Recentemente, surgiu a informação de que a nova Direção da LIESA estaria buscando transformar os desfiles do Sambódromo da Marquês de Sapucaí, do principal Grupo (especial) de 2 para 3 dias. Considero essa mudança bastante positiva; no passado, escrevi diversos artigos incentivando essa mudança, mas levanta o questionamento se essa medida será boa ou apenas mais ou menos.
As Escolas de Samba do Rio de Janeiro desempenham um grande papel social e cultural que vai muito além dos desfiles no Carnaval e é transmitido para o Brasil e para o mundo. Elas funcionam como centros culturais e de lazer para muitas comunidades, não apenas da Capital, mas de toda a região metropolitana, e sempre tiveram nos desfiles no Sambódromo seu ápice de funcionamento.
O fato é que, com o crescimento do poder econômico de muitas escolas da própria região metropolitana, como Baixada, São Gonçalo e Niterói, muitas das escolas tradicionais do Rio acabaram sendo rebaixadas para os grupos de acesso (Série Ouro), saindo da grade de transmissão da maior rede de TV (Globo) e, com isso, estão progressivamente definhando. Agremiações tradicionais estão perdendo esse papel importante, que vai além do desfile.
É muito difícil competir com a oferta de recursos, muitas vezes provenientes de patronos, sejam da contravenção ou não, ou da própria atividade de marketing. O limite de apenas 12 Escolas desfilando atualmente em dois dias tende a afastar cada vez mais, especialmente o Grupo Especial organizado pela LIESA, com doze Escolas, e o Grupo de Acesso (Série Ouro) com dezesseis Escolas organizadas pela LIGA RJ.
Quem não se lembra de escolas que hoje sequer estão no grupo de acesso, mas que no passado tiveram carnavais épicos, como a Caprichosos de Pilares e Em Cima da Hora, inclusive com desfiles e sambas que marcaram a história do nosso carnaval.
Já escolas como União da Ilha, que é praticamente a segunda Escola de coração de todos os Cariocas, origem dos mais famosos sambas enredos que tivemos, e a Império Serrano, que também é uma das Escolas mais tradicionais do Rio de Janeiro, além de São Clemente, Império da Tijuca, Estácio de Sá, Acadêmicos do Cubango, Unidos da Ponte, Arranco, Lins Imperial, Unidos de Lucas, Acadêmicos da Rocinha, Inocentes de Belford Roxo, entre outras das chamadas “Escolas Raízes”, dificilmente conseguirão ter resiliência e capacidade para sobreviver dentro de um modelo que concentra apenas 12 escolas no Grupo Especial, e em um ciclo em que são cada vez mais fortalecidas financeiramente.
A ampliação de dois para três dias de desfile no Sambódromo da Marquês de Sapucaí é uma mudança lógica, com grande ganho para o turismo, pois podemos dispersar aqueles que estão interessados em assistir os desfiles de maneira menos cansativa e aproveitar todo o investimento já feito para a montagem das instalações do Sambódromo e de credenciamento, basicamente demandando um custo marginal operacional, tendo em vista que todo o investimento de preparação, montagem e decoração já é feito e amortizado para os dois dias com o desfile das campeãs. Ou seja, ganharíamos mais um dia de espetáculo principal para a transmissão, reduzindo o conflito com a grade de transmissão da TV aberta (novela) atualmente impactada e espremida pelas 6 escolas. Ao mesmo tempo, essa ampliação de um dia permitirá oferecer pacotes mais amplos para aqueles que operam camarotes e as empresas de turismo.
O que se esperaria, porém, de maneira bastante óbvia, é que a modificação para três dias, saindo de seis escolas por dia, permitisse, via entendimento conjunto entre a Prefeitura, a LIESA e a empresa de TV, ampliar o número de escolas no Grupo Especial para 15, ou seja, desfilando 5 agremiações por cada um dos três dias.
Sobre isso, ainda tenho esperança da sensibilidade da ação do Prefeito Eduardo Paes com o tema, para que aproveitasse essa mudança no número de desfiles e como dito, ao invés de termos quatro escolas por dia, tivéssemos cinco escolas por dia. Dessa forma, permitindo mais três escolas que hoje estão na Série Ouro a terem a possibilidade de subir.
Essa mudança oxigenaria mais o nosso Carnaval, especialmente na Capital, tornando muito mais dinâmicos e agradáveis os ensaios de Escolas de Samba que perdem o brilho potencial por não estarem aptos a uma disputa na série de maior visibilidade.
Não podemos perder a oportunidade de quebrar esses paradigmas com a nova Direção da LIESA, já que seria muito ruim não buscar mudanças por pura adaptação da grade de transmissão da TV e uma visão radical de rateio de cotas, mesmo que para compensar se criem cachês diferenciados para as agremiações que subam.
O ganho em externalidades, mantendo ativas essas escolas, será fantástico e permitirá a sobrevivência e longevidade dessas agremiações tradicionais que, atualmente, quando caem, têm extrema dificuldade de retornar ao Grupo Especial.
Destaco que em São Paulo, onde buscam fortalecer o Carnaval, fazem os desfiles em dois dias, no Sambódromo do Anhembi, sendo sete Escolas em cada dia e, logicamente, mesmo sem a tradição dos desfiles do Rio, os paulistas buscam ampliar o número de participações de suas Escolas na grade da TV, que, aliás, entra na grade da TV Aberta de nosso Estado do Rio de Janeiro sem qualquer atratividade local. Ou seja, colocamos, de forma compulsória, as escolas de Tatuapé, Vila Matilde ou até dos Clubes de Futebol Paulistas na TV Aberta de Cariocas, através da principal emissora local, em detrimento das escolas como Império Serrano, a União da Ilha do Governador, São Clemente e Estácio de Sá, em uma surreal punhalada em nossas tradições locais do samba.
Esse é um tema para um bom debate envolvendo toda a comunidade do samba, sob condução de duas ligas distintas (LIESA e LIGA RJ), como se fossem duas castas, mas que devem pensar no enredo maior da sobrevivência de nossas escolas, como clamam no refrão “Não deixe o Samba Morrer, não deixe o Samba Acabar”.