William Siri – Tudo pelo lucro: os perigos do avanço das privatizações na direção da natureza

Vereador e colunista do Diário do Rio fala sobre a concessão de parques e espaços da cidade para a iniciativa privada

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Vivemos uma emergência climática, resultado de décadas de ausência política, flexibilização de leis ambientais e priorização do lucro sobre a preservação do meio ambiente. O cenário atual evidencia a necessidade urgente de repensarmos a gestão das áreas verdes em nossas cidades. Com as mudanças climáticas, esses espaços urbanos minimizam os impactos negativos do aquecimento global, proporcionando conforto térmico, reduzindo a temperatura ambiente e combatendo o efeito de ilhas de calor. Além disso, as áreas verdes absorvem as águas das chuvas, diminuindo o risco de enchentes. Uma cidade mais arborizada oferece melhor qualidade do ar e mais opções de lazer e bem-estar para a população.

Nosso mandato tem fiscalizado diversos parques e áreas públicas pelo Rio de Janeiro, como o Jardim de Alah, Floresta da Posse, Parque da Chacrinha e a Floresta do Camboatá. Também visitamos as obras de novos parques que serão entregues à população. Em todas essas inspeções, constatamos que muitas praças e áreas públicas estão completamente abandonadas pelo poder público. E os novos parques, apesar de serem uma oferta de lazer em regiões carentes, retiraram muitas árvores e deram mais espaço para o concreto, na contramão do que o mundo vem fazendo para adaptar o espaço urbano às mudanças climáticas.

Diante do abandono, a justificativa de ineficiência do Estado tem levado à concessão desses espaços à iniciativa privada, uma lógica privatista que é prática comum da gestão Eduardo Paes. Embora a concessão seja apresentada como uma solução eficiente, ela traz perigos significativos. A privatização, ao priorizar interesses comerciais, pode limitar o acesso, transformando bens públicos em produtos acessíveis apenas a quem pode pagar. Em uma cidade marcada pela desigualdade social e pelo racismo, colocar a gestão de parques e praças à mercê do capital compromete a função social do espaço público e nega o direito à cidade e ao lazer, excluindo pessoas de baixa renda dos benefícios desses espaços.

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Sob esta alegação, a Prefeitura anunciou recentemente a decisão de conceder a administração de mais seis parques no Rio de Janeiro a empresas privadas. Esse é mais um exemplo claro dessa preocupante tendência mercadológica nas cidades. Entre os parques afetados estão o de Madureira, Garota de Ipanema, Dois Irmãos, Pinto Teles, da Cidade e Orlando Leite. A mercantilização das áreas verdes contribui para a ruína dos espaços públicos e promove a supressão da natureza em favor de construções de centros comerciais, caminhando na direção contrária da agenda ambiental global, que busca a preservação e a restauração de ecossistemas naturais.

Mas as entradas não serão gratuitas? Então, qual o perigo de conceder à iniciativa privada? A lógica privatista estabelece nas áreas públicas espaços de consumo voltados a um público que pode usufruir deles, criando barreiras mesmo sem cobrança de entrada. No entanto, vale destacar, que a proposta não deixa clara a manutenção da gratuidade no acesso a essas áreas, ou seja, não há nenhuma garantia que em um futuro próximo seja preciso pagar para usufruir de áreas verdes e parques na cidade. Sendo assim, o ambiente privatizado se torna cada vez mais voltado para um público específico, tornando-se menos convidativo para a população mais pobre. A proposta de shopping a céu aberto com cafés, restaurantes, lojas e eventos pagos transforma a experiência do espaço público, tornando-o menos democrático e acolhedor.

Para reforçar essa lógica, o Partido Novo apresentou uma Proposta de Emenda à Lei Orgânica do Município (Pelom) que permite a concessão de parques e áreas públicas. O texto original do Art. 235 afirma que: “As áreas verdes, praças, parques, jardins e unidades de conservação são patrimônio público inalienável, sendo proibida sua concessão ou cessão, bem como qualquer atividade ou empreendimento público ou privado que danifique ou altere suas características originais.” Sobre essa proposta, seguiremos firmemente contrários à negociação do espaço público e à venda da cidade. Esse projeto político tem tomado conta do nosso país e se alastrado das mais diferentes formas e esferas, tirando o poder das mãos do Estado, que em tese deveria ser o garantidor do bem comum, e entregando para entidades privadas, sob a premissa de eficiência econômica.

Em Brasília, o debate segue o mesmo desafio: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em discussão pode privatizar as praias brasileiras, alterando o regime de acesso e uso dessas áreas. Atualmente, as áreas adjacentes às praias, conhecidas como terrenos de marinha, são públicas e garantem o acesso da população, independentemente das construções existentes. A PEC permitiria que essas áreas deixassem de ser públicas e se tornassem propriedades privadas comuns, sem obrigação de manter acessos públicos.

A preservação da natureza e a valorização do espaço público e bem comum deve ser prioridade. Precisamos de políticas públicas que promovam a qualidade de vida e a sustentabilidade urbana. Somente assim poderemos enfrentar a crise climática e a injustiça socioambiental. Minha luta seguirá firme pela defesa de áreas verdes, públicas e democráticas. Se a cidade fosse nossa, o mercado não iria explorar economicamente a nossa natureza.

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1 COMENTÁRIO

  1. Altair, tudo bom?

    Por que a proposta é dificultar ou proibir por completo as concessoes?

    Não seria mais interessante fazer dos contratos de concessões obrigatório o permanente livre acesso da população?
    Entendendo que só isso não resolve por completo, pois de fato, uma vez que os parques agora focaram em lucro poderão atrair lojas, eventos etc que não serão de acesso a todos, podendo afastar o público que não pode consumir.
    Mas não seria exatamente essa uma forma de fazer com que os dois mundos se misturem?
    Entendo que em exemplos recentes de concessões a iniciativa privada tem sim conseguido manter as características dos parques e os acessos, dando um baile na conservação, segurança e investimentos superiores ao que o Estado pode dar.

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