Nossa Senhora da Penna
Em que altura foi morar
À frente, o sol nasce reluzente
Ao Sul, toda imensidão do mar.
O dia 08 de setembro é dedicado à devoção de Nossa Senhora da Penna, cuja igreja, patrimônio cultural tombado, se encontra no topo do antigo Morro do Galo, na Freguesia, em Jacarepaguá. A pequena ermida, afastada de todas as divisas, conta com localização privilegiada, de onde é possível contemplar a vizinha Baixada de Jacarepaguá, a Floresta da Tijuca, que sobe as montanhas à distância, muitos bairros da cidade, além do horizonte ao longe, das praias da Barra da Tijuca. O sol nascente banha sua fachada principal.
Próxima à Linha Amarela, seu acesso ocorre através de ladeira íngreme e sinuosa ou por um plano inclinado que transpõe os 170 metros de altura da colina.
Segundo alguns estudiosos, como Antonio Maurício, Frei Agostinho de Santa Maria ou Amadeu Rohan, o templo original foi fundado pelo padre português Manuel de Araújo, em 1664, entronizando uma imagem originária de Lisboa. Maurício acrescentou que a inspiração para o templo seria uma igreja para a mesma padroeira existente na cidade portuguesa de Leiria, fundada pelo Rei D. Afonso Henrique, no século XII, muito modificada nos séculos seguintes.
No entanto, a devoção que chegou ao Brasil é originária do Renascimento, quando artistas católicos invocavam a proteção e inspiração à Nossa Senhora, que passou a ser venerada como padroeira das artes, artistas e escritores. Sua representação usual na imaginária é Maria com uma pena na mão direita e um livro ou uma cruz na esquerda.
Há ainda uma outra versão que atribui a denominação penna à uma possível referência à penha, que significa penhasco ou mesmo ao sentimento de piedade de Nossa Senhora, manifesto no primeiro milagre na região, responsável pela origem do templo.
Toda aquela região de Jacarepaguá, em meados dos seiscentos, era ocupada por fazendas responsáveis pela fabricação de açúcar, atividade que utilizava significativo contingente de mão de obra africana cativa. Conta a tradição que, em 1661, uma vaca escapou e o senhor de engenho decidiu punir o responsável pela perda com violentos castigos corporais. Diante da ameaça iminente, o escravo se ajoelhou em oração rogando à Nossa Senhora, a Compadecida, uma intercessão. Naquele momento, uma reluzente Senhora de Luz, vestida com manto azul e branco e com uma coroa resplandecente surgiu no alto do morro, indicando o local onde a rês se encontrava. Diante da aparição, o comovido senhor das terras não apenas alforriou o cativo, considerada a primeira alforria da colônia, como decidiu erguer uma pequena ermida no local, em agradecimento pela graça. Ali surgia a primeira capela construída pelo Padre Manoel, devotada à Nossa Senhora da Pena, cuja imagem original se encontra na sacristia do templo, segundo depoimento de Carlos Araújo.
Cerca de um século depois, em 1770, a pequena igreja se encontrava em péssimas condições, necessitando muitas obras para sua reconstrução. O sítio apresentava uma natural dificuldade de acesso, além da ausência de água nas proximidades e uma configuração geológica composta de muitas rochas. Dessa forma, o trabalho tornava-se cada dia mais árduo, prejudicado pela necessidade constante do transporte da água para beber e utilizar na construção através daquelas trilhas íngremes até o cimo do morro. Mais uma vez súplicas foram dirigidas a Nossa Senhora por aqueles exaustos trabalhadores, a maioria composta de cativos que não recebiam maiores cuidados dos capatazes. Precisavam urgentemente de água. Pouco tempo depois surgia uma fonte de água cristalina nas imediações, aplacando a sede daqueles homens crentes e facilitando os trabalhos para conclusão da obra.
No século seguinte, já no período imperial, foi fundada, em 14 de janeiro de 1836, a Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penna, cujo termo de compromisso estabelecia dirigir e ordenar o culto à Virgem Santíssima e cuidar do patrimônio. Ao longo de seus quase dois séculos de existência, muitas personalidades integraram a Irmandade, como a Baronesa da Taquara.
Os trabalhos de reconstrução, que atribuíram ao templo sua atual configuração com algumas modificações, é atribuída ao Padre Manuel Araújo, na segunda metade do século XVIII, recebendo doações feita à Irmandade por José Rodrigues Aragão, cujo crânio encontra-se preservado em um nicho, próximo à sacristia. Nessa ocasião provavelmente foram incluídos os painéis de azulejos historiados nas paredes laterais da nave, representando passagens da vida de Nossa Senhora.
O conjunto foi inscrito em dois Livros: Belas-Artes e Histórico, processo nº0038-T-38, portanto com tombamento federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Pela Resolução do Conselho Consultivo deste Instituto, em 13 de agosto, o tombamento passou a incluir todo o acervo além do conjunto arquitetônico e paisagístico do morro.
Ao longo do século XX, a igreja foi preservada em seus principais elementos, recebendo algumas obras de restauração. Foram acrescentados alguns elementos como uma cobertura para o acesso principal, uma edificação para apoio e algumas torres de telefonia, implantadas na parte posterior.
A fachada principal apresenta filiação a igrejas portuguesas setecentistas, com matriz clássica, adotando um partido geométrico composto de um elemento retangular arrematado por frontão triangular e uma única torre sineira, à feição de alguns colégios jesuíticos como a Igreja dos Reis Magos, ES, ou Bom Jesus da Coluna, RJ.
O acesso ocorre por uma portada central, com arco abatido, com duas janelas laterais, simétricas, sobre as quais se apresentam inscrições em latim sobre cartelas de argamassa ornamentadas por elementos florais.
Internamente, considerando diversas intervenções ao longo do tempo, o altar-mor tem um repertório com filiação ao rococó, porém com ornamentação reduzida, se aproximando do neoclassicismo.
As pinturas no forro da capela-mor, com cenas da vida de Cristo e a azulejaria presente nas paredes laterais sugerem algumas referências da ornamentação barroca.
Os peregrinos transpõem a ladeira íngreme e chegam ao adro onde se deparam com um relógio de sol, quase tão vetusto quanto o templo. Debruçados na amurada, se deparam com uma paisagem muito diferente daquela primitiva, edifícios, autoestradas, avenidas, ruas, casas, edifícios multifamiliares, fábricas. Ao longe, ao leste ou oeste, a serra se mantém coberta de verde enquanto a linha do horizonte, ao sul, azula no mar.
O sol se recolhe aos fundos da igreja enquanto os sinos do campanário da torre única anunciam o Angelus. Os fiéis se recolhem na nave única para suas preces, antes das celebrações que retornam neste setembro com os devotos, que sobem o morro para orações e agradecimentos às graças recebidas com a intercessão da Compadecida, Nossa Senhora da Pena. Ave Maria!