Victer: A Economia do Mar fluminense precisa formar urgente engenheiros de pesca e de aquicultura

O Rio de Janeiro tem um potencial fantástico para as atividades de pesca e aquicultura, pela geografia e por também ser um grande mercado consumidor

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Porto Maravilha visto do Museu do Amanhã • Foto: Rafa Pereira, Diário do Rio

Em 1998, logo após a aprovação da legislação que fazia a abertura do setor de petróleo, a Lei Federal 9478/97, e quando também estávamos assumindo a Secretaria de Estado de Energia, Indústria Naval e Petróleo, identifiquei uma necessidade junto com o saudoso e lendário Professor Carlos Dias: a formação de Engenheiros de Petróleo no Rio de Janeiro para fazer o enfrentamento daquela nova onda, tendo em vista que a diplomação de Engenheiros de Petróleo estava, até então, concentrada basicamente na Petrobras dentro dos seus excelentes cursos de formação.

Na ocasião, obtivemos o apoio para desenvolvermos no país o primeiro curso de graduação em Engenharia de Petróleo, com a própria Petrobras nos auxiliando com recursos financeiros para implantar o LENEP, um avançado Centro Tecnológico em Macaé da Universidade Norte Fluminense – UENF, com o intuito de formar pioneiramente Engenheiros de Petróleo.

Posteriormente ao LENEP, criamos na UERJ, especialmente na unidade de Friburgo, uma ênfase (especialização) em Petróleo por dedicação da orientação do Professor Antônio Neto, dentro do curso de Engenharia Mecânica, que se aplicava no último ano de formação. Na mesma época, na tradicional Escola Politécnica da UFRJ havia uma certa resistência contra a criação do novo curso, o que posteriormente foi superado com a criação de um curso próprio, que aliás, vai muito bem. Já na UERJ não se via, em um primeiro momento, a necessidade de formação, aliás numa histórica falta de visão da perspectiva econômica regional, que muitas vezes permeou em parte de alguns Conselhos Universitários, outro exemplo dessa miopia é que outros vetores da própria economia Fluminense, como o Curso de Turismo, não tinham e não tem sequer um curso de graduação em bacharelado em escolas públicas, mesmo diante da necessidade de apoio à uma grande atividade de desenvolvimento do Rio de Janeiro.

Já no setor de ensino privado, houve o pioneirismo da Universidade Estácio de Sá, primeiro com os cursos de Tecnólogo em Petróleo e depois com a sua própria Engenharia de Petróleo, que ampliou rapidamente a oferta no estado e que depois ofertou essa formação em larga escala para todo o país com muito sucesso.

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O fato é que é impensável se tocar, de forma eficaz, o desenvolvimento de um setor sem ter a formação prévia dos recursos humanos, pois com eles surgem a criatividade, a capacidade de aprender com as melhores práticas e iniciativas para empreender e alavancar políticas públicas. Nesse caso, “a galinha tem que vir primeiro que o ovo”.

Falamos muito atualmente da chamada “Economia do Mar” e realmente ela tem uma grande perspectiva econômica para o Brasil. Os militares, especialmente os de Marinha, adotam uma denominação muito adequada que é a chamada “Amazônia Azul” ao longo dos nossos mais de 8 mil quilômetros de costa no país. Associada à influência que temos na nossa Zona Econômica Exclusiva, é praticamente um novo território brasileiro e que muitas vezes é explorado por empresas de outros países.

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O antigo estaleiro Caneco, comprado pelo Governo Estadual, vai se tornar o maior polo pesqueiro do país, atuando em todas as esferas da economia do mar, inclusive treinando profissionais para a área

O Rio de Janeiro nesse contexto tem um potencial significativo para avaliar a Economia do Mar. Não somente falando na questão dos históricos Estaleiros e o Turismo Náutico, mas especialmente para a indústria de pesca e aquicultura. Temos um Estado com apenas 0,5% do território nacional, mas com uma das maiores proporcionalidades entre área e retificação do litoral entre todos os Estados do Brasil.

O perfil geográfico territorial costeiro fluminense é similar ao do Chile, onde a atividade pesqueira também tem grande importância, pois além de ter uma Costa bastante relevante, temos 3 importantes baías abrigadas que são: Baía de Ilha Grande, Baía de Sepetiba e a Baía de Guanabara. Isso sem falar de litorais de ilhas e importantes lagoas como do Complexo Lagunar do Norte Fluminense, como a Lagoa Feia, Lagoa de Cima e a própria Lagoa de Araruama, que é a maior Lagoa hipersalina do mundo, sem falar em abundantes reservas hídricas em rios e águas subterrâneas.

Não obstante a essa realidade de potencial da Economia do Mar, muitas vezes foram as ações simples, como as exemplificadas para a Indústria do Petróleos e Gás voltadas a formação de RH, que deram grandes resultados. Mesmo assim, essas políticas nem sempre são percebidas e adotadas. Me lembro no passado que quando Marcelo Crivella era o então Ministro da Pesca, tentamos colocar um centro para formação de profissionais da pesca, não só de nível médio, mas de graduação e até de pós-graduação, no então projetado Terminal Pesqueiro da Ribeira na Ilha do Governador, próximo a Colônia de Pesca Z10, o que, apesar da boa vontade e até desapropriação feita pelo Governo Federal, não prosperou e a área acabou indevidamente ocupada.

O fato é que mesmo diante desse potencial para a área de pesca e aquicultura da economia Fluminense, pasmem, não temos no Estado nenhuma universidade pública, tanto Federal quanto Estadual, formando Engenheiros de Pesca ou Engenheiros de Aquicultura, como aliás, existe em outros Estados.

Uma situação recente me fez mais uma vez refletir sobre essa lacuna. Quando fui assistir uma palestra em um workshop no evento Green Rio, na Marina da Glória, fui procurado por alguns empresários alemães que queriam desenvolver um projeto de aquicultura no norte do Estado e que não tinham, até então, um efetivo suporte público, até que os encaminhei a um Prefeito.

Nessa esteira de oportunidades, o Governo do Estado fez recentemente um movimento importante e aliás muito positivo e que vai ao encontro dessa potencialidade econômica, que foi a desapropriação das instalações do antigo Estaleiro Caneco no Caju, onde pretende implantar um complexo logístico que dê suporte as diversas atividades do mar e pesqueiras, o que poderá ser uma célula inicial da chamada “Universidade do Mar” que poderá competentemente ser desenvolvida pela UERJ, até porque, além da sua área abrangência em todo o Estado, já tem um tradicional Curso de Oceanografia que traz muitas disciplinas convergentes ao tema.

A própria produção de petróleo aqui instalada traz empreendimentos de todas as ordens, que também requerem profissionais voltados ao tema, não só para colocar ações mitigadoras à impactos ambientais, mas para fazer ações convergentes e gerar emprego. Dentro do novo momento pelo qual o mundo passa, onde se busca, de forma estratégica, a verticalização cada vez maior da produção de alimentos e com isso barateando os custos não submetidos à Commodities dolarizadas, a Economia do Mar pode dar essa importante colaboração na oferta de proteína animal saudável e a baixo custo. 

Portanto, o Rio de Janeiro tem um potencial fantástico para as atividades de pesca e aquicultura, não só por essa geografia, mas, especialmente por também ser um grande mercado consumidor. Ações que aconteceram no passado, como a produção de tilápias que começou fortemente na região do Paraíba do Sul e também no Sul Fluminense e de Piraí, trouxeram resultados muito positivos para incluir esses itens nos cardápios tradicionais do cidadão fluminense, e especialmente na própria utilização na merenda escolar que tem uma demanda muito importante e firme.

Dentro das características regionais, as águas limpas da Baía de Ilha Grande proporcionaram no passado a produção piloto de coquille saint jacques, o que a mostra como uma área muito interessante para a produção de ostras e mexilhões. A criação de camarão em cativeiro, uma atividade conhecida como carcinicultura, também poderá prosperar na forma de cultivo de camarão marinho ou de água doce.

Dentre os moluscos, o cultivo de ostras e mexilhões, chamados de malacocultura e mais especificamente em relação às ostras, a ostreicultura, tem também grande potencial em nosso estado e já tem forte presença na economia de outros Estados como Santa Catarina que abastece parte da nossa gastronomia Fluminense.

Já a região do litoral Norte e na própria região dos Lagos a produção do camarão e pescado é algo que ainda tem um potencial grande a ser explorado através de tecnologias disponíveis no mundo e bastante produtivas em regiões pelo clima quente favorável para muitas espécies. Da mesma forma na Região Serrana, as águas limpas, frias e abundantes são favoráveis a produção de truta para a gastronomia Fluminense.

Seria interessante aproveitar, portanto, a onda da Economia do Mar com a criação da Universidade do Mar, que vemos hoje sendo anunciada e colocar pelo menos uma turma por período com cerca de 30 alunos, onde em pouco tempo estaríamos formando na ordem de pelo menos 30 a 40 profissionais por ano nessa área e qualificando cada vez mais essa questão no Rio de Janeiro, dando esse óbvio e necessário suporte de recursos humanos ao setor. 

Portanto, um dos grandes obstáculos do Rio de Janeiro para alavancar essa vertente econômica certamente é a ausência total de cursos de graduação, algo que perpassa muito o Brasil, onde temos pouco mais de 5 mil profissionais registrados no Conselhos de Classe nessa área. Estimamos que atualmente são cerca de 4500 Engenheiros de Pesca e 500 Engenheiros de Aquicultura exercendo as profissões no país. Para fins de registro, se observamos somente conforme registro de 2021, 1952 Engenheiros de Pesca e 208 Engenheiros Aquaviários registrados efetivamente no sistema CONFEA/CREAS.

Dentro do perfil dos que temos como profissionais graduados na ativa, 60% são homens e 40% mulheres. Sendo que 50% dos profissionais atuantes são jovens e possuem entre 26 e 35 anos. Cerca de 55% desses possuem somente 6 anos de formados.

No Brasil existem ainda poucas universidades voltadas aos cursos de pesca. Se destacam: a Universidade Federal do Sergipe (UFS), a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Universidade Federal de Piauí (UFPI), a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Universidade Federal do Alagoas (UFAL), a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade Rural de Pernambuco (UFRPE) e a Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), a Universidade Federal Rural do Amazonas (UFRA), a Universidade Estadual do Oeste Paraná (UNIOESTE), a Universidade Federal de Educação e Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES), a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a Universidade do Estado do Amapá (UEAB) e a Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

Essa distribuição geográfica de formação em nível superior, demonstra que há uma grande concentração de formação em estados do nordeste 50%, do norte 30% e até no sul do Brasil, mas uma baixíssima concentração na região sudeste e a inexistência de cursos no Estado do Rio de Janeiro.

Nesse cenário, portanto, uma das principais e primeiras ações voltadas para a retomada da Economia do Mar será o suprimento de profissionais qualificados e os recursos humanos para esse fim. Se espera que dentro do conceito da chamada Universidade do Mar esses cursos sejam imediatamente desenvolvidos e quem sabe já para chamada de vestibular direto esse ano para a própria Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ, tendo em vista que os dois primeiros anos tradicionais do Curso de Engenharia são a formação básica que a instituição já oferta em sua unidade central, e que nesses dois anos teríamos o tempo adequado para a estruturação e formação de laboratórios e professores do tema, já que uma unidade dessa pode ser construída rapidamente de forma modelar e progressiva, e não requereria mais que 12 salas de aula.

Portanto, assim como fizemos com o Petróleo no passado, o importante nessa estratégia é a criação imediata de um curso de Engenharia de Pesca ou Aquicultura pela UERJ, fazendo ampla oferta para o interior do estado, para atrairmos com o devido suporte profissionais das diversas regiões do estado, dispersando também o desenvolvimento dessa área para fora da região metropolitana.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Interessante artigo, peca no final por considerar que cursos dessa natureza precisem apenas de 12 salas de aula. A UENF em Campos dos Goytacazes possui estrutura de piscicultura em funcionamento há mais de 20 anos. A UFF possui duas fazendas (Cachoeiras de Macacu e Iguaba), com potencial aquícola e a UFRJ poderia facilmente desenvolver essas áreas na região de Macaé, onde também possui um campus avançado. O que falta é visão e vontade política. O Rio precisa de estímulo para figurar entre os grandes produtores de pescado nacional, o território, como bem exposto no artigo, reúne excelentes condições.

    Prof. Andre Muniz Afonso
    (Ex-servidor da Fiperj, hoje vice-coordenador do Curso de Engenharia de Aquicultura da UFPR).

  2. Brilhante o artigo do engenheiro Wagner Victer. Isso demonstra que temos pessoas competentes e sinceramente preocupados com o avanço e o desenvolvimento do Rio de Janeiro. Pena que não temos representantes parlamentares em Brasília, ou mesmo em nosso Estado, com a vontade e a necessária disposição para defender os interesses do Rio de Janeiro, ou pelo menos, não deixar que sejamos prejudicados, como tem acontecido. Há uma cultura no Rio de Janeiro de achar que defender nossos interesses é uma coisa provinciana ou de menor importância do que os assuntos do País. O Rio perdeu representatividade, infelizmente, e isso se expressa na nossa opinião pública (imprensa) com apenas um jornal de expressão nacional, e que hoje, faz um jornal para agradar um outro estado, ao ponto de uma boa parte de matérias ser produzida por jornalista desse outro estado, portanto, sem interesse em se posicionar abertamente em defesa do nosso estado para não desagradar o mercado publicitário e seus grandes anunciantes. Mas devemos acreditar e continuar trabalhando com toda a determinação necessária para o bem do nosso estado e de seus filhos. Neste momento lamento profundamente, esse erro brutal praticado pelas lideranças partidárias de nosso estado em manter duas candidaturas ao Senado que poderiam muito contribuir para trabalhar na defesa dos nossos interesses em Brasília com pelo menos um como Deputado Federal. Me reporto aos candidatos André Ceciliano (meu candidato) e Alessandro Molon. Infelizmente vamos ter que tolerar um ex-jogador, omisso na defesa dos interesses do Rio, por mais oito anos, pelo menos é o que se afigura segundo as pesquisas.

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