William Bittar: Sobre a Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil

Colunista do DIÁRIO DO RIO relembra a comemoração do 1º Centenário da Independência do Brasil em relação a Portugal

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Rua da Tijuca no Rio de Janeiro em 1918 (Foto: Reprodução Redes Sociais)

Há cem anos, no dia 7 de setembro de 1922, às 16h, inaugurava-se a maior exposição organizada no Brasil, composta por pavilhões de 14 países além de diversos stands distribuídos entre o obelisco da Avenida Rio Branco e a Praça XV de novembro, numa extensão de 1500m.

O evento foi planejado para comemorar o 1º Centenário da Independência em relação a Portugal. A proposta original previa sua
duração até o final daquele ano, mas diante o sucesso absoluto, permaneceu aberta por dez meses, encerrando em julho de 1923.

Efetivamente foi a celebração oficial do governo federal, durante um período de intensa efervescência política e cultural, que colocou o país em estado de sítio para receber as autoridades convidadas para o grande evento.

Além dos aspectos físicos da exposição, havia uma discussão internacional sobre questões relativas às respectivas identidades nacionais, fenômeno comum após grandes conflitos mundiais, como a guerra de 1914.

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Idealizada desde 1921, com o objetivo de mostrar ao mundo o progresso do Brasil, o evento ganhou dimensões não imaginadas pelos seus organizadores. Afinal, tratava-se da primeira grande oportunidade, após a Grande Guerra, de estreitar. relações entre os povos de continentes diferentes e exibir suas capacidades produtivas.

A grande área expositiva, parte dela originária da demolição parcial do Morro do Castelo, foi devidamente setorizada. Cabe destacar um paradoxo, pois enquanto se discutia identidade nacional, arrasava-se um sítio histórico onde o Rio de Janeiro se consolidou como núcleo populacional, após sua transferência da entrada da baía da Guanabara, em 1567.

O setor destinado aos edifícios brasileiros localizava-se nas imediações da Praça XV, próximo ao Mercado Municipal. Ali foram construídos os seguintes pavilhões: Festas, um monumental palácio projetado por Archimedes Memoria, com linguagem classicizante, semelhante à futura Câmara dos Deputados, do mesmo arquiteto; Grandes Indústrias (que se tornou o Museu Histórico Nacional), Pequenas Indústrias, Caça e Pesca, Viação e Agricultura, que adotaram o discurso neocolonial, numa clara demonstração de valorização da identidade e da formação nacional; Administração (depois transformado no Museu da Imagem e do Som), Estatística (depois ocupado pelo Centro Cultural da Saúde) e dos Estados, todos inspirados na influência classicizante francesa.

No espaço de transição para os pavilhões estrangeiros estavam o Parque de Diversões, um edifício lúdico como um castelo de contos de fadas, que atraiu e encantou milhares de visitantes e usuários e o pequeno pavilhão da Música, com
referências ao barroco.

Dali estendia-se a Avenida das Nações até o Passeio Público, junto do qual estava o Portão Monumental de Acesso. Pela via distribuíam-se os pavilhões estrangeiros, de três continentes, com partidos arquitetônicos diversos, revelando tendências ou conceitos de seus arquitetos de origem. Com raríssimas exceções, como Alemanha e Espanha e representantes africanos, os principais países se fizeram
presentes.

As Américas trouxeram, além do anfitrião, o pavilhão dos Estados Unidos, apresentando uma estilização da arquitetura do sul americano, um sobrado com arcos no pórtico; a Argentina, considerando-se o “mais europeu dos latino-americanos”, apresentou um edifício com gosto inspirado no renascimento francês; o México, recém saído de revoluções libertárias, se fez representar com um pavilhão impregnado de regionalidade que aludia à sua formação e ocupação colonial, com referências à sua arquitetura religiosa de influência hispânica.

Da Europa, alguns dos principais centros econômicos e culturais estavam presentes: Inglaterra, França, Itália, Portugal, Dinamarca, Suécia, Tchecoslováquia, Bélgica e Noruega, com partidos arquitetônicos alternando entre citações regionais ou repertórios oficiais.

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O Japão, com um pavilhão absolutamente característico em forma e técnica, representava o continente Asiático.

No conjunto das obras, algumas refletiam conceitos próprios em seus partidos arquitetônicos, adotando influências que eram referenciais em seus países de origem.

Em relação aos aspectos construtivos, nem todos utilizavam materiais e técnicas mais duradouras, erguendo edificações efêmeras. Outros, no entanto, pretendiam instalar suas representações diplomáticas naqueles edifícios após o evento, como França, Itália, Grã-Bretanha, Estados Unidos, que optaram por construções duradouras.

Ao longo das décadas subsequentes, produto da ânsia de modernidade, reformas urbanas, incêndios ou mesmo a precariedade de algumas obras, pouco a pouco os vestígios foram apagados, restando apenas quatro exemplares: Museu Histórico Nacional, Museu da Imagem e do Som, Academia Brasileira de Letras e o Centro Cultural da Saúde. Ainda assim são observados como obras isoladas e poucos cariocas têm exata noção da importância, abrangência e deslumbramento daquele momento.

É possível afirmar que, mesmo num período politicamente tenso e instável, a população carente de novidades poderia desfrutar de um lazer relativamente barato, pois os ingressos eram adquiridos por dia ou por semana, agrupados em carnês. Circulando por aquele cenário de sonhos, os visitantes conheceram as novidades tecnológicas do Brasil e do mundo. Provaram bebidas e guloseimas
diversas, muitas delas gratuitas como propaganda. Assistiram concertos ao ar livre no pavilhão da Música. Frequentaram grandes festas, desfiles de misses, bailes de carnaval, réveillon de 1923. Encantaram-se nos brinquedos iluminados do parque, que

funcionou ininterruptamente no dia da inauguração, tal a demanda de adultos pelo carrossel, roda-gigante, bate-bate…, tomando sorvete, comendo pipoca e algodão doce. Ali testemunharam a primeira transmissão radiofônica do Brasil, diretamente do Teatro Municipal para os alto-falantes da exposição, trazendo os acordes do Guarani, de Carlos Gomes.

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Pelas ruas iluminadas e pavilhões repletos de novidades, algumas marcas de produtos que se tornariam representativos ali estavam a atrair os olhares, olfatos e paladares: bares da Brahma e Antártica; stands do chocolate Bhering, água mineral São Lourenço, bebidas Cinzano, biscoitos Aymoré, oferecendo amostras para degustação; Pharmacia Granado, colírio Moura Brasil, máquinas Singer e Fiat, meias Olga, entre tantos outros inumeráveis, além de uma maior divulgação do telefone, apresentado em um salão para curiosos usuários.

Milhares, talvez alguns milhões tenham percorrido aquelas vias, deslumbrados com a feérica iluminação elétrica, desfrutado alguns momentos de sonho, alheios momentaneamente de uma realidade que pulsava, prenhe de problemas prestes a eclodir.

Aquela exposição de 1922 no Rio de Janeiro poderia representar um país independente que era possível e que por dez curtos meses celebrou a confraternização entre os povos, um universo ideal, metaverso da realidade que continuava a apresentar sua verdadeira face competitiva e perversa, oculta temporariamente naquele fantástico cenário de celebração.

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Fotos: FAU/UFRJ

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.
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