A cultura urbana contemporânea oferece o Natal como peça publicitária. Árvores monumentais são distribuídas por pontos estratégicos da cidade, atraindo consumidores mais do que admiradores. São espetáculos de luz e som que agem como os antigos encantadores, ocultando a beleza natural.
Migração em massa de curiosos, engarrafamentos, falta de estacionamento, festival de comidas, ambulantes, além dos problemas de segurança num momento de distração.
No entanto, nem sempre foi assim. Até onde a memória consegue registrar, além da chegada de Papai Noel no Parque do Flamengo em construção, no início do anos 1960, pousando de helicóptero na pista de aeromodelismo, as ruas do Rio de Janeiro assistiam, desde o início de dezembro, a desfiles de Natal que encantavam crianças e adultos.
O evento, tão significativo, era noticiado nos principais jornais impressos e televisivos ainda iniciantes, como o Repórter Esso.
Era comum receberem o patrocínio do poder público ou de empresas privadas, como a extinta loja Rei da Voz, que depois estendeu o programa bem sucedido para outras cidades.
Em 21 de dezembro de 1958, o Correio da Manhã, promotor do evento, noticiava que “o Povo do Méier veio às ruas aplaudir os Magos”, repetindo o sucesso ocorrido em Bonsucesso, na zona da Leopoldina, descrevendo o cortejo que passou pela rua Dias da Cruz.
Em ambas as ocasiões, houve presença maciça de crianças encantadas com a presença de camelos e figurantes representando os Reis. Três arautos, montados em cavalos brancos, anunciavam o início do desfile que percorreu as ruas do bairro até a rua 24 de maio, junto à estação ferroviária.
Das calçadas e janelas, a população aplaudia e arremessava papel picado, uma celebração de um Brasil democrático, orgulhoso de si, pelas conquistas em diversas áreas durante aquele ano que se encerrava, construindo a capital “mais moderna do mundo” e pela primeira vez, campeão mundial de futebol.
Estes desfiles continuaram pela década seguinte, crescendo em importância e dimensão, como aconteceu em 04 de dezembro de 1960. O séquito natalino começava no Maracanã e, em cada dia, seguia um itinerário para contemplar diversos bairros da cidade como Ipanema, Leblon, Tijuca, Meier, Bonsucesso, Copacabana
Diversos carros alegóricos compunham o cortejo, semelhantes aos desfiles dos Ranchos e Grandes Sociedades dos antigos carnavais cariocas.
Sobre os carros iluminados., personagens diversos, heróis dos quadrinhos como Brucutu, num cenário composto por uma cascata artificial. Tarzan e Jane também marcavam sua presença além das tradicionais figuras e cenários de Natal, como os Reis Magos e o presépio, com a Sagrada Família, logo atrás do trenó com Papai Noel e suas renas que, ao final do desfile, distribuía brinquedos para as crianças, sob uma salva de fogos.
Em 1965, comemorando o quarto centenário da Cidade, o desfile promoveu uma homenagem histórica ao Rio, que há poucos anos se transformara no Estado da Guanabara.
Mesmo no nublado e turbulento ano de 1968, antes da deflagração do AI-5, foram programadas e realizadas grandes paradas natalinas pelos bairros, incluindo ainda a baixada fluminense, organizadas pela Secretaria de Turismo. A partir do dia 01 de dezembro: Candelária, Leme, Méier e em Nova Iguaçu.
Além da presença dos símbolos natalinos, os carros incluíam personagens da literatura infantil, de quadrinhos, além de alegorias representando a paz e a igualdade entre os povos, uma ironia naquele momento de repressão.
A Cinelândia, cenário de grandes manifestações políticas contra a ditadura militar, foi contemplada com um monumental presépio com 20 metros de altura, um marco na ocasião antes das fabulosas árvores da Lagos e seu espetáculo de led.
Saudosismo? Sim. Não havia a febre de shopping centers, prática dos anos 1980. Os presentes eram comprados nas lojas de rua, no antigo SAARA, produzidos por poucas fábricas de brinquedo, como a Estrela, Troll, com seus carrinhos e caminhões de fricção, bonecas Amiguinhas e Beijocas. Para os mais abastados, trens elétricos e autoramas.
Muitos de nós, presentes naqueles remotos desfiles, de fato acreditávamos no Papai Noel que passava diante de nossos olhos, sem atentar para a fantasia cenográfica, a purpurina no cajado e as barbas nem sempre verdadeiras. Aquela roupa preparada para o frio da Lapônia contrastando com os trajes para o calor do deserto do Oriente Médio, por onde circulava a Sagrada Família e os Reis Magos.
As renas ganhavam vida, Brucutu, Tarzan e Jane vieram nos visitar, assim como Ali Babá, Branca de Neve e seus anões, representantes do mundo numa Babel tropical que se materializava diante de nossos olhos, anunciando o Natal.
Não me recordo quando acabaram esses desfiles ou foram substituídos por iniciativas publicitárias, como aquele caminhão vermelho iluminado que cruza a noite da cidade.
Crescíamos e tudo aquilo tornava-se infantil demais, coisa de criança, que mais tarde alguns de nós voltaríamos ávidos a procurar, porém sem o cenário, o contexto, o espírito que ganhava aquelas ruas naqueles desfiles de Natal perdidos no tempo de nossa memória.
Um Ótimo Natal para todos!