Zé Keti: Eu sou o Samba

Ediel Ribeiro conta em sua coluna desta quinta um pouco sobre o sambista José Flores de Jesus, o Ze Keti

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Rio – Sheila me liga: “Vou ao teatro assistir a um show em comemoração  ao Dia Nacional do Samba e ao centenário de Zé Keti”.

CORTA PARA:

INT. THEATRO VASQUES, MOGI DAS CRUZES – NOITE

Lá dentro, rola um show em homenagem ao samba e aos 100 anos de Zé Keti, um dos sambistas mais celebrados do Brasil.

Zé Keti, aliás, José Flores de Jesus, nasceu em 16 de setembro de 1921 – embora tenha sido registrado em 6 de outubro -, no bairro de Inhaúma, subúrbio do Rio de Janeiro.

Filho de Josué Vale da Cruz, um marinheiro que tocava cavaquinho e neto do flautista e pianista João Dionísio Santana, cresceu ouvindo as cantorias do avô e do pai.

Sempre cercado pela musicalidade da família, dos morros e da periferia e convivendo com bambas como Pixinguinha e Cândido das Neves, o menino José Flores logo se interessou por música e como era um garoto bem comportado, ganhou o apelido de Zé Quietinho. Do apelido, veio seu nome artístico: Zé Keti.

Em 1924, foi morar em Bangu na casa do avô. Após a morte do avô, em 1928, mudou-se para a rua Dona Clara, no subúrbio de Piedade. Aos 13 anos é levado por Geraldo Cunha, compositor da Estação Primeira de Mangueira, para assistir aos ensaios da escola de samba. Em seu primeiro contato com a música do morro, o menino tímido e arredio, logo se apaixona pelo samba. A partir daí, cantou o samba, as favelas, a malandragem e seus amores.

O compositor é considerado pelo compositor e produtor musical, Eduardo Gudin como um dos cinco principais nomes da história do samba carioca, ao lado de Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho e Cartola.

Sambista de primeira, Zé Keti é considerado um dos grandes cronistas da vida nas favelas. O jornalista Ruy Castro escreveu: “Todos os sambas de Zé Keti contam uma história do morro. Não sei se ele morou algum dia num morro, mas, e daí? Dorival Caymmi  não sabia nadar e ninguém falava do mar como ele”.

Artista é isso.

No início da década de 1940, quando ainda trabalhava como peixeiro, Zé Keti se juntou à ala dos compositores da Portela e nos anos seguintes compôs vários sucessos, como “Tio Sam no Samba”, com Felisberto Martins, em 1946; “Amor passageiro” e “Amar é bom”, em parceria com Jorge Abdala.

O talento e a criatividade de Zé Keti levou sua música para muito além dos morros e das estações de rádio, tornando-o figura de destaque em filmes fundamentais do chamado Cinema Novo.

Da amizade com Nelson Pereira dos Santos, veio o convite para trabalhar no cinema, o que acabou, em 1955, levando a genial “A Voz do Morro” – considerado um dos melhores sambas de todos os tempos, gravado pelo cantor Jorge Goulart – a integrar a trilha sonora de “Rio 40 graus”, filme inaugural do Cinema Novo. 

A parceria com o diretor rendeu ainda mais dois filmes: “Rio Zona Norte”, de 1957, com Grande Otelo interpretando um cantor e compositor bastante inspirado no próprio Zé  e “Boca de Ouro”, de 1962.

“Zé Keti fez com que o samba das comunidades e morros da zona norte conversasse com as outras artes. Foi a consagração do samba”, disse Geisa, uma das filhas do sambista.

Na década de 60, Zé Keti  conheceu, na casa noturna ‘Zicartola’ – reduto do samba tocado por Cartola e Dona Zica, em um sobrado na Rua da Carioca, 53, no centro do Rio – o bancário Paulo César Batista de Faria, que Zé Keti logo ‘batizou’ de Paulinho da Viola e com quem formou, em 1962, o conjunto “A Voz do Morro”. Faziam parte do grupo os sambistas, Elton Medeiros, Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho, José da Cruz, Oscar Bigode e Nelson Sargento.

Em meados dos anos 60, com Nara Leão, Zé Keti protagonizou, ao lado de João do Vale, um dos espetáculos mais significativos dos anos 1960, o show “Opinião”, considerado um dos primeiros trabalhos artísticos em oposição ao regime militar.

O ‘teatro engajado’ produzido pelo Teatro de Arena; idealizado pelo Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional de Estudantes (UNE) – instituição que, a esta altura, havia sido colocada na ilegalidade pelo regime militar instaurado no Brasil -; criado por Oduvaldo Vianna Filho, Ferreira Gullar, Paulo Pontes e Armando Costa e dirigido por Augusto Boal, foi lançado em dezembro de 1964,

Com músicas de Zé Keti, como os sucessos “Diz que fui por aí”, “O Favelado”, “Nega Dita”, “Cicatriz” e o samba-título “Opinião”, o espetáculo mexeu com a opinião pública e com a censura.  O impacto pode ser medido pelo fato de ter inspirado os nomes de um jornal de esquerda, um teatro, o grupo teatral que encenou a peça e o segundo álbum de Nara.

Com o sucesso do “Opinião”, o compositor gravou seu primeiro disco: “Sucessos de Zé Keti”, lançado pelo selo pernambucano, Mocambo, da fábrica de discos Rozenblit, que traz na capa uma belíssima caricatura, sem a assinatura do autor.

O LP, um clássico da MPB, trazia onze composições próprias; sucessos como “Máscara Negra” – gravada depois por Dalva de Oliveira -; “Acender as velas” – interpretada por Elis Regina – e, também, “Opinião”; “Vestido Tubinho” e “Diz que fui por aí”, entre outros.

Nos anos seguintes, “marcado” pela ditadura, e vivendo um período de ostracismo, Zé Keti, então, foi morar em São Paulo, em 1980. Morou na Praça Roosevelt, na Rua Gravataí, terceiro andar, apartamento 41.

Neste período, viveu entre São Paulo e Mogi das Cruzes, onde fez grandes amigos, entre eles o sambista mogiano José Luiz da Silva, o Rabicho Luiz, com quem Zé Keti compôs ‘A Portela me chamou’, “Essa dona” e “Quando fui por aí”.

Depois de passar dez anos em São Paulo e com a situação agravada por um derrame cerebral sofrido em 1987, o artista voltou para o Rio, por insistência dos filhos: “Ele não podia mais morar sozinho lá”, disse Geisa.

Apesar do AVC, Zé Keti continuou compondo e cantando e, em 1996, lançou o CD “75 anos de samba” e participou de um show com a Velha Guarda da Portela e Marisa Montes.

Nos últimos anos, com a saúde debilitada, o compositor, que era hipertenso e tinha sinais de arteriosclerose, passava o dia vendo televisão, e só saía de casa –  em Inhaúma, zona norte do Rio – para receber alguma homenagem.

Três anos depois, em 14 de novembro de 1999, Zé Keti faleceu, aos 78 anos. O compositor deixou cinco filhos e uma obra que é referência para muitos artistas do samba e da MPB.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"

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