Em março de 2019, num jantar com lideranças conservadoras em Washington, Bolsonaro afirmou que não pretendia construir coisas para o povo, mas desconstruir, desfazer muita coisa. Promessa feita, promessa cumprida. Já no primeiro dia de seu governo, ele extinguiu o Ministério da Cultura. A Secretaria Especial da Cultura, o que sobrou do antigo ministério, esteve nas mãos de um imitador do ideólogo do nazismo, depois nas mãos de uma atriz ensandecida e agora nas mãos de um ator de quinta categoria, que se pretende um arauto dos valores cristãos e moralistas (e que se deixa fotografar armado).
Também foram virados ao avesso o Ministério da Educação, o da saúde, o da justiça, o do meio ambiente, o das mulheres, a Funai, a Fundação Palmares, a Procuradoria Geral da República, e tantas outras instituições que passaram a fazer o contrário daquilo a que se destinavam. O mais recente ato desse processo destrutivo e, infelizmente, não o último, é a proposta de venda num feirão de imóveis do símbolo da cultura e da modernidade brasileira, o Palácio Gustavo Capanema. Para Paulo Guedes, o prédio é apenas um bem material que pode render alguns trocados. Para Bolsonaro, é mais uma cacetada na cultura e a oportunidade de financiar o seu programa eleitoreiro de bolsa, que substituiria o Bolsa Família.
É curioso pensar que em pleno Estado Novo, num ambiente repressivo, quando se construía como imagem do governo ditatorial edifícios de arquitetura pesada e fascista, como o do Ministério da Fazenda, tenha surgido um raio de luz, como o Capanema. O arquiteto que teve seu projeto preterido, depois de ter vencido o concurso, acusou de esquerdistas os autores do projeto do Capanema. Mas, imediatamente, o edifício se tornou um símbolo do país aberto para o futuro que se queria construir.
Ali estavam concretizadas as ideias propagadas por Le Corbusier: o edifício sobre pilotis, a planta livre, a fachada livre, janelas em fita e o terraço jardim. A equipe que o projetou era comandada por Lucio Costa, e contava com Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcelos e Jorge Moreira. Complementam essa arquitetura inovadora os painéis de azulejos, os murais e as pinturas de Portinari, os jardins de Burle Marx, as pinturas de Guignard e Pancetti e as esculturas de Bruno Giorgi, Adriana Janacópulos, Jacques Lipchitz e Celso Antonio Silveira de Menezes.
Esse grupo de artistas e arquitetos foi capaz de criar uma obra ímpar, que maravilhou a todos, foi fotografada e comentada nos principais jornais e revistas de vários países, sem falar naquelas publicações especializadas em arquitetura e nos livros sobre o tema. O Brasil surpreendia o mundo, o Brasil era moderno.
Mas nem só a arquitetura e os objetos artísticos fizeram a importância do Palácio Capanema. O edifício, até recentemente, abrigava, entre outros, a Fundação Biblioteca Nacional (FBN), a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE), a Fundação Palmares, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Tais instituições, que davam vida ao Capanema, só deixaram o edifício para que ocorresse a sua necessária restauração. Entre as pessoas ilustres que lá trabalharam, não se pode deixar de mencionar Carlos Drumond de Andrade que, mesmo consagrado, não abandonou a função pública. Pode-se imaginar o poeta atravessando os pilotis e entrando no saguão do antigo MEC.
O Palácio Capanema tem uma presença marcante no espaço urbano do Centro. Construído onde um dia existiu o Morro do Castelo, o Capanema ocupa quase sozinho uma quadra inteira. A sua singularidade está em que um edifício assim, que entregou a maior parte do seu solo ao desfrute do público, erguendo-se sobre pilotis, não se repetiu na vizinhança. E nem no restante da cidade. Como resultado, o contraste com os edifícios circundantes, alinhados em suas divisas, e em grande parte austeros, é uma das coisas mais interessantes daquela região. O Capanema é a praça, é a rua, é a travessia livre, é a exposição de arte ao ar livre, sem deixar de ser o edifício, abrigo de tantas atividades importantes para nossa cultura.
Por fim, não devemos esquecer a apropriação do Capanema durante o carnaval. Nos últimos anos, com o retorno do bom carnaval de rua, e com o incontrolável surgimento de blocos e sub-blocos, alguns famosos, outros quase clandestinos, o pátio do Palácio Capanema se transformou em lugar de espraiamento desses blocos. Vindos do confinamento das ruas, eles adentram o Capanema e se espalham. É o momento das performances dos grupos de fantasias, da finalização da paquera, da pausa para a água, e do extravasamento da criatividade de cada folião, convidado a expressar toda a sua criatividade.
Guedes é ignorante de tudo isso. Pelo estado em que se encontra a vida dos brasileiros, não se sabe se domina sequer a matéria econômica. O Superintendente de Patrimônio da União também não sabe nada sobre a história do Capanema, mas insistiu que não via nada demais na sua venda. O Secretário Especial da Cultura que, ao chegar à Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza, ignorava quem havia sido Lina Bo Bardi, a homenageada do evento, por que saberia algo sobre um marco da arquitetura mundial? E Bolsonaro? Esse sabe o necessário: que é preciso destruir.
O senhor Roberto Anderson mostra que mesmo laureando-se doutor pode-se manter-se abilolado das ideias. O texto todo é apenas uma forma forçada de criticar o governo federal e a pessoa do presidente. Mas como não houve coragem de fazer uma crítica pura e direta, meteu o Palácio Capanema no meio.
Responda-me, por favor, o que tem de incompatível a venda do prédio com a manutenção da cultura e da arquitetura? Uma vez vendido, passarão uma retroescavadeira no prédio? Exportarão ao exterior? Deixarão desmontado pedra-sobre-pedra? Meu Deus do Céu, que gente chata: o que este senhor escreve é apenas esperneio para manter um Estado cheio de imóveis dando custo pra sociedade!
Vendido o prédio, alguém gerará renda com ele. O Estado do RJ hoje necessita de negócios, não de blablabla. Infelizmente, Blablabla é a única coisa que o referido professor pôde nos oferecer aqui hoje.
No modo de pensar do senhor Roberto Anderson logicamente a porcaria da cidade de Brasília é melhor que a melhor cidade do mundo (Paris)