Wagner Victer: ‘O Sétimo Selo’ e os dilemas da Covid-19

Colunista do DIÁRIO DO RIO traça um paralelo entre o icônico filme de 1956 e o período da pandemia

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Cena de ''O Sétimo Selo'' - Foto: Reprodução

Um dos hábitos que desenvolvi durante o período da pandemia foi assistir clássicos do cinema – muitas vezes esquecidos pelas novas gerações – com meu filho Francisco. Um deles, nos leva a um paralelo e à reflexão com o que aconteceu durante a crise da Covid-19, com hospitais superlotados, onde milhares de pessoas morreram e, muitas vezes, o processo da decisão de vida ou morte nas mãos dos profissionais de saúde em um dilema profundo que certamente se tornou um carma para muitos que vivenciaram esse processo.

A análise e paralelo a tragédia que vivenciamos poucos anos atrás se faz a partir de um dos mais célebres filmes da história do cinema, filmado em preto e branco em 1956, que é o clássico sueco ”O Sétimo Selo” (Det sjunde inseglet), escrito e dirigido por Ingmar Bergman, baseado em uma peça de teatro de autoria desse mesmo icônico diretor e mestre da fotografia.

O filme, que se passa dentro de um cenário obscuro e apocalíptico da Idade Média, no período da Peste Negra, traça uma série de perguntas filosóficas sobre a natureza da vida e da morte, tendo sido lançado após os traumas que surgiram após a Segunda Guerra Mundial e da bomba atômica, desenhando um paralelo entre a vida do europeu contemporâneo com o da época.

Dentro de um cenário belíssimo, a cena mais emblemática ocorre com um cavaleiro retornando dos horrores da cruzada com seu fiel escudeiro, remetendo às imagens de Dom Quixote, com o fantástico momento em que o cavaleiro, devidamente representado por Max von Sydow, tenta enganar a morte, desafiando-a para um jogo de xadrez pela sua vida.

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Em nossos tempos, observamos de forma bastante macabra no país o procedimento em muitas unidades de saúde do país da adoção do chamado ”Protocolo da Morte”, que orientava como médicos deveriam proceder diante da falta de aparelhos como respiradores e de insumos como oxigênio para uma eventual escolha entre a vida e a morte.

Não foi meramente um ato de ”brincar de ser Deus”, mas sim uma situação onde muitos profissionais com esforços sobrehumanos tentavam enganar a morte, como tentou fazer o Cavaleiro no Sétimo Selo.

É óbvio que a forma de agir do médico ou profissional da saúde em uma estrutura deveria seguir protocolos de atendimento e, diante das restrições, fazer ações que fossem decisivas, até dentro de um grave princípio de razoabilidade. Porém, estabelecer, como divulgado à época, níveis de pontuação, como se fossem aqueles famosos ”quiz de internet”, foi algo que chegou a chocar muitas pessoas e com certeza provocou náuseas, especialmente àqueles que tinham seus idosos queridos que podiam ser eventualmente submetidos a esses checklists com ”24 pontos” que, tal qual no célebre filme, não existiriam em um cenário normal, mas que eram naturalmente definidos para enfrentar o chamado ”destino certo da vida”.

Nem Ingmar Bergman, no Sétimo Selo, teve a coragem e a ousadia de chocar tanto enganando a morte no seu jogo de xadrez, pois ela ao fim sempre prospera em relação a todas as artimanhas sórdidas criadas pelos seres humanos e que passado a crise no Brasil muitos de nos sequer ainda acreditamos que aconteceu .

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