William Bittar: Sobre a devoção a São Jorge e seus templos no Rio

Colunista do DIÁRIO DO RIO traz observações sobre as igrejas de São Jorge no Rio, e uma curiosidade sobre a ocupação da igreja de São Gonçalo

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Igreja de São Gonçalo Garcia e São Jorge, Campo de Santana, 1817. Thomas Ender, Biblioteca Nacional

A devoção a São Jorge é muito popular no Brasil e em todo mundo, especialmente no Oriente, de onde se espalhou, tornando-se venerado pela Igreja Católica Romana, Ortodoxa e Anglicana.

O Santo, nascido na Capadócia, Turquia, é padroeiro da Inglaterra e festejado com reverência na Espanha, Canadá, Lituânia, Rússia e Portugal, responsável direto por trazer a devoção para a colônia lusa, que denomina um de seus mais importantes monumentos lisboetas: o Castelo de São Jorge.

Desempenha, também, papel determinante em cultos de matrizes africanas, como umbanda ou candomblé, onde o sincretismo o associa principalmente a Ogum, orixá guerreiro, associado às lutas e ao fogo. Em algumas regiões está associado a Oxóssi, que representa o conhecimento e as florestas.

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O Diário do Rio, em matéria de Quintino Gomes Freire, publicada no feriado de São Jorge no ano passado, apresentou 21 curiosidades sobre o santo, sua lenda e sua oração (https://diariodorio.com/21-curiosidades-sobre-sao-jorge-sua-lenda-e-sua-oracao/).

A cidade do Rio de Janeiro conta com quinze capelas ou igrejas dedicadas ao santo guerreiro, distribuídas pelo Centro, subúrbios e zona oeste, mas a única paróquia consagrada a São Jorge, que os fiéis chamam de “verdadeira igreja do santo”, está localizada à Rua Clarimundo de Melo, 769, em Quintino, subúrbio da Central.

O tradicional templo conhecido como “igreja de São Jorge”, localizado no Campo de Santana, Centro do Rio, conta com uma história singular, pois fundado em 1758, originalmente foi dedicado a São Gonçalo Garcia.

São Jorge contava com sua própria igreja, localizada nas imediações da Praça Tiradentes, desde 1741. Um século depois, a Irmandade responsável pelo edifício e suas celebrações passava por dificuldades financeiras inclusive para manutenção do templo, que se encontrava quase em ruínas.

Aguardando verba para as obras, foram acolhidos pela Irmandade de São Gonçalo, cuja igreja existia à Rua da Alfândega. A recuperação nunca aconteceu, o antigo templo foi demolido e as duas Irmandades se fundiram, criando a Venerável Confraria dos Gloriosos Mártires São Gonçalo Garcia e São Jorge.

Para abrigar em caráter definitivo a imagem do santo turco, foi construída uma pequena capela, à esquerda da nave principal, voltada para o Campo de Santana, em cujo altar mor São Jorge Vitorioso se destaca, montado em um cavalo, ostentando seu escudo e armas, em um nicho arrematado por arcos concêntricos.

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Altar-mor da capela dedicada a São Jorge

Acervo particular

Internamente, a nave da igreja principal apresenta elementos rococós presentes nos altares laterais e na capela-mor, onde estão as imagens de Nossa Senhora e de São Gonçalo Garcia sob um elegante forro em abóbada de berço, pintado em azul, remetendo ao céu.

A fachada principal, bidimensional com uma torre lateral, do lado do Evangelho, apresenta um repertório de matriz clássica, com um frontão triangular sobre a portada de acesso. A fachada lateral, voltada para o Campo de Santana, se apresenta muito modificada, contando com muitos acréscimos.

Ali, junto ao parque, muito próximo à estação da Central, na Avenida Presidente Vargas, ocorrem as múltiplas festividades a cada abril, um diálogo de diversidades, de congraçamento de crenças, ao som de música sacra e atabaques nas ruas, após a queima de fogos na alvorada e a salva de tiros saudando o Santo Guerreiro.

Simultaneamente, as festas também acontecem no bairro de Quintino, onde os

moradores relatam que a devoção precede à criação da paróquia, que ocorreu em janeiro de 1945, manifesta em reuniões promovidas na varanda de uma das casas, ao cair da tarde, para rezar o terço na hora do angelus. 

Esta prática sensibilizou um morador que, no retorno de uma viagem à Portugal, sua terra natal, trouxe uma pequena imagem do santo para presentear aquela confraria.

Em muitas fachadas residenciais ainda é possível observar painéis de azulejos, estampados nos frontispícios, com São Jorge combatendo o dragão, talvez sua mais famosa representação.

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Igreja de São Jorge, em Quintino, antes da inclusão da torre e do anexo.

Acervo Particular

Passados alguns anos, adquiriram um terreno em aclive, onde foi implantada uma modesta capela para abrigar aquela imagem lusa, que logo tornou-se pequena diante do número crescente de devotos.

Era urgente e necessário ampliar o templo e sucessivas obras foram realizadas durante seis décadas, a partir de 1955, conferindo a aparência atual, com o acréscimo de um torreão central, inaugurado em março de 2015.

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Igreja de São Jorge em Quintino, com a torre central o anexo.

Fonte: EBC

Todo esse conjunto é cenário para grandes celebrações no dia consagrado ao santo, 23 de abril de 303, quando foi morto e decapitado por ordem do imperador Diocleciano. A partir daí, histórias diversas, algumas jamais comprovadas, pavimentaram o caminho para a lenda, principalmente aquela relativa à luta contra o dragão, relatada em um livro do dominicano Varazze. 

Trata de uma cidade assolada por um dragão, que só amainava sua ira com o sacrifício de jovens virgens. Neste cenário surgiu o soldado Jorge da Capadócia que, sobre seu cavalo, derrotou a fera numa luta feroz, provavelmente uma nova versão para o mito grego de Perseu e Andrômeda.

A lenda continuou, e São Jorge foi morar na Lua com seu cavalo, combatendo eternamente o dragão da maldade, aparecendo reluzente em cada plenilúnio, iluminando todos aqueles que conseguem destacar sua imagem sobre a luz do luar.

Da lua, São Jorge se apresenta na poesia, na música, no teatro, nas manifestações populares, exaltando o vermelho de sua capa, incorporado nos rituais católicos e da umbanda, ou no azul de Ogum, ao som dos atabaques no Candomblé, defendendo os devotos com suas armas, para que nenhum mal os possa atingir.

Em suas horas vagas, viaja pelo firmamento hospedado na Lua, que se casou com esse santo tão sisudo, que mora no seu coração.

Salve São Jorge!  Ogum Yê!

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.
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