William Bittar – Monumento ao Trabalhador na cidade do Rio de Janeiro: uma efêmera presença

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre esculturas que representam o dia do trabalhador

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O Trabalhador, no Parque Municipal Palmir Silva, Niterói, RJ. Acervo particular.

O dia 1º de maio é dedicado internacionalmente aos trabalhadores desde o final do século XIX. Suas origens remontam a 1886, quando houve uma greve de operários em Chicago, reivindicando melhores condições e redução da jornada de trabalho, que poderia ultrapassar dezoito horas, em alguns casos.

As manifestações foram recebidas com truculência pelos órgãos de repressão, resultando em prisões e mortes de manifestantes. Era o início de outros tantos movimentos afins pelo mundo, que provocaram o surgimento de normas e leis para regulamentar as relações trabalhistas.

Em 1889, a Segunda Internacional Socialista, reunida em Paris, sugeriu uma manifestação anual pela jornada de oito horas diárias, que deveria ocorrer a cada 1º de maio, homenageando a luta e as vítimas de Chicago. 

No Brasil, após a Abolição, aumentou o fluxo migratório, trazendo europeus e muito do seu ideário socialista ou anarquista, com predomínio de italianos, que em curto tempo se transferiram da lavoura para as fábricas, principalmente em São Paulo, reforçando os sindicatos.

Diversos movimentos trabalhistas ocorreram nas duas primeiras décadas do século XX, incluindo uma Greve Geral, em 1917, nos ventos da Revolução Russa, fortalecendo a classe operária. Oito anos depois, durante o mandato de Arthur Bernardes, o dia 1º de maio foi declarado feriado dedicado ao trabalhador.

Com a Revolução de 1930 e a posse de Vargas, a data comemorativa, que era associada diretamente aos anarquistas e comunistas, foi habilmente apropriada pelo presidente, transformando-a em momento de celebração oficial, inclusive com a criação do Ministério do Trabalho, desde o início de seu governo.

Em 1º de maio eram anunciadas as medidas de benefício ao trabalhador, como o aumento do salário-mínimo, a criação da CLT, em 1943, grandes desfiles exaltando a figura pública de Getúlio, pronunciamentos em palanques ou em estádios lotados, como ocorria em São Januário, com apresentação de estudantes, corais e orquestras regidos pelo maestro Villa-Lobos.

Todas essas representações públicas, incluindo a construção de um edifício próprio para o Ministério, não se materializaram na execução de um monumento ao trabalho ou trabalhador no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, capital da República.

Apenas em 1950, durante a gestão do presidente eleito Eurico Gaspar Dutra, houve uma encomenda oficial ao artista Celso Antonio para execução de uma escultura, O Trabalhador, implantada diante do Ministério do Trabalho, na Esplanada do Castelo, inaugurada naquele 1º de maio.

A obra apresentava as características comuns a outros trabalhos do artista, que sempre procurou representar figuras impregnadas de brasilidade, como esculturas originalmente integradas ao edifício planejado para o Ministério da Educação e Saúde Pública, depois Palácio Capanema. O artista também foi autor da primeira proposta do “Homem Brasileiro”, que iria ocupar os jardins térreos daquele ministério.

Celso Antonio Silveira Menezes nasceu no Maranhão, em 1886, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1984. Era artista com formação acadêmica pela Escola Nacional de Belas Artes, além de estudos junto a Rodolfo Bernardelli, um dos mais importantes escultores do Brasil entre o final do século XIX e início do XX. 

Desde o início da carreira, procurou a representação do povo brasileiro em suas obras, como em “O Monumento ao Café”, em Campinas, SP, de 1927.

Com a implantação da reforma curricular na Escola Nacional de Belas Artes, em 1931, foi convidado por seu novo diretor, o arquiteto Lucio Costa, para lecionar a cadeira de Escultura. Ali estabeleceu contato com a geração modernista que iria revolucionar arte e arquitetura nacionais.

Após a posse de Getúlio Vargas e o início de grandes obras ministeriais, muitos artistas e arquitetos foram contratados para execução dos diversos projetos que se tornariam cenário do Estado Novo.

Celso Antonio participou dessa empreitada, atendendo a algumas encomendas oficiais, com destaque para aquelas que integrariam o novo edifício do Ministério de Educação e Saúde Pública, marco referencial da arquitetura e arte moderna nacionais. Para esse conjunto, a pedido de Gustavo Capanema, foram produzidas as esculturas Mulher Inclinada, Maternidade, Moça Ajoelhada e os bustos do próprio ministro e de Getúlio Vargas, conforme descrição da professora e arquiteta Sandra Branco, em seu livro Capanema Maru, abordado em matéria do Diário do Rio, em dezembro de 2021.

Durante o início dos trabalhos, Celso Antonio havia desenvolvido alguns estudos para a escultura “Homem brasileiro”, que seria implantada nos jardins térreos, presente inclusive em croquis de Le Corbusier. Mas a obra foi recusada e substituída pelo “Monumento à Juventude”, de Bruno Giorgi, por motivos jamais devidamente esclarecidos ou por mera decisão dos responsáveis.

Alguns anos depois, a “Maternidade” foi retirada de seu local original, no mezanino, e encaixotada.  Em 1968, foi cedida ao Estado da Guanabara e colocada em um jardim, na Praia de Botafogo, sem qualquer relação com a ambiência para qual foi idealizada.

Pela sua importância e qualidade artística, seria recomendável sua reintegração ao local original, protegida de vândalos, intempéries e, principalmente, recuperando sua relação com o espaço para o qual fora idealizada, sobre o núcleo da escada helicoidal monumental do Palácio Capanema.

Algo semelhante aconteceu com a escultura “O Trabalhador” que, logo após sua inauguração, sofreu uma feroz perseguição, inclusive por órgãos da imprensa, provocando sua retirada imediata.

O jornal “O Globo”, em sua edição de 03 de maio de 1950, estampava na primeira página, junto à imagem da retirada da escultura que, segundo a matéria, era uma peça de gesso que seria substituída por outra, em granito: “SUMIU O ESPANTALHO!”, acompanhada da legenda “O espantalho, já derrubado do pedestal, em que reinou e meteu medo durante 48 horas”.

No mesmo dia, a edição de “O Jornal” noticiava que “a irreverência do carioca encontrou no monumento ao trabalhador, inaugurado a 1º de maio e erigido em frente ao Ministério do Trabalho, um motivo de troça, cognominando-o  de ‘retrato de uma época’, ante o feio e carrancudo aspecto da figura ali simbolizada, vestindo apenas uma tanga.” No dia seguinte, este mesmo periódico comemorava, em sua primeira página, que “Não sobreviveu o monumento ao trabalhador à ironia popular”.

A escultura, com cerca de três metros de altura, representava o homem brasileiro, forte, lábios grossos, sem camisa, descalço e um pequeno avental sob o qual uma pequena barriga se pronunciava.

O próprio presidente Dutra, ao descerrar a cobertura, teria comentado: – Não gostei! abastecendo a fúria dos descontentes que sequer a associavam às representações consagradas de Portinari, Di Cavalcanti, Giorgi e suas próprias esculturas presentes no edifício do MESP, ali vizinho.

A estátua foi retirada do local, sob alegação que seria modificada e recolocada, o que jamais aconteceu, permanecendo por anos em um depósito.

Após quase um quarto de século esquecida, em 1974 foi doada à cidade de Niterói, RJ, e implantada em uma base de quatro degraus na Praça Enéas de Castro, no Barreto. 

Em 1983, a escultura foi transferida para o Parque Municipal Palmir Silva, também no mesmo bairro, onde foi apoiada em novo pedestal, devidamente identificada, diante da Biblioteca Monteiro Lobato.

Antes disso, em 1978, a Casa da Moeda cunhara uma medalha comemorativa do Dia do Trabalho com a imagem dessa escultura como efígie.

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Medalha Comemorativa do Dia do Trabalho, 1978

Acervo Particular

Nem mesmo o apreço de Getúlio Vargas pela classe trabalhadora foi suficiente para sustentar o monumento diante de seu Ministério, na então capital da República, que a ignorância condenou a um exílio cultural.

Enquanto isso, em diversas cidades do Brasil, o Dia do Trabalhador pode ser celebrado diante de notáveis monumentos, como os Candangos, de Giorgi, em Brasília, o Memorial 9 de novembro, em Volta Redonda, projetado por Niemeyer ou aquele, em Santo André, criado por Tomie Ohtake.

E a cidade do Rio de Janeiro poderá contemplar seu próprio monumento original em Niterói.

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

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