A atriz Samanta Schmutz teve seu Instagram deletado. Ela pôs-se a atacar e patrulhar a colega Juliana Paes apenas pelo fato de ela não ser “de esquerda”. Rasa, sem conteúdo nenhum que perdurasse consistente por mais de 5 minutos numa mesa, teve sua rede social ceifada por estar eivada em raiva e agressividade. O ator Sandro Rocha (“Tropa de Elite”) também sofreu revés. Sua conta do YouTube foi bloqueada após o ator divulgar vídeos nos quais pessoas mostravam garfos e moedas coladas nos braços, como se ímãs estivessem sido implantados ali durante a vacinação. Rei das teorias da conspiração, Sandro Rocha é direita e mora na Flórida. Cada um de um lado da mesa, Samanta e Sandro representam o que deve ser a eleição de 2022: um festival de versões e narrativas e, acima de tudo, de ódio puro.
Jornalistas e artistas escolheram um lado, já se sabe qual, com uma virulência como nunca antes vista. Se falta ao presidente Jair Bolsonaro postura, competência, bom senso e humanidade, estão ausentes também nas pautas jornalísticas e nas redes sociais de supostos influencers um mínimo de equilíbrio, inteligência e profundidade.
É papel evidente do jornalismo ser sistematicamente a ferramenta a botar o dedo no olho dos governos e cobrar-lhes atitude e transparência. Mas no Brasil contemporâneo acabou a isenção. Globo é antiBolsonaro; Record, SBT e Band são Bolsonaro. À primeira falta o caminhão de verbas despejado nos governos Lula e Dilma. Aos outros, resta minimamente a sobrevivência.
Há uma questão ética a ser observada no jornalismo vigente. Nunca antes nesse país repórteres, que deveriam primar pela total isenção, foram tão opinativos, sem que essa seja sua premissa de ofício. Em 7 de maio desse ano, o repórter-pavão Pedro Figueiredo, especialista em provar suas teorias e supostos furos em vez de dar os dois lados de forma profissional, escreveu em sua conta de Twitter: “O silêncio do governador do Rio é ensurdecedor. No dia seguinte à operação mais letal da história do estado, Claudio Castro está no interior – negociando alianças e fazendo acenos a alidos – de olho nas eleições do ano que vem”. Quando entrei no “Globo” e fiquei lá por longos anos, lembro que em seu “Manual de Redação” havia claramente a definição de artigo opinativo e reportagem. Ao fazer de sua rede social um caldeirão de opinião, vai-se às favas as rasas reportagens de Figueiredo, agressivas, depreciativas e sem nenhum jornalismo – aponta-se o dedo para a vida pregressa de um recém-nomeado ao tempo em que ele trocava fraldas. Do tipo, “com 2 anos, sujeito golfou na face da mãe”. Independentemente disso, desse jornalismo ruim, opinar não pode. Repórter não opina. E o diretor de jornalismo da Globo, Ali Kamel, sabe disso.
Do lado dos artistas há uma total repulsa a Bolsonaro, de fato resultante de uma série de graves erros do presidente. Mas o conteúdo é daqueles de rede de WhatsApp, em que todos se repetem, como papagaio, sem ao menos saber do que se trata.
No meio disso tudo estão as fake news, notícias falsas de ambos os lados. O jornalismo que está aí passa o dia gastando conteúdo em provar inverdades. Muitas de fato o são. Mas há fake news que acabam endossadas pelo próprio jornalismo. O “New York Times”, assim como vários jornais americanos, vem denunciando milhares de problemas de reações fatais de algumas vacinas, confirmadas por médicos e em fase de análise por cientistas, mas até agora não houve nenhuma citação a isso, seja na Globo News ou na Globo – apenas para se manter fiel à tese de que “estamos certos”. Sem falar as agências de checagem, Lupa, Aos Fatos etc etc etc, que desmentem 90% de conteúdos de um lado só. E o Facebook (conglomerado) e Twitter, que viraram julgadores dos conteúdos, talhando a liberdade de expressão. Seja absurdo ou não o que Trump escrevia, excretá-lo das redes sociais apenas por não concordar com suas visões foi a censura mais abjeta dos últimos 100 anos.
Vivemos num país no qual se estabeleceu o maniqueísmo neocontemporâneo: se você é direita e apoia Bolsonaro você é do mal; se você é esquerda e ataca Bolsonaro você é do bem. A verdade é que nenhum dos lados tem razão. O sistema político brasileiro faliu e as eleições, como formato democrático, são mero registro histórico e funcional: não nos servem mais.
Noutro dia, um amigo me perguntou ao WhatsApp qual seria meu lado no atual momento do Brasil. Eu respondi que “nenhum dos dois”. No que ele me retrucou: “Se você não tem lado você tem lado”. Igual ao que aconteceu com Juliana Paes.
No cenário atual em que jornalismo, artistas, sociedade e políticos enfrentam a Covid-19 com ódio, vociferação, xingamentos e patrulhamentos, e não com ideias, serenidade e diálogo, como eleger um presidente em 2022 que não represente nada disso?
A se refletir: em 2018, 42 milhões de brasileiros não escolheram nem Jair Bolsonaro e nem Fernando Haddad para a presidência da república entre votos nulos, brancos e abstenções. Para onde irá esse povo? Certamente não comprará de novo a polarização. Mas a questão que fica é: quando jornalistas, artistas, sociedade e políticos vão buscar o candidato do amor, da paz, da des (ideologização) do país?
Nesse momento está todo mundo divulgando ódio para tudo que é lado.
Esse discurso do pombinho da paz já foi para o saco.