Nas últimas semanas, os órgãos de imprensa vêm publicando matérias sobre a possível recuperação de uma famosa ruína turística da cidade do Rio de Janeiro, como o Diário do Rio em em 11 de julho de 2023.
Curiosamente, não se trata de uma edificação antiga, um exemplar notável do período colonial, mas uma obra produzida quando a arquitetura moderna brasileira ganhava prestígio internacional, através de profissionais como Lucio Costa, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira e Oscar Niemeyer que, coincidentemente, projetou e construiu sua própria residência na mesma época e na mesma estrada do Gávea Tourist Hotel, como o empreendimento foi denominado desde seu lançamento, no início da década de 1950.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a arquitetura moderna brasileira iniciou uma trajetória vitoriosa, produzindo obras como a Cidade Universitária da Ilha do Fundão, que incluía o premiado edifício para a Faculdade Nacional de Arquitetura, o Museu de Arte Moderna, o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra, o conjunto habitacional do Pedregulho, o Hospital dos Bancários, depois conhecido como da Lagoa, plasticamente muito semelhante ao hotel, seu contemporâneo, além de outros marcos internacionais.
Com o incentivo para a indústria automobilística, a malha rodoviária se expandia, atingindo pontos pouco acessíveis anteriormente, como São Conrado, que a crônica carioca considerava um local para encontros mais discretos, em suas barracas que ofereciam milho cozinho ou camarão no espeto. A praia era praticamente deserta, limítrofe do Gávea Golf Club, com seu extenso muro de pedra e o pequeno hotel Recreio, antes das obras para o Hotel Nacional e ocupação daquela orla.
Na área mais habitada, no acesso para a da estrada das Canoas, nos anos 1960 surgiu o Bar Bem, ponto de encontro de jovens, que resistiu até a década de 1970, acompanhado por outros bares e boates.
Subindo a estrada, chegava-se à residência Niemeyer, projetada em 1951. Mais adiante, em 1953 seria lançado um novo e revolucionário empreendimento, conforme a farta propaganda na imprensa anunciava: o Gávea Tourist Hotel, oferecendo cotas de participação para os interessados pela Companhia Califórnia de Investimentos.
Propaganda na imprensa para estimular a venda de cotas, 1956
O projeto, desenvolvido pelo arquiteto Décio da Silva Pacheco, adotava os princípios da arquitetura moderna, como planta sobre pilotis, pavimento livre, terraço ocupado, muito semelhante a edifícios afins contemporâneos, como o edifício para a Faculdade Nacional de Arquitetura, na Ilha do Fundão ou o Hospital dos Marítimos, na Lagoa.
Os pilotis adotavam colunas em “V”, outro elemento usual na produção daquela década, inclusive em edifícios residenciais, sob um prisma vertical de 15 pavimentos, com rígida ortogonalidade.
A proposta era destinada a um público de alta renda, distribuído por 440 quartos, providos basicamente de saleta, bar, pequena cozinha e uma varanda voltada para o mar e um amplo programa de atendimento comum aos hóspedes com piscina, restaurante, teatro.
Folheto promocional / piscina com pilares em V
Acervo Particular
Em 1959, a imprensa noticiava que a estrutura estava pronta, onde foi colocado um letreiro luminoso com o nome do hotel, visto à distância, mas a inauguração era rotineiramente adiada. Em 1963, para justificar o empreendimento e aplacar a paciência dos investidores, foi inaugurada uma boate no 14º pavimento, Sky Terrasse, de vida curta, mas muito sucesso, inclusive abrigando uma famosa festa de réveillon em 1965, comemorando o quarto centenário do Rio.
Em 1969 foi anunciada a entrega dos primeiros apartamentos e a reabertura da boate, com projeto da arquiteta Eneida Palhano, mas pouco durou. A empresa responsável pelo empreendimento faliu na década seguinte, sem terminar a obra, restando apenas um “Hotel Esqueleto”, como passou a ser conhecido. https://diariodorio.com/historia-do-esqueleto-do-gavea-tourist-hotel-2/ em 28 de outubro de 2020.
Abandonada a estrutura no coração da floresta da Tijuca, sem vigilância, ocorreram saques de materiais e maquinário, restando um esqueleto que despertava a curiosidade de cariocas e turistas. Com o tempo, foi invadido, utilizado como locação ou de alguma aventura, mas aquela massa de concreto projetando sua silhueta rasgando o verde da mata, avistada da praia de São Conrado, continuava aguardando alguma utilização mais condizente com sua proposta original e localização privilegiada.
Material promocional publicado em periódicos de grande circulação
Pelas notícias mais recentes, que indicam a aprovação preliminar pelos órgãos competentes e avaliações do estado da ruína, é possível alguma notícia promissora em breve para uma cidade com o potencial turístico do Rio de Janeiro e sua paisagem privilegiada.
Material promocional / Bilhete postal