de viabilidade de empreendimentos imobiliários.

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5 COMENTÁRIOS

  1. Pensei que só eu achava um absurdo o que ganham os cartórios e o governo com as transações imobiliárias. Quem luta e se sacrifica a vida toda pelo sonho da casa própria, quando consegue comprar um imóvel fica mais endividado por conta da ganância desse sistema que enriquece e mantém no poder sempre os mesmos.

  2. Mais uma vez o individuo de alcunha Marcel destilando suas groselhas. Quer dizer que agora, o malandro socialista, vai querer regular o lucro das construtoras. De certo, o individuo nunca empreendeu nesta vida, nunca deve ter colocado um prego na parede. Custo do imóvel é caro por varios fatores, localização, benfeitorias, acesso a dsterminados lugares etc….O que a reportagem deixa claro, que não existe almoço grátis, se existem taxas no cartório para o judiciário isso vai ser cobrado de alguém. Ora e por que existe essa taxa: para custear as benesses de privilegiados em detrimento da população em geral ( ferias dobradas, recesso, quinquênio, folgas nas sextas quando feriado é sexta e outros) Recebem auxilio educação sendo servidores publicos quando na verdade deveriam ser os primeiros a utilizar a escola publica pois afinal dizem que o público é bom, Viva o SUS…… Político não se beneficia não se vê nenhum milionário….cara só pode ser déficit cognitivo para falar um negócio desses….

  3. Os beneficiados pelo altos custos cartoriais são políticos profissionais? Estão vinculados a partidos políticos e em campanhas para ocupar cargos no Executivo e no Legislativo? O artigo deixa claro que não, portanto, se esses poderes aprovam leis de aumento destas taxas, é provavelmente por lobby dos interessados, ou seja, os donos dos cartórios (que não são políticos, repita-se). Não vejo estes caras sendo duramente criticados por sua atuação nefasta. Aliás, por que ainda precisamos de cartórios? Que coisa mais medieval!

    Curioso como, ao mesmo tempo que sai este artigo, foi publicada a notícia de que o governo do Estado do Rio aprovou mais isenção fiscal à instituições religiosas, abrindo mão de receita para benefício destas empresas…ôpa, quero dizer…destas ‘instituições’. Não vejo, por parte da imprensa de direita, críticas contra isso tampouco.

    Por último, é preciso analisar a margem de lucro com a qual os donos das construtoras operam, e também os malabarismos que fazem para reduzir custos de obras (uso de material mais barato, achatamento de gastos com folha de pagamento, etc…), além, é claro, de toda criatividade desses empresários para descumprir obrigações e manipular a contabilidade de suas empresas, aumentando seus ganhos pessoais. Os imóveis estão cada dia mais caros e os donos das construtoras cada dia mais ricos.

    Mais uma vez, coloca-se nas costas dos políticos TODA a responsabilidade pelo caos em que vivemos, mas deixa-se de lado que por trás da maioria dos políticos, existem interesses econômicos de gente endinheirada, e é esta gente que opera nos bastidores da política para que o país funcione como funciona, “pois assim ganham mais dinheiro”, parafraseando um falecido poeta.

    Na lista das mil maiores fortunas do país não há sequer um único político carreirista. Estes são apenas os corretores, que levam suas comissões. O dinheiro grosso, e por conseguinte o poder de fazer leis e impor as coisas, está nas mãos de gente que, para o grande público, é invisível. É contra essa gente que deveríamos investir. Bater só no corretor não vai mudar nada.

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