Foi incluído na Ordem do Dia de votação da Câmara Municipal do Rio de Janeiro – CMRJ desta semana o Projeto de Emenda à Lei Orgânica – PELOM nº 23/2018, que visa a permitir o uso de arma de fogo por nossos guardas municipais em todo o território nacional.
Embora a Comissão de Justiça já tenha lavrado seu parecer pela constitucionalidade/legalidade desse PELOM, eu, por dever de ofício, mesmo aposentado, não poderia me omitir na crítica quanto à ilegalidade do seguinte dispositivo desse PELOM:
“§ 3º A Guarda Municipal deverá emitir carteira de identidade funcional aos seus agentes, com fé pública e validade em todo território nacional, fazendo constar a devida autorização do porte de arma de fogo.“
Mas, em primeiro lugar, creio que os senhores vereadores deveriam travar a pertinente e importante discussão com a sociedade quanto à desnecessidade de se armar a Guarda Municipal em nosso município e rejeitar, considerando o princípio constitucional da autonomia municipal, o PELOM sob análise, tendo em vista o risco apontado pelo sítio Poder360, que nos informa que, em levantamento realizado pelo Instituto Fogo Cruzado ficou demonstrado que:
1) em pouco mais de 6 anos, de julho de 2016 a novembro de 2022, 1.000 pessoas morreram ou ficaram feridas em consequência de balas perdidas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro;
2) sendo que, ente as vítimas, 229 morreram e 771 sofreram ferimentos;
3) dos 1.000 baleados, 624 foram atingidos na presença de policiais e 162 morreram;
4) na população com idade inferior a 18 anos, 87 crianças e 92 adolescentes foram atingidos por balas perdidas. Desse total, 21 crianças e 27 adolescentes morreram. Além disso, três bebês foram baleados quando ainda estavam na barriga da mãe e somente um sobreviveu. Das 10 gestantes atingidas por balas perdidas, duas morreram e oito ficaram feridas.
Vale ressaltar também que, ainda está em nossa memória, o triste e recentíssimo caso da menina de 3 anos que foi baleada dentro de carro na Baixada Fluminense, sendo que os disparos foram efetuados por agentes da Polícia Rodoviária Federal. A criança estava no carro com a família quando disparos foram efetuados contra o veículo. Segundo o pai, um tiro atingiu a coluna e a cabeça da menina, que está internada no CTI em estado grave.
Mas, além do aspecto acima, voltando a minha crítica contra aquele absurdo dispositivo, salvo melhor juízo, ilegal, temos que:
1) o art. 6°, incisos III e IV, da Lei nº 10.826/03, que “Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências”, determinam que:
“Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:
(…)
III os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes , nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;
IV – os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço;”
2) aqui, antes que alguém comente, vale o alerta de que, recentemente, o STF decidiu que os integrantes das guardas municipais possuem direito a porte de arma de fogo, em serviço ou mesmo fora de serviço, independentemente do número de habitantes do Município. (STF. Plenário. ADC 38/DF, ADI 5538/DF e ADI 5948/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 27/2/2021.)
3) mas, mesmo a partir da orientação acima firmada pelo STF, é benfazejo ressaltar que o porte de armas pelos guardas municipais não se dá de modo amplo geral e irrestrito, ficando esse porte sujeito às “condições estabelecidas no regulamento” daquela Lei mais acima comentada, bem como ao interesse da população carioca quanto à matéria.
4) assim sendo, o Decreto nº 9.847, de 25 de junho de 2019, que “Regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas” determina o seguinte para os guardas municipais:
“Concessão de porte de arma de fogo funcional a integrantes das guardas municipais
Art. 57. A Polícia Federal, diretamente ou por meio de convênio com os órgãos de segurança pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do disposto no § 3º do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, e observada a supervisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública:
I – estabelecerá o currículo da disciplina de armamento e tiro dos cursos de formação das guardas municipais;
II – concederá porte de arma de fogo funcional aos integrantes das guardas municipais, com prazo de validade de dez anos, contado da data de emissão do porte, nos limites territoriais do Estado em que exercerem a função; e
III – fiscalizará os cursos de formação para assegurar o cumprimento do currículo da disciplina, a que se refere o inciso I.
Parágrafo único. Os guardas municipais autorizados a portar arma de fogo, nos termos do disposto no inciso II do caput, poderão portá-la nos deslocamentos para suas residências, mesmo quando localizadas em Município situado em Estado limítrofe.
Art. 58. A formação de guardas municipais poderá ocorrer somente em:
I – estabelecimento de ensino de atividade policial;
II – órgão municipal para formação, treinamento e aperfeiçoamento de integrantes da guarda municipal;
III – órgão de formação criado e mantido por Municípios consorciados para treinamento e aperfeiçoamento dos integrantes da guarda municipal; ou
IV – órgão estadual centralizado e conveniado a seus Municípios, para formação e aperfeiçoamento de guardas municipais, no qual seja assegurada a participação dos Municípios conveniados no conselho gestor.
Art. 59. O porte de arma de fogo aos integrantes das instituições de que tratam os incisos III e IV do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, será concedido somente mediante comprovação de treinamento técnico de, no mínimo:
I – sessenta horas, para armas de fogo de repetição, na hipótese de a instituição possuir este tipo de armamento em sua dotação;
II – cem horas, para arma de fogo semiautomática; e
III – sessenta horas, para arma de fogo automática, na hipótese de a instituição possuir este tipo de armamento em sua dotação.
§ 1º O treinamento de que trata o caput destinará, no mínimo, sessenta e cinco por cento de sua carga horária ao conteúdo prático.
§ 2º O curso de formação dos profissionais das guardas municipais de que trata o art. 58 conterá técnicas de tiro defensivo e de defesa pessoal.
§ 3º Os profissionais das guardas municipais com porte de arma de fogo serão submetidos a estágio de qualificação profissional de, no mínimo, oitenta horas anuais.
Art. 60. A Polícia Federal somente poderá conceder porte de arma de fogo, nos termos do disposto no § 3º do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, às guardas municipais dos Municípios que tenham instituído:
I – corregedoria própria e independente para a apuração de infrações disciplinares atribuídas aos servidores integrantes da guarda municipal; e
II – ouvidoria, como órgão permanente, autônomo e independente, com competência para fiscalizar, investigar, auditar e propor políticas de qualificação das atividades desenvolvidas pelos integrantes das guardas municipais.”
Ou seja, fica claro que os vereadores autores do PELOM ora criticado, exorbitam, em total desacordo com a regulamentação acima, seu poder legiferante, ao determinarem:
- a obrigatoriedade de emissão de carteira autorizando o parte de arma para todos os nossos guardas municipais, quando, segundo a legislação federal sobre a matéria, é de competência da Polícia Federal, diretamente ou mediante convênio, SOB CERTAS CONDIÇÕES, a concessão do porte de arma funcional para os guardas municipais desde que atendam àquelas condições;
- que o porte de arma para todos os nossos guardas municipais terá âmbito nacional, embora, a legislação federal sobre a matéria, determine que o âmbito do porte se restringe somente aos limites territoriais do Estado em que os guardas municipais exercem a função.
Por fim, tendo em vista a necessidade de se valorizar a democracia participativa ao lado da democracia representativa, espero que os setores da sociedade carioca interessados no assunto se mobilizem para interferirem com argumentos na discussão desse PELOM junto à CMRJ.
artigo muito bem fundamentado. aprendi bastante mesmo sendo leigo. obgdo.
Sempre a sua disposição, Carlos. Que bom saber que fui útil para você. Um abraço. Antônio Sá da
Sempre a sua disposição, Carlos. Que bom saber que fui útil para você. Um abraço. Antônio Sá
O mais absurdo e psicopático nessa questão – Segurança Pública – é não estarem preocupados com as armas nas mãos de BANDIDOS!. Eu acho isso surreal.
Na verdade o Brasil já passou de todos os níveis aceitáveis e absurdos: vivemos num verdadeiro salve-se quem puder!. E o mais interessante é que políticos e ministros (da Justiça etc.), que vivem com seguranças particulares ou PFs com armas de guerra e carro blindado: são contra o uso de armas por pessoas corretas, cadastradas legalmente, dentro das normativas. É muita hipocrisia!. Mas os para bandidos: está TUDO liberado!!!. Vivemos num Estado dominado pelo narcotráfico – essa é a nossa triste realidade!….
Grato pela informação complementar, Flávio. Um abraço. Antônio Sá
Não conseguem nem controlar o trânsito e vão dar armas nas mãos desses senhores? Fala sério…só pode ser piada… e de péssimo gosto…
Grato pela informação complementar, Fernando. Um abraço. Antônio Sá
É fato conhecido que não tem competência para autorizar, então, que validade tem a lei orgânica, aprovada em Câmara Municipal, que proíbe? Contradição interessante, ainda mais ai é existem leis federais, que são a lei 10.826, o estatuto do desarmamento e a 13.022, o estatuto geral das guardas municipais, ambas autorizam, a primeira, regulamenta. Se há regulamentação Federal, qual a legalidade no artigo da lei orgânica que proíbe o armamento de uma instituição se não compete ao município legislar sobre armamento?
Prezado Vladimir, a resposta é simples. Vivemos numa federação e não num estado unitário.
Logo, pelo princípio constitucional da autonomia municipal, nosso município é o único ente competente para determinar como funcionará a Guarda Municipal aqui.
Inclusive, em abril deste ano, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) julgou constitucional o dispositivo da Lei Orgânica do Município que veda o uso de armas de fogo por parte da corporação.
Logo, não há a contradição que você alega existir.
Um abraço. Antônio Sá
Prezado Felipe, grato pela informação complementar. Um abraço. Antônio Sá
Semana passada guardas foram atacados no Centro do RJ por foras das lei porque a imagem que eles tem dos guardas é essa mesmo: um agente desarmado e inofensivo.
Prezado Nando, grato pela informação complementar. Um abraço. Antônio Sá
O exemplo dos 500 bandidos fazendo arrastão em Copacabana mostrou que o RJ precisa de reforço pra ontem. O que não não dá é para colocar o guarda com arma de espoleta na cintura e achar que ele tem obrigação de combater esses marginais de alta periculosidade e sem nada a perder.
Prezado Nando, grato pela informação complementar. Um abraço. Antônio Sá
Por acaso tem dado estatístico apontando que pessoas mortas por bala perdida é culpa de policiais, numa cidade onde todo dia tem guerra de facções? Só faltou dizer que os bandidos atiram com responsabilidade.
E guardas armados não precisam ser utilizados em operações policiais ao crime organizado que é onde pessoas são baleadas. Nesse caso, ele atuaria como um agente de policiamento de bairro e a arma utilizada em caso de necessidade.
Prezado Matheus, grato por sua mensagem complementar, mas destaco que essa sua informação quanto a de quem é a culpa não consta no meu artigo e isso não está sob análise. Divulguei tão somente dados estatísticos. Um abraço. Antônio Sá
O RJ tem enorme déficit de efetivo de policiamento e uso dos guardas em regiões turísticas e movimentadas de alguns alguns bairros já seria um grande alívio para a PM atuarem em regiões mais complicadas.
A maioria das mortes de balas perdidas ocorrem em áreas conflagradas dominadas por quadrilhas que se utilizam de armamento de guerra. O uso dos guardas não seria para essas áreas e sim no policiamento de bairro.
Prezado Felipe, grato pela informação complementar. Um abraço. Antônio Sá