William Siri: Estudo inédito revela que 80% dos Rios da Zona Oeste estão assoreados

Relatório descortina situação de corpos d’água na área que mais sofre com as enchentes

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
Valão Central (Campo Grande)

Mais um verão acabou com os cariocas tendo a prova de que a cidade segue longe de estar preparada para enfrentar as chuvas, cada vez mais frequentes e violentas. Nos três primeiros meses de 2023, o Rio fez jus ao nome ao entrar várias vezes em estágio de mobilização por conta das diversas enchentes e alagamentos que levaram bens e vidas de seus moradores. Coube a quem escapou do pior varrer a casa inundada e a dor dos prejuízos e das mortes evitáveis. Desta vez, enterramos na estação mais quente do ano uma criança de dois anos e um idoso vítimas das catástrofes anunciadas pelos fenômenos intensos. 

Sempre me causa espanto a facilidade de alguns em normalizar esse ciclo de perda que, apesar de ser resultado de um acontecimento meteorológico, está longe de ser natural. As mudanças climáticas e suas consequências são fruto da ação do homem e da falta de resposta ágil, ativa e interessada das autoridades. Todos somos contribuintes do caos quando nada é feito, principalmente quem está à frente do Poder Público, que possui a maior dose de responsabilidade por não promover as devidas correções. Ver tamanha passividade levou nosso mandato a criar a lei que declara Emergência Climática no Rio e ir ainda mais além. Mais uma vez, fizemos algo que se espera que o Poder Executivo faça ao elaborar um levantamento para embasar as ações da Prefeitura. Assim nasceu o relatório “As condições dos rios da Zona Oeste”, a maior área da cidade que também é a que mais sofre com as enchentes.     

Antes de entrar nos pormenores do documento, temos de ressaltar que as fortes chuvas têm direta relação com o aquecimento do planeta, mas responsabilizar o meio ambiente pela destruição é um enorme equívoco. Fevereiro não me deixa mentir: o mês da folia viu o resultado do somatório de negligências que atingem mais fortemente a população pobre, periférica e preta, como de costume. Isso não é uma coincidência. Afinal, como defender que a Prefeitura foi pega de surpresa se as fortes chuvas acontecem todos os anos? Surpresa é aquilo que não dá para incluir no calendário e nem adivinhar onde irá ocorrer. Jardim Maravilha, em Guaratiba, por exemplo, é ponto certo do rastro da destruição e segue pedindo socorro. 

Não é apenas lá que mora o problema. Indo direto ao cerne do nosso relatório, todos nós sabemos que o sistema de drenagem da cidade está em situação lastimável e boa parte disso está associado à gestão dos rios. Sem receber a devida atenção e cuidado, os corpos d’água transbordam a cada chuva extrema. Como morador da região que mais sofre com o problema, nosso time foi às ruas para ver a situação deles. Ao todo, nosso mandato visitou 86 trechos de 62 rios da Zona Oeste e diagnosticou que a maioria está assoreada (80%), repleta de lixo e apresenta forte odor de esgoto e coloração escura. Na análise das margens, pouca ou nenhuma mata ciliar e algumas construções no lugar onde deveria haver só verde. 

Advertisement

Entre os exemplos de locais com águas extremamente poluídas, podemos citar o Rio do Anil, onde há o descarte de esgoto industrial de acordo com as denúncias dos moradores, o Rio das Pedras, com suas ligações clandestinas de esgoto doméstico, e o Rio das Tintas, em Bangu, que sofre com o lixo e o entulho, mesmo problema do Cação Vermelho, que atravessa Santa Cruz, Paciência e Cosmos. 

Tudo que foi visto “in loco” é resultado direto do que também foi verificado no orçamento. Ao olharmos com lupa os investimentos da Prefeitura ano após ano, constatamos que a Rio-Águas recebe mais repasses de verba apenas nos meses em que mais chove e por isso não trabalha verdadeiramente na prevenção. No ano passado, o orçamento da fundação foi de R$ 64,3 milhões, dos quais R$ 61,5 milhões foram concentrados nos meses de janeiro a abril. É uma estratégia que só remedia os estragos. 

Na Zona Oeste, toda chuva é vista com temor e por isso bairros inteiros precisam elevar suas casas ou construir muros nas portas como obstáculos para as águas. Citando novamente o Jardim Maravilha, caso emblemático, vale lembrar que o planejamento da Prefeitura lista o local como uma das grandes obras a serem custeadas com recursos da CEDAE. A promessa foi lançada ainda em 2021 no Plano Rio Futuro pelo ex-secretário de Fazenda Pedro Paulo sob o investimento de R$ 300 milhões. Mas a obra foi dividida em várias fases, a primeira delas no valor de R$ 40,9 milhões e só terminará em setembro de 2024, próximo ao fim do mandato de Paes. Ou seja: o prefeito admite na surdina que não vai resolver o problema.

Soma-se a esta devastadora realidade a decisão da Prefeitura de reduzir o orçamento do Programa Controle de Enchentes, executado pela Fundação Rio-Águas. Se em 2013, durante a construção dos grandes reservatórios de águas pluviais na Tijuca, as despesas com o programa foram superiores aos R$ 600 milhões (em valores já corrigidos pela inflação), em 2022 corresponderam a meros R$ 70 milhões. Para piorar, o programa foi extinto no Plano Plurianual de 2022-2025. As ações de combate aos alagamentos foram alocadas no programa de saneamento básico e gestão de resíduos, onde fica mais difícil entender o que foi investido de fato a este fim.

O nosso levantamento completo, que traça com riqueza de detalhes os problemas dos locais visitados, foi feito no dia 22 de março, o Dia Mundial da Água instituído pela ONU. O documento deixa evidente a má gestão dos nossos recursos hídricos e serve de alerta para a necessidade de uma mudança urgente nas prioridades do Poder Executivo. De nada adianta o Rio de Janeiro ser lindo no cartão postal se para os seus moradores ele não garante a disponibilidade e manejo sustentável da água e o saneamento para todos. 

Entregue para a Secretaria do Meio Ambiente, o relatório oferece a chance de orientar ações que atuem na regeneração dos nossos mananciais e que, em conjunto com a Secretaria de Habitação, pensem em soluções eficazes para garantir um programa de moradia popular sustentável. Afinal, condições de moradia dignas e o acesso à água são pontos intimamente ligados. 

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
entrar grupo whatsapp William Siri: Estudo inédito revela que 80% dos Rios da Zona Oeste estão assoreados
Advertisement

Comente

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui