Crianças desaparecidas: um problema que atravessa gerações no Rio de Janeiro

A gravíssima situação se alonga pelos anos e os casos encontram outros problemas. Problemas esses ainda muito distantes de soluções

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Caso do desaparecimento dos três meninos de Belford Roxo já completou seis meses| Foto: Reprodução/TV Globo

Desespero, esperança, medo, tristeza são só alguns dos sentimentos vividos por mães e pais que tiveram filhos desaparecidos no Rio de Janeiro. A gravíssima situação se alonga pelos anos e os casos encontram outros problemas. Problemas esses ainda muito distantes de soluções.

De acordo com dados da SOS Crianças Desaparecidas, da Fundação para Infância e Adolescência (FIA), atualizados no dia  01/07/2021, nos últimos 25 anos foram 3848 desaparecimentos. Desses, 3278 encontrados e 572 ainda estão sumidos. A maioria, hoje em dia, já tem mais de 18 anos (506) e são 66 menores de idade.

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“Vale lembrar que são dados contínuos, quando esses que hoje são maiores de idade entraram no cadastro, ainda eram menores”, esclarece Luiz Henrique Oliveira, gerente do Programa SOS CRIANÇAS DESAPARECIDAS-FIA, que completa falando do método de trabalho:

“Dedicação, respeitar as famílias, o espaço de trabalho de cada um e contar com os parceiros, empresas, imprensa. Ações articuladas. O serviço tem continuidade. Isso é raro no Brasil. Por isso, estamos há 25 anos com essa atividade que alcança bons resultados, sempre podemos melhorar, mas fazemos um trabalho importante para ajudar a solucionar esses problemas, informa Luiz Henrique.  

Entre aos casos de desaparecimento, 67.66% são do sexo masculino e 32.34% do feminino. Ainda segundo os dados da FIA, 53.50% dos casos aconteceram com pessoas pardas. Entre negros e negras são 20.10%. Além de 24.83% brancos. Sobre os encontrados, os índices ficam assim: 45.79% de pardos; 30.80% brancos e 21.28% de negros.

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Estudiosos do tema observam que a vulnerabilidade dos desaparecidos é um ponto fundamental entre os casos. Crianças mais pobres tendem a ter menos presença dos pais e não têm babás, creches, portanto, ficam mais expostas às situações que levam aos desaparecimentos e eventuais crimes que possam estar ligados.

Os dados abaixo mostram as circunstâncias ou causas que levam aos desaparecimentos:

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“Vale destacar, nesse caso das ‘fugas’, que são vários fatores. Então, preferimos classificar, em uma nomenclatura mais clara, como ‘saiu de casa e não retornou’”, explica Luiz Henrique, da FIA.

Em meio a todo esse cenário, aconteceu, na última quinta-feira, 01/07, uma audiência pública realizada pela CPI das Crianças Desaparecidas da Alerj. Vice-presidente da CPI, a deputada estadual Renata Souza (PSOL) conduziu a audiência, na qual ouviu de quatro mães denúncias de discriminação social, descaso e desrespeito a leis que poderiam determinar o reencontro de seus filhos com vida. Os dolorosos relatos também deram conta de como os diversos órgãos policiais não dialogam entre si e nem compartilham ou cruzam informações referentes aos casos.

“O depoimento das mães que ouvimos na CPI foi muito importante porque no conjunto ficou demonstrado o calvário imposto a essas mulheres pelo Estado, assim responsável por uma revitimização delas, quando não se garante sequer o cumprimento das leis já em vigor e, para piorar, é atribuído a elas pelo Estado o ônus das provas referentes aos casos. Isso não faz sentido”, disse a deputada Renata Souza, referindo-se, por exemplo, à lei federal que obriga as delegacias ao registro e às buscas imediatas em caso de desaparecimentos de crianças.

“É inacreditável também, por exemplo, que exista um protocolo de ação imediata para a localização e a investigação do roubo de carros e que não tenhamos nada parecido no que se refere ao desaparecimento de crianças”.

Sobre a LEI 8547, de 2019, que obriga as delegacias especializadas a informar, imediatamente, à FIA e ao Programa de Localização de Identificação de Desaparecidos (PLID ), do Ministério Púbico do Estado do Rio de Janeiro, detalhes sobre ocorrências de desaparecimentos de crianças, adolescentes e de jovens até vinte e um anos de idade – estes com deficiência, Luiz Henrique Oliveira, pontua: “É sempre um processo de conscientização. As delegacias têm mandado os dados de desaparecidos para nós. E acredito que, muito em breve, esses dados vão ser divulgados em tempo real. Precisamos, também, ter a ideia de que é um trabalho maior, além da questão só de nos passar a informação”.

Helena Elza de Figueiredo, mãe de Eloísa, que tinha 9 anos de idade quando foi levada, em 2006, de dentro de casa, no Morro do Tuiuti, em São Cristóvão, e depois encontrada morta, com sinais de violência, em Seropédica, falou à CPI. Ela lembrou das dificuldades para registrar a ocorrência. “Quando cheguei à delegacia, me mandaram voltar em 48 horas. Ainda ouvi o policial falar que minha filha, de nove anos, deveria estar por aí namorando”, contou Helena que valorizou os trabalhos da Comissão.

Durante a audiência, Renata Souza fez uma reflexão sobre a desigualdade no tratamento dado pelo Estado aos casos conforme a classe social das vítimas:

“Quando a criança é de classe média, logo se faz a busca e se reconhece quando há crime de sequestro. O desaparecimento é um termo que esconde e atenua a tragédia do sequestro e por vezes a morte de dezenas de meninas e meninos da favela e da periferia, crianças e adolescentes negras e pobres”.

Como a Delegacia de Homicídios da Baixada marcou depoimentos das mães de três meninos desaparecidos de Belford Roxo exatamente para o mesmo horário da realização semanal das audiências da CPI e não aceitou o pedido de mudança de data, o depoimento delas será tomado em nova audiência, após o recesso parlamentar.

Sobre este caso, que ganhou repercussão nacional, e ainda segue sem respostas, envolvendo o desaparecimentos dos meninos Lucas Matheus, de 9 anos, Alexandre Silva, de 11 anos e Fernando Henrique, de 12, declarou Silvia Regina da Silva, avó de Lucas e Alexandre: “A gente quer uma resposta certa. Precisamos saber o que foi feito com os meus netos. Eu preciso deles comigo. É por isso que estamos correndo atrás e não vamos descansar, pode levar o tempo que for”. O desaparecimento já completou 6 meses.

“A Polinter tem uma investigação ampla em relação ao tráfico de entorpecente naquela localidade. Nós sabemos que ali é um local sensível, haja vista a existência de um tribunal do tráfico. Isso não pode ser permitido. Nós tivemos a tortura e a expulsão de um morador e de sua família da localidade. Isso nos traz a interpretação de que o tráfico de entorpecentes, promovendo essa ação, ele tentou se eximir da responsabilidade sobre o desaparecimento dos meninos”, explicou Roberto Cardoso, diretor-geral do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa (DGHPP).

Quanto aos desaparecimentos de crianças, a orientação das forças de segurança pública é para que os responsáveis procurem, o mais rápido possível, uma delegacia, pois cada segundo é fundamental nas buscas.

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