Victer: A receita para ter a melhor merenda escolar do Brasil

Ex-secretário de Educação, Wagner Victer, dá 12 passos para que o Rio possa a voltar a ter a melhor merenda escolar do Brasil

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Foto Guilherme Cunha

A percepção da boa qualidade de uma merenda escolar, como se diz na expressão popular, é algo que pode ser sentido “na veia” e pude constatar tão logo saí da Secretaria de Educação do Estado do Rio quando encontrei com um grupo de alunos do Ensino Médio da Ilha do Governador, em frente à Igreja de Santo Antônio no Tauá, que foram me procurar relembrando a qualidade da merenda que oferecia e também lamentando efetivamente a queda posterior que se ensejava no que eles chamavam “macarrão com boi ralado” (carne moída) e a volta do meio ovo cozido.

Recentemente o consagrado jornalista Octávio Guedes no programa Estúdio I da Globo News, debatendo sobre a questão dos eventuais cortes nos valores repassados pelo Governo Federal para a merenda escolar, fez uma consideração muito importante e que muitos me ligaram para me parabenizar sobre o tema que foi o registro da implementação da “Melhor Merenda Escolar do Brasil” no período em que estive como Secretário de Educação e que foi então uma estratégia primordial para o combate à evasão escolar.

O desafio de preparar a “Melhor Merenda Escolar do Brasil“, apelidada na ocasião pelos alunos, simpaticamente, como “Merenda Master Chef“, foi umas das questões que coloquei como meta em minha gestão como Secretário, não só por ser uma das grandes reclamações que motivaram as ocupações das escolas no Estado, que encontrei quando assumi a Secretaria, mas pelo meu próprio sentimento histórico de um aluno que estudou na Rede Pública e onde a merenda escolar era um dos grandes atrativos e que até hoje me traz boas lembranças.

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O fato é que a questão de ter uma merenda escolar de alto nível tem tido a atenção de poucos gestores públicos, em especial os da educação, que não conseguem dar um foco adequado no tema até pela falta de uma percepção da sua importância para o aluno da rede pública que muitas vezes tem na merenda escolar, desde praticamente o início da sua vida, a sua principal refeição diária. Infelizmente isso pode de novo ser sentido recentemente pelas omissões e erros que aconteceram durante a pandemia onde se associou o afastamento de alunos das escolas com a falta dessa importante refeição diária.

Da mesma forma, durante uma crise financeira um dos principais itens normalmente a ser cortado é a merenda escolar e consequentemente a sua qualidade, até porque, de maneira equivocada e que merece ser corrigido, os gastos públicos com merenda escolar não entram no cômputo do Índice Constitucional de Educação que é de 25% adotado em todo o país. Ou seja, o que se gasta em uma merenda de melhor qualidade não pode ser computado no cálculo dos índices e normalmente isso é um elemento que induz, equivocadamente, muitos gestores à não atentarem ao tema.

Os indicadores do IDEB, publicados recentemente, estão bastante distorcidos em relação aos índices históricos do passado, pois, em função da pandemia, foi adotado no último biênio o princípio da “aprovação automática“, afetando muito a chamada questão do “fluxo” que é um dos maiores elementos que impactam na formação do cálculo do indicador IDEB e portanto a qualidade da merenda como um elemento atração e manutenção do aluno na escola, e certamente, nesta última avaliação, acabou sendo mitigado em sua percepção, mas não será a frente.

Dentro da experiência que observei como Secretário de Educação, e o que levou a nossa merenda a ganhar o título de “Melhor Merenda Escolar do Brasil“, a partir de uma pesquisa de campo feita pela Controladoria Geral da União – CGU e metodologia do MIT – Massachusetts Institute of Technology – quando cerca de 96% aprovaram a merenda fornecida pelo Estado do Rio de Janeiro, em um total confronto com os dados do passado, onde era um ponto focal de críticas. O próprio jornal Extra, na ocasião, a partir da matéria do jornalista Bruno Alfano em matéria de página inteira destacou o fato.

O modelo que adotamos, e que pode ser um guia para qualquer gestor público na área de educação, adaptado dentro da sua realidade, foi um grande “case de sucesso” no país e passo a resumir em 12 pontos:

1- CARDÁPIO DE QUALIDADE:

Tão logo assumi a Secretaria de Educação, pasmem, eu mesmo resolvi, como Secretário, me envolver pessoalmente e preparar o cardápio da merenda. Chamei na ocasião a Nutricionista da Secretaria, Lívia, que, aliás, é uma profissional excepcional e que ainda se encontra na Secretaria Estadual de Educação – SEEDUC, e buscamos não só diversificar o cardápio, mas torná-lo bastante criativo, colocando pratos da culinária internacional até para que os alunos saíssem da mesmice e pudessem conhecer pratos que normalmente são apenas conhecidos em restaurantes.

Introduzimos um cardápio para os alunos que até então eram desconhecidos da merenda escolar, inclusive até mesmo para muitas merendeiras que foram treinadas, como, por exemplo: estrogonofe, ratatouille, cozido, arroz à piemontese, bife à parmegiana, cassoulet, moqueca, escondidinho de carne seca e outros que historicamente não estavam nas receitas e que muitos até achavam que poderia não cair no gosto da garotada. Aliás, a boa polêmica na correta grafia dos nomes dos pratos, como estrogonofe e ratatouille, chegou a ser engraçada quanto a adaptação ou não do nome.

2- GOVERNANÇA:

Tão logo elaboramos o novo cardápio, era fundamental que ele fosse padronizado por cerca de 1200 escolas da rede Pública Estadual e, portanto, adotamos como regra a sua publicação com antecedência de 1 mês no Diário Oficial do Estado, e obrigando por Norma, a sua divulgação e a sua publicação nos murais de cada escola. Ou seja, não havia decisão discricionária de cada direção escolar em definir o seu próprio cardápio! A padronização dava governança pública e interna, e favorecia em muito na busca da qualidade e logicamente, para diferenciar os bons exemplos dos maus exemplos e toda essa rotina, foi colocada seu procedimento divulgado no Diário Oficial, tornando elemento de acompanhamento pelas diversas Diretorias Regionais da SEEDUC e obviamente por todos alunos e pais que vibravam com essa nova metodologia até então inexistente.

3- DESCENTRALIZAÇÃO:

Talvez o maior erro na preparação de qualquer merenda escolar seja a sua compra centralizada de insumos ou até de preparação. O capricho dado por cada direção escolar e a preparação in loco é fundamental, não só para obter os menores preços, mas para evitar eventuais picaretagens que acontecem normalmente nas compras de merendas de forma centralizada. Essa metodologia comprometeu cada direção escolar na compra de insumos e na escolha da melhor qualidade do seu insumo e o relacionamento com fornecedores locais ou regionais, o que inclusive amplia o espectro econômico desse ganho.

4- ECONOMICIDADE:

A descentralização para a escola dos cardápios e também a compra direta de insumos por cada escola obviamente tinham que ter uma referência para que se garantisse economicidade e reduzisse a probabilidade de eventuais desvios. Foi adotado um sistema de Tabelas de Preços de Insumos padrão, que são publicados por pesquisa da FGV com preços teto (Cap Price) para que cada insumo só pudesse ser adquirido até o limite do valor da tabela.

Obviamente também só elaborávamos cardápios com insumos que estivessem na tabela FGV e nunca permitindo colocar insumos de outras fontes, o que aliás acaba sendo uma grande metodologia de desvio de recursos. Essa compra, além de ser acompanhada pelas Diretorias Regionais da Secretaria, tinha que ter a publicação de todas as notas e valores de compras também em murais das escolas, com isso demonstrando a governança, a compra dos insumos para toda a comunidade escolar envolvendo a Direção Escolar e, diante da elevada dispersão de fornecedores, reduzindo a probabilidade de eventuais desvios que podem acontecer.

5- CONTROLE DOS INSUMOS RECEBIDOS:

Todas as escolas tiveram que comprar suas balanças para verificar o peso do que era contratado com o recebido para isso passamos recursos para que elas tivessem um elemento concreto de controle. Pasmem! 80% das Unidades Escolares que adquiriam ou que recebiam sua merenda escolar, sequer possuíam balança para aferir o recebimento dos produtos, ensejando a possibilidade de desvios por fornecedores pilantras com o quantitativo abaixo do prometido, aliás, acredito que esse é um problema que acontece em muitas redes públicas.

6- REFORMA DE COZINHAS E REFEITÓRIOS:

Repassamos para todas as escolas recursos financeiros para que as próprias Unidades Escolares pudessem fazer reformas em suas cozinhas e obter novos utensílios e panelas, com isso aumentou-se dignidade dos alunos, das merendeiras (preparadoras das refeições) e de todos os profissionais que ali trabalhavam. Essas reformas eram acompanhadas pelas Diretorias Regionais da SEEDUC e contratadas pelo próprio Diretor da escola. Muitas escolas hoje têm seus refeitórios e cozinhas num padrão que se vê em poucos restaurantes de regiões centralizadas. Esse processo acabou sendo uma saudável competição de arquitetura local e de beleza de cozinhas e refeitórios dentro das redes escolares.

7- ELIMINAÇÃO DA CHAMADA MERENDA FRIA:

Um dos problemas que acontecia em dezenas de escolas da Rede Pública Estadual era o serviço da chamada “merenda fria”, ou seja, ao invés de fabricar a merenda quente na cozinha, eram compradas as comidas já empacotadas (biscoitos, frutas, suquinhos), que além de ter um sabor inadequado, muitas vezes não eram tão saudáveis. Fizemos acordos em escolas compartilhadas com as Prefeituras para o uso das cozinhas e praticamente eliminamos a merenda fria. Isso é sentido em muitas escolas e outro dia recebi um depoimento muito interessante do Professor de matemática Fabiano Raposo que atua numa escola compartilhada na Ilha do Governador, Leonel Azevedo, sobre o que mudou na merenda escolar a partir dessa decisão.

8- FIM DAS CANTINAS PRIVADAS:

Normalmente muitas dessas cantinas privadas faziam uma competição com a oferta de merenda escolar, com produtos não saudáveis e sem qualquer controle da vigilância sanitária. Praticamente eliminamos todas as cantinas privadas das escolas, até porque se a Rede Pública oferece merenda com qualidade não é necessário ter cantina privada.

9- UTILIZAÇÃO DE UTENSÍLIOS COM DIGNIDADE:

Acabamos com o absurdo que encontrei em muitas escolas que eram alunos tendo suas merendas sendo servidas em bandejas metálicas, tipo aquelas que se veem em filmes de presídios. Também acabamos com os copos de plásticos laváveis. Todos os serviços de merenda obrigatoriamente tinham que ser servidos em pratos e canecas de louças, aliás como é consumido em qualquer restaurante. Inaceitável que as pessoas tenham que usar bandejas de metal, que aliás usei muito no antigo Bandejão da UFRJ, na minha época de universitário e quando sempre considerei essa situação decrépita.

10- ELIMINAÇÃO DO CHAMADO DESVIO FUNCIONAL DE MERENDEIRAS:

Adotamos uma postura rígida que as merendeiras teriam que ser pessoas qualificadas e treinadas, a maioria em contratos terceirizados, porém devidamente focados na atividade de preparar a merenda e, portanto, sendo contratados para esse fim e não utilizados para outras funções. A valorização da chamada “tia”, mantendo as antigas e conhecidas pelos alunos, foi fundamental para garantir a merenda escolar e elas tiveram um esforço muito grande no aprendizado do novo cardápio, praticamente todas adoraram a nova metodologia.

11- REPASSE DE RECURSOS PARA A DIREÇÃO ESCOLAR PREPARAR A MERENDA EM CRITÉRIOS PER CAPITA ALUNO:

A partir do chamado Censo Escolar por total controle do sistema interno da Secretaria (SEEDUC) tínhamos um cálculo aproximado do valor a ser repassado para cada escola que era feito de maneira per capita em função do número de refeições que se esperava daquela unidade e do valor que calculávamos para repasse. Sempre lembrando que a contribuição que vinha do Governo Federal (PNAE) para compor essa merenda era extremamente pequena diante do gasto realizado, pela SEEDUC, pois desenvolvemos a meta de ter uma merenda de qualidade, o que era atestado pelos Conselhos de Alimentação Escolar com multiparticipação inclusive de agentes externos que teve nesse período.

12- IMPLEMENTAÇÃO DE UMA OFERTA MÚLTIPLA DE REFEIÇÕES AO LONGO DA JORNADA ESCOLAR:

Tínhamos normalmente 3 momentos de alimentação para as escolas que funcionavam em regime parcial. Nas escolas de regime integral eram 5 refeições onde praticamente todas as modalidades tinham café da manhã na chegada e logicamente a refeição principal que era o almoço ou janta. Com isso o aluno já iniciava sua jornada escolar devidamente alimentado.

Esse conjunto de 12 sugestões é apenas um case apresentado pela Secretaria Estadual de Educação na época em que estive a frente da Pasta, o que aliás fez com que os próprios técnicos da Controladoria Geral da União, quando consolidaram, os resultados, não acreditassem no tamanho nível de aceitação e foram até nós entrevistar para verificar o que tínhamos implementado de diferente e consideraram uma grande referência e “padrão Master Chef” da merenda escolar brasileira.

Não podemos deixar de considerar que o combate da evasão escolar envolve uma série de outras implementações. A merenda não é o único elemento para retermos o aluno nas suas atividades escolares com rendimento dentro da qualidade, porém, certamente todas as outras medidas, incluindo as do campo pedagógico, não surtem efeito se não tivermos uma merenda de qualidade!

Por último, pude constatar mais uma vez in loco, quando estive na semana passada, a convite do atual Secretário de Educação do Estado nas instalações de uma escola com um novo modelo chamado E-TECH, na cidade de Belford Roxo no Ciep João Saldanha, quando na ocasião, um dos Professores que é Diretor Adjunto foi aclamado, pois em seu discurso disse que em breve aguardaria os alunos na escola que tem o melhor estrogonofe da região e a vibração dos alunos foi total!! Chamei o Professor e falei: “Esse estrogonofe é da minha receita e independentemente da grafia dele, ou “abrasileirada” ou de forma russa realmente me emocionou, pois mexeu com o estômago e com o coração da garotada“!!

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