William Bittar – São Cristóvão: sua devoção e a antiga igreja no Bairro Imperial que o progresso escondeu

No dia 25 de julho a Igreja Católica celebra, em alguns países como o Brasil, São Cristóvão, padroeiro dos viajantes e daqueles que transportam, como taxistas e caminhoneiros

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Nave da igreja de São Cristóvão após a reforma de Acervo Particular.

A figura histórica de São Cristóvão é motivo de discordâncias, inclusive alguma rejeição do Vaticano sobre a plena veracidade de sua existência e beatificação. Seu verdadeiro nome era Réprobo, guerreiro alto e forte, que vivia na Palestina no século III.  Abandonando a luta e o culto pagão, retirou-se para o deserto até seu encontro com um eremita, que o converteu e recomendou que ficasse à margem de um rio caudaloso para auxiliar a travessia de quem necessitasse.

Esse episódio origina a lenda. Ali, numa noite tempestuosa, um menino surgiu rogando ajuda para atravessar o rio. Aquele homem forte colocou a criança nos ombros, entrou nas águas agitadas e a cada passo mais pesado ficava o pequenino, quase desfalecendo de cansaço o condutor. Ao final daquela travessia, aquele menino revelou que era Jesus e com ele o peso dos pecados do mundo, que Réprobo conseguiu suportar. Dali em diante seria Cristóvão, aquele que carregou Cristo, tornando-se padroeiro dos viajantes.

A tradição registra que morreu martirizado por volta de 250, na Síria, onde pregava, mas sua canonização formal só ocorreu no século XV, mesmo proclamado divino anteriormente pela devoção popular. Tornou-se um dos quatorze santos auxiliadores para interceder pelo povo nos momentos de aflição, venerado através de uma conhecida imagem na qual um homem muito grande, com um cajado, carrega um menino nos ombros.

No Brasil, a devoção ao Santo existe desde 1590 quando Cristóvão de Barros fundou a vila de São Cristóvão, em Sergipe, durante a União Ibérica. A imagem do santo foi entronizada no altar-mor da igreja de Nossa Senhora da Vitória, a padroeira da cidade.

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No Rio de Janeiro, a igreja de São Cristóvão é identificada como templo fundado por portugueses após a expulsão dos franceses, pois alguns registros indicam sua existência desde 1627.

Descrições e imagens retratam uma pequena ermida à beira-mar, assinalando a implantação de um pequeno arraial que originou o bairro tradicional que viria a ser considerado Imperial pois seu território foi abrigo da Família Real, desde 1808, nas terras da Quinta da Boa Vista, onde residiram um Rei e dois Imperadores.

Após a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, pelo Marquês de Pombal, a Fazenda de São Cristóvão, que pertencia à Companhia de Jesus, foi loteada e aquele pequeno templo, abandonado.

No Primeiro Reinado, atendendo ao pedido da Marquesa de Santos, moradora das imediações, D. Pedro I realizou algumas obras na edificação, permitindo que fosse novamente frequentada por ela e outros devotos da vizinhança.

No final do século XIX, após tornar-se sede da Paróquia, o edifício recebeu uma significativa reforma, alterado completamente seu partido original.  A fachada principal recebeu um torreão central, pontiagudo, marcações verticais, uma rosácea sobre a portada com arco ogival, elementos de inspiração gótica, como era comum para arquitetura religiosa naquele período, recebendo tombamento municipal em 1993.

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Igreja Matriz de São Cristóvão, Rio de Janeiro, após a reforma do final do século XIX

Arquivo Nacional

As imagens originais de São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e do orago São Cristóvão, integrantes do acervo da primitiva igreja, encontram-se preservadas no acervo da paróquia.

Ao longo das décadas seguintes o entorno foi drasticamente modificado e o templo, originalmente à beira-mar, onde barcos eram amarrados no cais diante da fachada, distanciou-se da orla com a abertura de novas vias, como a Avenida Brasil  e, posteriormente, viadutos e elevados, restando uma discreta clareira frontal, seu endereço: Praça Padre Séve, 10.

Em fevereiro de 2022, após fechamento por alguns meses devido ao péssimo estado de conservação, a igreja foi recuperada e reaberta ao público em missa celebrada pelo Cardeal D. Orani Tempesta.

No dia 25 de julho são celebradas missas frequentadas por taxistas, caminhoneiros, motoristas e viajantes em geral. É comum a realização de passeatas em homenagem ao santo em outras paróquias da cidade onde, algumas vezes, ocorre a benção dos veículos durante os festejos, agradecendo a proteção num trânsito cada vez mais caótico neste Rio, muito diferente daquele outro rio, transposto pelo guerreiro Réprobo com o menino Deus nos ombros.

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.
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