William Bittar: Devoção, culto e a demolição da antiga igreja de São Pedro dos Clérigos no Rio de Janeiro

A principal igreja construída em devoção ao santo era São Pedro dos Clérigos, localizada na esquina das ruas São Pedro e Ourives, posteriormente Rua Miguel Couto, no Centro do Rio

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São Pedro do Mar, na Urca. Acervo Particular

As homenagens à tríade junina se encerram com a festa de São Pedro, no dia 29 de junho, quando ocorre uma das mais importantes celebrações do calendário litúrgico, introduzida no século II, evocando os martírios de São Pedro, crucificado em 64 d.C. e São Paulo, decapitado em 67 d.C.

Assim como outras festas católicas, é possível a consagração da data para substituir antigos festejos pagãos em honra a Rômulo e Remo, os fundadores de Roma, ou rituais comemorativos da fertilidade da terra durante o solstício de verão europeu.

Mesmo dedicada aos dois santos associados às origens da Igreja Católica, há um destaque especial para São Pedro, considerado o Primeiro Papa e aquele que mais tempo permaneceu com este título, tornando a data também o Dia do Papa.

Segundo o evangelho de Mateus, Simão exercia seu trabalho de pescador com seu irmão André quando encontrou Jesus que, caminhando ao longo do mar da Galileia, lhes convidou: “Vinde comigo e vos farei pescadores de homens.”  Segundo o evangelista João, Jesus, chegando a Cesareia, disse a Simão: “Eu declaro tu és Pedro, serás chamado Cefas (que quer dizer pedra), e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.  E completou, segundo Mateus: “Te darei as chaves do Reino dos céus!”, conferindo a importância e os atributos do apóstolo, além das lendas associadas ao episódio.

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Após a crucificação, Pedro liderou a Igreja durante trinta e dois anos.  Preso, foi juntamente com Paulo condenado à morte.  Julgando-se indigno de morrer como seu Mestre, insistiu para que fosse crucificado de cabeça para baixo, em 29 de junho de 67, segundo o calendário gregoriano.

O Apóstolo foi sepultado no local onde existe uma cripta na basílica de São Pedro, no Vaticano, palco dos principais eventos que assinalam o Dia do Papa, uma das principais celebrações da Igreja Católica.

A devoção difundiu-se por toda a Europa, chegando a Portugal, que, depois de Santo Antônio, considera São Pedro um de seus santos mais queridos, promovendo, em algumas regiões pesqueiras, grandes festas que atingem seu ápice na noite de 28 para 29 de junho.

No Brasil, o culto ao santo existe desde o período colonial, com a construção de pequenas ermidas em diversas vilas do território, algumas posteriormente transformadas em grandes e ornamentados templos, incorporando o repertório barroco.

Em Salvador, primeira capital, São Pedro é padroeiro dos viúvos, dos pescadores e dos comerciantes, contando com sua igreja secular localizada no Centro histórico, além de procissão de barcos.

Na cidade do Rio de Janeiro, existem 31 locais de culto ao santo, sendo apenas cinco paróquias dedicadas a São Pedro Apóstolo, todas consagradas no século XX, distribuídas por diversos bairros, exceto pela zona sul. No entanto, na Urca existe uma imagem de São Pedro do Mar, projetada em 1959 pelo artista Edgar Duvivier, em frente à igreja de Nossa Senhora do Brasil, que é um marco cultural da região, recolocada recentemente em seu pedestal, após sua restauração.

A principal igreja construída para esta devoção era São Pedro dos Clérigos, notável e singular edifício colonial, de concepção barroca, localizada na esquina das ruas São Pedro e Ourives, posteriormente Rua Miguel Couto, no Centro do Rio.

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Igreja São Pedro dos Clérigos, Rio de Janeiro, demolida em 1944.

Arquivo Nacional

Este templo, um dos primeiros do Brasil para este culto, foi edificado pela Irmandade de São Pedro dos Clérigos na primeira metade do século XVIII adotando um partido diferenciado em relação à maioria das igrejas coloniais de influência lusitana, com seus salões retangulares.

Com inspiração em alguns modelos italianos, como a igreja de São Carlos das Quatro Fontes, em Roma, projetada por Borromini, adotou uma planta curvilínea, que se refletia em suas torres e fachadas, presente em outros poucos exemplares no Brasil como Nossa Senhora do Rosário, em Ouro Preto, São Pedro dos Clérigos, em Mariana, ambas em Minas Gerais ou na igreja da Lapa dos Mercadores, no Rio de Janeiro, recentemente recuperada e reaberta ao público e fiéis, conforme matéria deste Diário.

Internamente, a nave era revestida por talha dourada atribuída ao Mestre Valentim e encimada por uma cúpula ornamentada por anjos e querubins, que proporcionava iluminação zenital. O altar-mor contava com uma imagem portuguesa do orago, transladada para a igreja São Pedro Príncipe dos Apóstolos, no Rio Comprido.

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Nave Principal e Coro de São Pedro do Clérigos, Rio de Janeiro

Arquivo IPHAN

O templo, de notável arquitetura e elementos artísticos, foi tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em suas primeiras listagens, mas não resistiu à avalanche reformista do Estado Novo. Foi demolido para abertura da Avenida Presidente Vargas, em 1944, junto a outras tantas edificações de importância cultural.

Necessário registrar que houve um projeto para deslocamento do edifício sobre rolos de concreto, afastando-o da área de demolição, conforme algumas iniciativas europeias. No entanto, devido aos riscos de desmoronamento durante o processo de movimentação e aos altos custos, decidiu-se pela demolição sumária e transferência de seu acervo para outras igrejas ou museus.

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Diário da Noite, 01 de dezembro de 1943

Após a demolição, em substituição ao notável edifício colonial, a Irmandade de São Pedro, provisoriamente estabelecida na Igreja da Misericórdia, reformou e ampliou a antiga capela do Seminário do Rio Comprido, transformando-a na igreja da Venerável Irmandade do Príncipe dos Apóstolos São Pedro, consagrada em 21 de janeiro de 1952 pelo Cardeal D. Jaime Câmara.

O novo templo, ainda que construído na segunda metade do século XX, mantém elementos tradicionais em sua fachada, como as torres simétricas, uma rosácea sob frontão debruado e uma grande cúpula, com influência tardia da arquitetura bizantina, semelhante à igreja dos Capuchinhos, que fica a menos de um quilômetro, construída nos anos 1930.

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Igreja São Pedro Príncipe dos Apóstolos, Rio Comprido

Bilhete Postal

Entre as igrejas mais antigas, destaca-se também a pequena ermida consagrada a São Pedro Apóstolo do Encantado, fundada em 1934, onde são realizadas as tradicionais festas dedicadas ao “porteiro do céu” ou ainda, o responsável pelas chuvas, – “é mentira!” – , geralmente ausentes no mês de junho, permitindo o crepitar das fogueiras onde estala o milho assando na brasa, o cheiro da batata doce invade o ar, disputando com os diversos perfumes presentes nas quadrilhas das noites de nossas lembranças, iluminadas pelas rodinhas, estrelinhas e lágrimas de prata.

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.
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