Thaís Ferreira: O papel da Câmara do Rio na proteção das infâncias

Nesse contexto, ocupar na Câmara do Rio a presidência da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente na Câmara do Rio nos trouxe uma responsabilidade inesperada de ter que proteger as infâncias, justamente, daqueles que deveriam estar trabalhando por elas

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A atual legislatura na Câmara de Vereadores já ficou marcada por dois casos chocantes de violência contra crianças e adolescentes. Primeiro foi o do ex-vereador Dr. Jairinho, acusado de assassinar o enteado com agressões dentro de casa. Um episódio bárbaro que o levou à cassação e à cadeia. E, mais recentemente, tivemos o caso do vereador Gabriel Monteiro, contra quem pesam uma ação do Ministério Público por difundir vídeo de sexo com adolescente e um outro processo no Conselho de Ética, da própria Câmara, que apura uma sorte de crimes, tais como disponibilização de drogas para adolescentes, grave ameaça e até estupro.

Nesse contexto, ocupar na Câmara do Rio a presidência da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente na Câmara do Rio nos trouxe uma responsabilidade inesperada de ter que proteger as infâncias, justamente, daqueles que deveriam estar trabalhando por elas.

Esses dois vereadores que citei foram eleitos com plataformas políticas conservadoras e com o mote explícito de “defender a família” e os “cidadãos de bem”. Em vez disso, usaram o poder e os recursos do cargo para causar prejuízos incalculáveis para crianças e adolescentes, que são sujeitos vulneráveis. No caso envolvendo Gabriel, ele próprio gravou e compartilhou uma adolescente fazendo sexo com ele – imagens que agora estão difusas na internet e atormentam a jovem, que sequer terminou o ciclo escolar.

A figura do “cidadão de bem”, que supostamente deveria proteger, e não violar os direitos de crianças, têm de fato escondido uma das faces mais cruéis quando o assunto é violência sexual infantil: o perfil do abusador. 

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Ao contrário do que pensamos quando ouvimos a palavra estupro, o abusador não é um desconhecido que se esconde nas sombras, atacando somente pessoas cujas vestimentas são “convidativas”. Segundo os dados, entre 85% e 90% dos abusadores são conhecidos das vítimas, fazem parte da família, do círculo de convivência, seja um instrutor de esportes, um líder religioso, uma pessoa amiga da família e, até mesmo, um familiar. O abusador é, na maioria das vezes, alguém que a criança ama e em quem confia, que também tem a confiança dos seus pais ou cuidadores, que tem alguma relação de poder ou autoridade e usa desse vínculo para chantagear ou ameaçar a vítima. 

Em geral, não existe uma “cara de abusador”. Como vimos, inclusive entre os vereadores denunciados, até mesmo pessoas que se dizem militantes na defesa da família podem ser, na verdade, abusadores. Inclusive gente que se diz super zelosa com seus filhos, pode cometer abuso.

Por sua vez, a violência sexual infantil é um crime que gera muitas consequências, tanto para a vítima individualmente, quanto para a sociedade em geral. Uma das consequências desse tipo de violência é a saída de muitas crianças e adolescentes vítimas para a rua, o uso de substâncias lícitas e ilícitas como forma de fuga do sofrimento psicossocial, ficando mais expostos às violências e vulnerabilidades sociais. Muitas crianças fogem de casa motivadas pela agressão física, pela ameaça ou pelo abuso sexual. A maioria das vítimas antes de sofrer a violência sexual, sofreu algum tipo de violência psicológica e/ou física.

Parte da estrutura social que garante a impunidade na maioria dos casos

– apenas 10% dos casos são denunciados no Brasil – é a negligência coletiva, um pacto social de silêncio. E a impunidade está diretamente ligada com o perfil dos abusadores, visto que quando o abuso acontece no contexto intrafamiliar, as relações de afeto, de poder econômico e proteção mútua entre os adultos costumam prevalecer diante da dignidade da criança abusada. A incapacidade de lidar com as violências sexuais contra as infâncias no Brasil descortina uma realidade triste e um passado histórico construído à base de estupros e abusos de todas as formas. 

O perfil das vítimas do passado, meninas e mulheres, negras e indígenas, continua sendo o mesmo e crianças com deficiência são ainda mais vulneráveis. No entanto, as violências sexuais contra crianças e adolescentes está presente em todas as camadas sociais, acontecendo com meninos também e parte da dificuldade, que temos como sociedade, de dar respostas contundentes neste sentido está ligada ao passado de abuso sexual na vida dos adultos de referência, que muitas vezes não puderam tratar de seus próprios traumas e evitam entrar em contato com a temática de forma inconsciente. 

O que acontece na infância, não fica na infância e muitas vezes o fardo de carregar um trauma não-elaborado na vida adulta impõe o silêncio sobre uma criança em sofrimento na sua convivência. Cerca de 50% das crianças abusadas se tornam abusadoras na vida adulta e existe um alto índice de reincidência, deixando um rastro de destruição nas vidas das crianças que convivem com essas pessoas. O custo social desta cultura de silenciamento tem sido a vida e a saúde das crianças. É preciso interromper o ciclo de violência e dar um basta na cultura de impunidade, quando o assunto é violência sexual infantil. 

É preciso um esforço coletivo para tirar da invisibilidade essa pauta e trazer para consciência da nossa sociedade a responsabilidade de prevenir, combater e identificar todas as formas de violências contra crianças e adolescentes. A Câmara dos Vereadores deve fazer sua parte nisso, prevendo recursos, aprovando leis e efetivando de fato a prioridade para crianças que já está mencionada na Constituição. Nós estamos costurando esse trabalho com seriedade, empenho e a maturidade que o assunto exige. E nossa expectativa é que os  demais eleitos reconheçam a urgência da questão e enfrentem para valer o abuso e a exploração sexual das crianças e adolescentes conosco.

Thais Ferreira é vereadora da cidade do Rio de Janeiro

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1 COMENTÁRIO

  1. Fico preocupado com esse tipo de matéria no Diário do Rio… deveriam ler o inquérito em trânsito, a fala é de julgo… gosto do trabalho do vereador Gabriel Monteiro e li o mesmo… essa política da desinformação é preocupante aqui na grande mídia já não é novidade… uma pena estar indo por esse caminho… liberdade de expressão não pode ser confundida com calúnia e difamação…

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