William Siri: O que nos revela o caso Kayky Brito

Quando a uberização atravessa a vida, resta ao Estado e à Justiça amparar as vítimas

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Ator Kayky Brito apareceu correndo na frente do carro que o atropelou, na madrugada do dia 2 de setembro na Barra da Tijuca

Desde o início deste mês, acompanhamos o caso do ator Kayky Brito, atropelado ao atravessar a Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, por Diones da Silva, um motorista de aplicativo enquanto ele transportava duas passageiras em seu carro. Diante da grande repercussão na mídia pela vítima ser uma figura pública, diversas abordagens têm sido dadas na discussão sobre o acidente. Mas uma, em específico, merece especial atenção: o fato do motorista, que prestou assistência a Kayky e dirigia abaixo do limite de velocidade, precisar fazer uma vaquinha virtual para reparar o veículo e se sustentar.

Em vídeo postado em suas redes sociais no dia 7, Diones relatou estar psicologicamente abalado com o ocorrido e que, até aquele o momento, não havia previsão de retorno ao trabalho. Além das avarias ao carro, Diones foi bloqueado pelos dois aplicativos onde trabalhava. Com isso, o motorista, que é pai de duas crianças, perdeu a única fonte de renda da família.

Não demorou muito para que a postagem viralizasse. Em menos de 24 horas, Diones arrecadou cerca de seis vezes o valor necessário para pagar a franquia do seguro e o total das despesas do conserto do veículo, graças à solidariedade das pessoas que se compadeceram do seu relato.  

Com a repercussão do caso, o motorista recebeu ajuda financeira que garantiu seu retorno ao trabalho. Fica, no entanto, a pergunta: mas como ficam os trabalhadores envolvidos em acidentes que não causam comoção, aqueles que não estampam as capas dos jornais? O que resta a eles quando não há uma celebridade envolvida, mesmo que seja no compartilhamento de um vídeo? Lamentavelmente, esses ficam ao Deus-dará, sendo este o retrato fidedigno de milhares de pessoas no nosso país. 

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Segundo dados do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o Brasil possui cerca de 1,6 milhão de trabalhadores por aplicativo, sendo esse número composto, majoritariamente, por homens, negros e pardos, com menos de 40 anos de idade. É muita gente dando o seu sangue e suor diariamente no trânsito sem possuir nenhum vínculo empregatício que os ampare quando precisam.

A uberização do trabalho é um fenômeno recente nas relações laborais. Segundo os pesquisadores David Franco e Deise Ferraz, “a uberização do trabalho representa um modo particular de acumulação capitalista, ao produzir uma nova forma de mediação da subsunção do trabalhador, o qual assume a responsabilidade pelos principais meios de produção da atividade produtiva”. Em resumo, cabe ao trabalhador arcar e sofrer com os prejuízos, enquanto o resultado do seu esforço, o lucro mesmo, fica nos bolsos de quem está acima dele na pirâmide social.   

Os especialistas no tema consideram a uberização um novo padrão de organização do trabalho, após Fordismo e Toyotismo. Nesse novo modelo, o empregado possui, supostamente, flexibilização da jornada e do acordo remuneratório com o empregador. Entretanto, na prática o que se observa é uma superexploração da mão de obra, com empregados trabalhando até 14 horas por dia para conseguir uma renda mínima que garanta a sua sobrevivência. A aparente liberdade na relação de trabalho, na verdade, abandona o trabalhador à própria sorte, sem garantir a ele direitos básicos ou qualquer respaldo previdenciário. Por isso, a legislação brasileira precisa se modernizar para incluir e proteger o trabalhador inserido nessa nova realidade.

Nesse sentido, um ponto que se torna central para a discussão é a necessidade de regulamentar e responsabilizar juridicamente, principalmente na esfera trabalhista, essa relação laboral com as chamadas “Big techs”. O enriquecimento desses conglomerados vem sendo construído às custas da precarização do trabalho. Que fique claro: não se trata de ser contra o avanço tecnológico, bem longe disso. Mas é imperativo tornar o bem-estar e a saúde do trabalhador a prioridade dessa nova dinâmica. Não faz sentido que o progresso tecnológico, que deveria ser uma ferramenta de conforto e otimização das funções laborais, nos faça andar décadas atrás ao encarar homens e mulheres como meros burros de carga.

Por isso, temos debatido amplamente essa questão no município do Rio de Janeiro a partir da Comissão de Trabalho e Emprego da Câmara de Vereadores, da qual sou presidente. Nela, nossa posição sempre foi e sempre será na defesa dos direitos trabalhistas, lutando ao lado da classe trabalhadora. Este é um compromisso pessoal meu do qual nunca irei fugir na minha atuação no Legislativo.

Que assim como Diones, mais trabalhadores encontrem amparo e possam voltar ao serviço. Para isso, cabe ao Estado cumprir o seu papel e tomar sua posição ao lado de quem mais precisa e faz essa cidade crescer e ser possível, apesar das dificuldades que lhes é imposta.

A Diones e Kayky, desejo saúde, acima de tudo, e que possam desfrutar ao lado de suas famílias o que há de melhor nessa vida.    

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4 COMENTÁRIOS

  1. A velha mania de “mais Estado”: “Temos que proteger o expropriado do patrão acumulador malvado que só quer sugar a mais-valia”. Se não fosse o Uber, essas pessoas estariam trabalhando em condições melhores? Querem agora impor aos aplicativos uma legislação trabalhista que não estava prevista antes. Resultado: quem tenta agora se cadastrar no Uber para ser motorista, não consegue. Estão fechadas novas adesões. As pessoas querem TRABALHAR. Deixem as pessoas TRABALHAR, caramba.

  2. Muito pertinentes os comentários acima. Vamos socializar o prejuízo do motorista com a sociedade já bradam os revolucionários de sofá. O rapaz atravessou uma pista de rolamento de veiculos, onde a pouco metros possue uma faixa de pedestres, cambaleante e tropego e agora nós teremos que arcar com a despesa do pobre motorista. Responsabilidade tem que ser cobrada de quem causou o acidente. Chega de terciarizar a culpa. E outro amigo, esse sim podemos chamar como os mais antigos falavam: ” o verdadeiro amigo da onça”

  3. Quem causa dano a outrem precisa responder e reparar o dano.
    No caso, se o comportamento do transeunte foi decisivo para a ocorrência, além dele suportar o dano deveria reparar a verdadeira vítima.
    E no caso o motorista com seu próprio veículo que presta serviço de transporte intermediado pela plataforma, deveria possuir seguro do veículo.
    Partindo do princípio que seja dono do veículo, além do transporte para a plataforma também realiza particular, então é o próprio dono quem deve ter o seguro do veículo próprio.

  4. O que de fato o caso nos revelou: Se consumir drogas peça ajuda para atravessa a rua.
    Lição número 02: não confie nem no seu melhor amigo, na hora do aperto ele pode te largar só para sustentar uma mentira e garantir a inocência dele.
    Lição número 03: aproveitadores políticos estão sempre ai para sustentar uma narrativa, seja o prefeito ou o autor deste péssimo artigo de uma pessoa que deveria rasgar um diploma de economista uma vez que não usa ciência para embasar sua argumentação.

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