A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor!
Em 1864, no Recife, o poeta Castro Alves escrevia este poema, enquanto a praça brasileira, nesta segunda metade dos oitocentos, adquiria outro significado e configuração, diante do fenômeno crescente da urbanização. Este espaço, outrora vazio de equipamentos, com raras exceções, tornava-se ambiente de lazer.
Afinal, a urbe ganhava outros matizes além de território do trabalho, espaço masculino pela sua natureza que, pouco a pouco, recebia a presença feminina.
No Rio de Janeiro Imperial, dois parques, projetados pelo botânico francês Glaziou, foram implantados no perímetro urbano: a reforma do Passeio Público (1862) e o Campo de Santana (1873), ambos cenários da literatura romântica ou realista.
Durante o período colonial, as praças eram grandes áreas abertas, a maioria sem arborização ou delimitações, providas de dois edifícios fundamentais para a vida urbana: a Igreja Matriz, representando o poder religioso e a Casa de Câmara e Cadeia, o poder público. Ali a população recebia os avisos e participava de alguns eventos e celebrações religiosas.
Com o adensamento das vilas e cidades, aquela praça incorporava alguns equipamentos, como chafarizes para abastecimento de água. Ao longo do século XIX, dependendo as condições econômicas locais, algumas reformaram aquele espaço público com tratamento paisagístico, incluindo bancos, falsas grutas, quiosques e coretos.
Segundo a tradição, este último elemento surgira no Oriente, trazido para Europa durante as grandes viagens e consolidado a partir do século XVIII, principalmente na Inglaterra, com seus pitorescos jardins românticos.
Com os movimentos populares revolucionários, serviu como palanque para oradores, apresentações teatrais e musicais, democratizando estas atividades nas praças europeias, recebendo denominações diversas como kiosque à musique, na França, bandstand, na Inglaterra, ou simplesmente coreto, conforme expresso no Dicionário Prático Ilustrado português, definido como “uma espécie de coro construído ao ar livre para concertos musicais”. Seu formato circular ou poligonal, implantando nos centros daqueles logradouros, permitia a assistência por um público mais amplo.
No Brasil, este singelo elemento arquitetônico tornou-se, em breve tempo, muito além de um marco decorativo, pois abrigaria os concertos das bandas locais, discursos políticos, teatro de marionetes e fonte de notícias.
Com a Revolução Industrial e a produção de elementos metálicos pré-fabricados, foi possível a importação de coretos de catálogo que passaram a ocupar o coração das praças brasileiras, tornando-se verdadeiro marco cultural na memória afetiva de gerações. Testemunharam passeios às noites de sábado ou tardes de domingo, imagens que ainda povoam o imaginário resgatando um outro tempo, impregnado de romantismo e alguma inocência.
A cidade do Rio de Janeiro foi cenário para implantação de diversos coretos, distribuídos por diferentes bairros, desde o final do século XIX até a década de 1950, quando a diversificação de atividades de lazer, como a chegada da televisão ou as reformas urbanas, com algumas “reurbanizações” de praças, levaram ao abandono tal equipamento, muitos deles removidos ou relocados. O site “As histórias dos monumentos do Rio”, em texto de Vera Dias, apresenta uma grande contribuição sobre estes singulares monumentos cariocas.
Possivelmente, os primeiros coretos da cidade foram utilizados durante a implantação ou reforma dos parques urbanos, como o Passeio Público, que recebeu um novo traçado, projetado por Glaziou, influenciado pelo paisagismo inglês. Esta linguagem, muito comum desde as últimas décadas dos setecentos na Europa, procurava reproduzir artificialmente elementos da natureza, como lagos, ilhotas, grutas, pontes, quiosques e coretos, com troncos de argamassa armada e rochas construídas com pedras menores, cascalhos, esculpidos em seus revestimentos.
Com a República sediada no Rio-Distrito Federal, a cidade procurava se apresentar com uma moderna capital, à feição de suas pares europeias. Os primeiros anos do século XX testemunhou grandes reformas urbanas, principalmente aquelas implementadas pelo prefeito Pereira Passos, abrindo vias, demolindo ruas e morros, ajardinando praças, implantando coretos, como aquele na Praça XV de Novembro, inaugurado em 1903, décadas depois transferido para Sepetiba.
Além deste, o período Passos foi responsável pela construção de outros, como na Praça Afonso de Viseu, no Alto da Boa Vista, substituído por um chafariz, projeto de Grandjean de Montigny, originalmente na Praça Onze. Bem próximo dali está o mirante da Vista Chinesa, uma espécie de coreto edificado em estrutura metálica com recobrimento de argamassa imitando peças de bambu, ambos também de 1903. Ainda na gestão Passos, houve a inauguração do maior coreto da cidade, no Campo de São Cristóvão, composto de embasamento em alvenaria, pilaretes metálicos e cobertura em folha de Flandres, à feição de pavilhões orientais, que resistiu ao tempo.
A crescente urbanização e a busca da modernidade foram responsáveis pela descaracterização de muitos logradouros da cidade, sem apresentar uma solução adequada e sustentável. Por todo o Brasil, com a propaganda de “um país que vai pra frente” da década de 1970, praças tiveram sua fisionomia transfigurada, coretos arrancados, trocados por chafarizes coloridos ou com águas dançantes, pois aquele elemento estava associado ao atraso do local e o progresso tornava-se meta de governantes, muitos indicados de forma indireta, sem eleições.
O Rio de Janeiro assistiu à demolição ou relocação de muitos equipamentos, coretos e chafarizes, retirados de seus locais originais e transferidos para ambientes sem a devida associação com entorno imediato.
Ainda é possível visitar alguns exemplares como na Praça Catolé da Rocha, em Vigário Geral, trazido da Praça Saens Pena, ou na Praça Quintino Bocaiuva, ambos com estrutura e cobertura metálicas.
Segundo Vera Dias, nas décadas seguintes, entre 1910 e 1930, foram inaugurados o coreto do Jardim do Méier, projeto de Pedro Viana da Silva, partido também utilizado na Praça Barão da Taquara, na Praça Seca e no patamar de acesso ao Santuário da Penha, todos de estrutura de madeira, cobertura poligonal e piso de ladrilhos hidráulicos.
Provavelmente, a partir do término da Segunda Guerra, este elemento perdeu, pouco a pouco, sua importância e significado. O Rio crescia vertiginosamente, diminuía o tempo de contemplação dos próprios bairros, diversificavam-se as atrações e, assim como em muitas cidades interioranas, este equipamento ficava esquecido, não mais representando o coração das cidades nem palco para as antigas bandas, que o progresso colocou em planos secundários, apesar das liras destacadas como ornamentos em diversas coberturas.
O poder público, apenas na década de 1980, quando se acumulavam perdas irreparáveis, aprovou o tombamento estadual de alguns remanescentes. No entanto, como expressam as cartas patrimoniais, é função útil à sociedade o principal instrumento de preservação.
A recuperação do uso dos coretos, assim como a reocupação da Praça pelo povo é um exercício diário de cidadania que não devemos abdicar.
Afinal, a praça é do povo… e os coretos também!