William Bittar: Igrejas católicas neocoloniais no Rio de Janeiro – parte 1/2

O professor William Bittar fala sobre o estilo neocolonial presente em várias importantes igrejas católicas do Rio de Janeiro, como a Nossa Senhora da Lampadosa

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Foto: Daniel Martins/DIÁRIO DO RIO

A cidade do Rio de Janeiro, devido às suas particularidades geográficas e políticas, capital nacional desde 1763 até a transferência para Brasília, abriga uma notável coleção arquitetônica com valores históricos, artísticos e culturais, composta de palácios, residências e templos religiosos.

Em relação às igrejas, exemplares de tipologias estilísticas diversas compõem um pródigo conjunto de diferentes tendências, percorrendo a história da arquitetura brasileira desde o período colonial até a contemporaneidade. Ali estão representados o maneirismo, barroco, rococó, neoclassicismo, historicismo, ecletismo, neocolonialismo, art-déco, modernismo e edificações mais recentes.

Por motivos diversos, existe uma predileção pelos templos mais antigos, testemunhas da formação inicial e desenvolvimento da cidade, com interiores profusamente ornamentados, trabalhos de importantes artistas ou até mesmo anônimos autores, representado o esplendor do barroco e rococó em terras cariocas.

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 Em relação ao ecletismo, só muito recentemente vem sendo valorizado e objeto de alguns artigos e documentação, apresentando a influência de estilos históricos, como o neogótico, presente em exemplares por toda a cidade.

Há uma lacuna em relação ao período referente ao movimento neocolonial, significativo na arquitetura nacional entre a década de 1910 e o final dos anos 1940.

Muitos integrantes da Academia insistem em colocá-lo à margem ou simplesmente integrá-lo, equivocadamente, ao ecletismo. Talvez seja um tributo a alguns profissionais que integravam o IPHAN, como o arquiteto Lucio Costa, que apresentava muitas restrições a edifícios com esse repertório, ainda que ele próprio fosse autor de alguns projetos com esta tipologia.

No entanto, o movimento se consolidou, se expandiu por todo o Brasil e apresentou princípios expressos em revistas e institutos de arquitetura, contando com o médico José Mariano Filho como patrono e principal incentivador.

Presente em diversos programas de arquitetura, se materializou em edifícios notáveis, como a antiga Escola Normal do Distrito Federal, depois Instituto de Educação, na Rua Mariz e Barros, o Hospital Gaffrée e Guinle, a sede do Clube de Regatas Vasco da Gama, entre outros. Sua obra-manifesto foi a própria residência Mariano Filho, o Solar de Monjope, localizado na Rua Jardim Botânico, demolido pela sanha da especulação imobiliária no início da década de 1970, com a complacência dos órgãos de preservação como o próprio IPHAN.

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Antiga Escola Normal do Distrito Federal, projetada em 1928 – Arquivo Nacional

O movimento defendia a utilização de referências da arquitetura colonial, mas não apenas em caráter ornamental. Em seus princípios, registrava a importância do clima, da cultura e das influências lusas, eventualmente acrescidas de elementos hispânicos, já que havia uma valorização panamericana das próprias raízes formadoras da América do Sul. 

Em relação à arquitetura religiosa, também se fez presente em alguns templos católicos distribuídos por toda a cidade, construídos a partir da década de 1930, aqui cronologicamente apresentados em duas partes, para não enfastiar o leitor.

Durante a urbanização que originou o bairro da Urca, os empresários responsáveis doaram um terreno na Avenida Portugal para construção de uma igreja dedicada a Santa Terezinha. Após algumas negociações com a Arquidiocese, este templo foi implantado no sopé do morro da Babilônia, na entrada para Copacabana e aquele pequeno terreno junto ao mar receberia uma igreja dedicada à Nossa Senhora do Brasil.

Curiosamente, esse culto originou-se em Nápoles, diante de uma imagem originária do Brasil, a Madonna del Brasile, presente na Igreja de Santo Efrém, a qual se atribuíram muitos milagres.

Em fevereiro de 1840, aquela igreja foi atingida por um grande incêndio, mas a imagem da Virgem escapou quase ilesa do sinistro, que apenas deixou algumas marcas no rosto do Menino Jesus, no colo da Madona. Diante do episódio e as narrativas de outros milagres, o Papa Gregório XVI sugeriu à diocese napolitana que a coroasse com o título de Nossa Senhora do Brasil, ainda na primeira metade dos oitocentos.

A igreja na Urca dedicada a esse culto, iniciada em 1930, provavelmente a primeira em território nacional, recebeu o projeto do arquiteto Frederico de Faro Filho, que adotou o partido neocolonial hispano-americano, inspirado em igrejas mexicanas coloniais, com grandes panos de alvenaria caiada, poucos vãos e beirais curtos.

O estreito terreno voltava-se para duas ruas e a fachada principal, fronteira ao mar, na Avenida Portugal, apresenta um embasamento em azulejos, com acesso térreo para um salão inicialmente conhecido como “cripta” dedicada a Santa Terezinha. Sobre esta base, dispõe-se uma dupla escadaria com volutas de clara influência barroca que atinge o pavimento onde se implanta a nave. A portada principal conta com uma ornamentação discreta, de influência hispânica, localizada em torno do vão que se estende até o discreto frontão triangular que arremata o pano da fachada, que inclui um óculo e uma seteira para iluminação do salão de culto, todos debruados com argamassa de pó-de-pedra, à feição de cantaria.

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Igreja de Nossa Senhora do BrasilArquivo Particular

Á direita da entrada, ergue-se a torre sineira única, de base quadrangular, arrematada por uma cimalha na mesma argamassa, que sustenta uma imagem da Virgem sob o carrilhão.

A nave conta com paredes lisas, alguns arcos com delicadas volutas, inspiradas nos interiores coloniais. A ornamentação é proporcionada pela coleção de vitrais coloridos nas laterais que fornecem luz e ventilação. Ao fundo da capela-mor existe um discreto retábulo em madeira escura onde está a imagem da padroeira.

William Bittar: Igrejas católicas neocoloniais no Rio de Janeiro – parte 1/2
Nave principal da Igreja Nossa Senhora do BrasilAcervo Particular

Em 17 de dezembro de 1933 a igreja foi inaugurada pelo Cardeal Leme, transformada em paróquia no ano seguinte.

Acrescentamos que um dos mais requisitados templos paulistanos para celebrações, geralmente frequentado pela elite da cidade, também é dedicado à Nossa Senhora do Brasil.

Foi projetado inicialmente pelo arquiteto George Pzryrembel, que integrou a mostra da Semana de Arte Moderna de 1922. No entanto, o edifício que foi construído, iniciado em 1942, recebeu o projeto de Bruno Simões Magro, com clara inspiração nas igrejas mineiras, de Ouro Preto ou São João del Rey, com algumas inserções historicistas estrangeiras, como o coroamento das torres.

Internamente apresenta uma colagem de referências na ornamentação, utilizando forro decorado, azulejaria nas paredes, uma capela-mor com pintura no teto abobadado antecedendo o altar que faz uma clara alusão aos retábulos barrocos coloniais.

Retornando ao Rio, o Centro da capital fluminense, próximo à Praça Tiradentes, a Igreja de Nossa Senhora da Lampadosa contou com seu templo originalmente construído em meados do século XVIII, por alguns membros originários da Irmandade do Rosário. É provável que a devoção se originou no culto a uma imagem da Virgem venerada na ilha italiana de Lampedusa, padroeira de cativos no mar.

Este modesto templo integraria o imaginário brasileiro por assistir aos últimos momentos do Tiradentes, antes de sua derradeira caminhada ao patíbulo, em suas imediações. O pequeno terreno ainda abrigava um modesto cemitério para os integrantes daquela confraria.

Ao longo do período imperial, houve muitas mudanças na constituição daquela Irmandade, que passou a receber figuras ilustres, como a Baronesa do Rio Bonito, Madame Durocher, responsável por serviços de parto na Corte, alguns artistas, devido à proximidade do Teatro São Pedro, como a esposa de João Caetano.

Passados quase dois séculos, a imprensa registrava que o edifício se mantinha com a mesma aparência, mas em plena utilização. Mesmo assim, ao final da década de 1920, a irmandade decidiu por sua demolição, substituindo-o por outro, projetado pelos arquitetos Paulo Candiota e Eduardo Sá, que optaram pelo repertório neocolonial luso-brasileiro.

A estreita fachada, voltada para avenida Passos nº 13, apresenta uma sucessão vertical de arcos com movimentado desenho, confeccionados em pó-de-pedra, inspirados nas igrejas conventuais nordestinas, contrastando com o branco do pano de fundo da alvenaria. Dois óculos simétricos e três seteiras centrais são utilizados para iluminação da nave. No eixo da composição, sobre a portada, está a imagem da Virgem com o Menino. Coroando a fachada, em seu eixo, dispõe-se uma sineira em um nicho sob pequeno dossel, com a mesma argamassa à feição de cantaria.

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Igreja Nossa Senhora da LampadosaFoto William Bittar

Internamente, a nave se apresenta como ornamentação muito simples, com alguns elementos dourados sobre fundo branco. O altar principal inclui um pequeno oratório de madeira escura onde está a padroeira, disposto num espaço curvilíneo, denominado abside.

A nova igreja, que incluiu um memorial para abrigar as ossadas retiradas durante as obras de reconstrução, foi inaugurada em 1934.

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Ossário da Lampadosa, onde repousam restos mortais de integrantes da IrmandadRevista da Semana, 11 setembro de 1937

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.
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