O déficit habitacional ocupa posição de destaque no ranking dos problemas urbanos e dos maiores desafios sociais do Brasil. De acordo com a Fundação João Pinheiro (FJP), o déficit habitacional pode ser identificado considerando as seguintes situações: domicílios precários, coabitação, valor do aluguel superior a 30% da renda domiciliar total e domicílio alugado com mais de três pessoas vivendo num só cômodo. Dados revisados pela FJP tendo como ano base 2019, o déficit habitacional chegou a 5,8 milhões de domicílios. Em números, o Brasil tinha um déficit em 2011, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 5,4 milhões de domicílios, as regiões metropolitanas concentrando 37% do déficit total, enquanto o restante do país 63%. As regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro lideram os indicadores de falta de moradia, sendo a metrópole de São Paulo, com 694.047 domicílios; e a metrópole do Rio de Janeiro em segundo, com 362.335.
Quando penso num programa para enfrentar o problema, aparece em primeiro lugar o Favela-Bairro, que conseguiu sucesso em números e pela forma como ocorreu a intervenção social no território. considerando a articulação entre teoria e prática. O Programa Favela – Bairro foi criado em 1994 no Rio, na gestão do prefeito Cesar Maia, sendo executado pela Secretaria Municipal de Habitação. A ideia do Favela-Bairro é inovadora, ao inverter a lógica adotada até aquele momento em relação à experiência de outros programas. O Favela-Bairro consiste, basicamente, em integrar as favelas à cidade formal, levando os serviços públicos para a população até então excluída.
No livro Habitação de Interesse Social – Aspectos Históricos, Legais e Construtivos, de Antônio Domingos Dias Ferreira, ele destaca alguns programas habitacionais entre eles o Favela-Bairro, enumerando suas principais ações como a complementação ou construção da estrutura urbana principal; a oferta de condições ambientais para o diagnóstico do território como bairro da cidade; a introdução dos valores urbanísticos da cidade formal como de um bairro formal: ruas, praças, mobiliário e serviços públicos; a consolidação da favela no processo de planejamento da cidade; a implementação de ações sociais como a instalação de creches, programas de geração de renda e capacitação profissional e atividades esportivas, culturais e de lazer; e, por fim, a promoção da regularização fundiária e urbanística.
O prefeito Cesar Maia foi pioneiro e certeiro na escolha do modelo de intervenção e os números do Favela-Bairro impressionam. Foram 155 comunidades beneficiadas com investimentos na ordem de R$ 1 bilhão. Os resultados sociais do Favela-Bairro a longo prazo foram a melhoria da qualidade de vida dos moradores e o aumento da renda. Fica claro, portanto, que se trata de um programa que deveria ser consolidado como política governamental e copiado em todo o Estado do Rio de Janeiro, pois já foi testado e aprovado. É reconhecido internacionalmente e estará sempre atual. A simples remoção de favelas se mostrou ineficaz, cara e segue na contramão da proposta de uma cidade acessível, tendo em vista, inclusive, que os investimentos em transportes públicos não acompanham com a rapidez desejada a expansão dos núcleos urbanos.
Conhecedor que sou da realidade das pequenas cidades do interior, afirmo com toda a convicção que o modelo do Programa Favela-Bairro é o mais adequado para a maioria das cidades, pois atua no núcleo do problema, consolidando e aproveitando a infraestrutura urbana e os equipamentos públicos existentes no entorno imediato. Também segue a lógica de não pressionar a expansão da cidade levando as pessoas a viver em territórios distantes do núcleo urbano onde está concentrado o maior número de serviços. Isso também evita o agravamento de problemas ambientais, principalmente relacionados ao saneamento.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicados na Agência Brasil, em 2019 havia no Brasil 13.151 ocupações urbanas irregulares, que perfazem um total superior a cinco milhões de moradias. Uma real política habitacional não se restringe a construir casas e ponto final. É preciso um olhar amplo, dada a complexidade do território da cidade. O Programa Favela-Bairro é uma experiência de sucesso realizada há quase três décadas que permanece em evidência como fonte de inspiração e exemplo de programa de sucesso a ser copiado para implantação em escala estadual.
Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.
Muito a propósito seu artigo Guilherme, a experiência do Favela Bairro – houve anteriores como as intervenções da Codesco (e mesmo a proposta do Morar Carioca que não pode ser viabilizada), mostram que há soluções bem sucedidas em dotar as ocupações formais e informais de serviços básicos de acesso, urbanismo, saneamento, requalificação das moradias, e outras facilidades sociais. Bastaria, como você apontou, que tais programas se tornassem perenes como programas de estado e que houvesse dotação orçamentária garantida que os firmasse dentro do conceito de sustentabilidade urbana inclusiva.
Para quem viu realizações de obras denominadas favela-bairro, sabe que tão logo as máquinas e operários encerrarem os trabalhos, ruas feitas voltarão a se tornarem becos. Melhorias realizadas serão adulteradas e do que foi feito restarão uma quadra de esportes e pouco mais. A aplicação do projeto em pequenas cidades interioranas pode ser saudável, entretanto, em grandes comunidades é perda de tempo e de dinheiro.