Uma série sobre adolescentes, lançada pela Netflix, tem causado incômodo — e isso é bom. Adolescência não é apenas sobre juventude. É sobre a falência de todos nós, adultos e instituições, em lidar com a formação dos meninos e o impacto de uma masculinidade doente, muitas vezes confundida com força e virilidade.
Como mulher negra, vereadora e mãe de três filhos meninos — dois deles já iniciando o ciclo da adolescência —, não consigo assistir a essa obra sem pensar na escola pública da minha rua, nos meninos da favela, nos filhos das mulheres que encontro nos corredores da política, nas mães que chegam no meu gabinete, desesperadas com o que está acontecendo com seus filhos.
A série retrata com crueza o que já está diante dos nossos olhos há tempos: meninos em sofrimento profundo, envolvidos em violência, sexualidade desprotegida, desafios com a autoestima, vícios digitais, isolamento e um vazio emocional que não encontra lugar para ser dito, cuidado, transformado.
Esses meninos não estão apenas nas séries de ficção. Estão aqui. Estão em nossas escolas, nas periferias ou nos bairros nobres do Rio de Janeiro, nas redes sociais, adoecendo em silêncio, enquanto o Estado segue sem políticas públicas que cuidem das infâncias masculinas.
Na primeira infância, temos as neurociências nos dizendo que o afeto, o cuidado e o vínculo são bases estruturantes para o desenvolvimento emocional. Mas quando esses meninos crescem, o que oferecemos a eles? Pressão estética, pornografia, abandono escolar, violência como linguagem e ausência total de espaços de escuta e acolhimento.
Ao longo do meu mandato, sempre lutei por uma cidade que enxergue suas crianças como prioridade. E não dá mais para ignorar que os meninos em desenvolvimento, precisam de políticas específicas. Que a masculinidade, quando não é cuidada, se transforma em dor, em violência, em tragédia. E que essa dor, quase sempre, vem de um silêncio imposto pelo machismo, que ensina a não chorar, não se expressar, não pedir ajuda.
É por isso que, inspirada pela urgência que a série Adolescência escancarou, protocolei na Câmara do Rio o projeto de lei que cria a Política Municipal de Promoção de Masculinidades Saudáveis e Antissexistas.
Queremos construir espaços de escuta, formação, educação emocional, redes de cuidado para os meninos e suas famílias. Queremos intervir antes da tragédia. Queremos prevenir. E para isso, precisamos falar.
Falar sobre masculinidades é urgente. É uma agenda de saúde pública, de segurança, de cuidado com as infâncias. Não há mais tempo para fingir que é “fase” ou “coisa de adolescente”. O sofrimento psíquico dos meninos é real, e o silêncio é o principal combustível dessa crise.
A série não é fácil de assistir. Nem deve ser. Porque o que ela mostra é, também, um retrato de nós mesmos. E diante do espelho, só existem dois caminhos: fingir que não viu — ou fazer diferente.
Eu escolho fazer diferente.
Thais Ferreira é vereadora da cidade do Rio de Janeiro com forte atuação em pautas ligadas à crianças e adolescentes