Segundo a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), a cidade do Rio de Janeiro, em 2022, conta com nove unidades prisionais, destacando-se o Complexo de Gericinó (ex-Bangu), o “galpão” da Quinta (Presídio Evaristo de Moraes), que adaptou uma garagem estadual, construída em 1960, para abrigar detentos em péssimas condições e o Presídio Ary Franco, inaugurado em 1975, na Água Santa.
O conjunto mais antigo, construído entre os bairros do Estácio e Catumbi, que apresentava algum interesse como patrimônio cultural, foi demolido nas primeiras décadas do século XXI para implantação de um grande conjunto residencial.
Descrições e fotografias podem apresentar as transformações dos ambientes de detenção na cidade, porém com poucos vestígios remanescentes que permitam sua plena compreensão espacial e sua real vivência.
As terras da Coroa Portuguesa nas Américas, durante o período colonial, estavam submetidas diretamente às Ordenações Régias, vigentes entre 1438 e 1621, códigos de leis responsáveis pelo controle da Metrópole e suas colônias ultramarinas.
Nas vilas e cidades brasileiras, um edifício centralizador do poder acumulava funções administrativas, judiciárias e penitenciárias, eventualmente comerciais. Tratava-se da Casa de Câmara e Cadeia, descendente direta do Paço do Concelho português, grafado desta forma, pois se refere à divisão administrativa lusa.
Este marco arquitetônico, geralmente implantado na principal praça local, próximo à igreja matriz, representava o poder real, por vezes associado ao pelourinho, símbolo da autonomia municipal. Diferente do papel de lazer que as praças iriam adquirir a partir do século XIX, tratava-se de um local aberto, sem tratamento paisagístico, destinado às aglomerações para atividades cívicas e religiosas da população. Era o prenúncio das futuras pracinhas brasileiras, com igreja, prefeitura e delegacia, além de um coreto eventual para alegrar a vida local.
O sistema adotado pela ocupação em capitanias permitia que cada uma criasse leis próprias, por vezes ad hoc, aplicadas por juízes eleitos pelos senhores de terras – os homens bons, sem qualquer preocupação pela formação jurídica do escolhido. No entanto, todas as vilas e cidades deveriam contar com sua própria Casa de Câmara e Cadeia, com aposentos distribuídos em dois pavimentos: o térreo, destinado às funções penitenciárias, às vezes com um pórtico para comércio, enquanto o sobrado abrigava as atividades camarárias.
As penas variavam entre castigos corporais, trabalhos forçados, até mesmo a morte. As cadeias não eram obrigadas a alimentar os detentos, ficando à mercê da caridade pública ou mesmo da Santa Casa. Para os privilegiados, as sentenças poderiam ser convertidas em penas pecuniárias, aumentando a arrecadação local, ou a cessão de escravos para obras públicas.
A Cadeia Velha
Em relação à cidade do Rio de Janeiro, provavelmente sua primeira Casa de Câmara e Cadeia foi construída no Morro do Castelo, em 1567, quando da transferência do sítio original, próximo à entrada da baía da Guanabara. Em 1639, devido ao excesso de presos, a metrópole autorizou a construção de nova edificação.
Em 1747, com a expansão para a várzea junto ao mar, em direção à Rua Direita (depois 1º de Março), uma nova cadeia surgiu onde o Palácio Tiradentes seria inaugurado em 1926. Foi ali, na “Cadeia Velha”, que Tiradentes ficou aprisionado até sua execução.
Em 1763, a sede do governo foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, mais próxima dos caminhos do ouro. No Largo do Paço estavam os Vice-Reis a representar a Coroa lusa, aplicando castigos exemplares como na sentença lavrada em 1792, condenando o réu Joaquim da Silva Xavier, a que, com baraço e pregação, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre.
O Calabouço
Com a chegada da Corte, em 1808, a “Cadeia Velha” foi reformada para abrigar serviçais da Família Real, então ocupante do vizinho Paço. Os detentos foram distribuídos por outras cadeias, como o Calabouço ou a Ilha das Cobras, por vezes convivendo com pacientes diagnosticados como loucos, antes da implantação de estabelecimentos específicos para seu tratamento, em meados dos oitocentos.
Em 1830, D. Pedro I sancionou o Código Criminal a partir do sistema americano Auburniano, que utilizava o trabalho, o silêncio e o isolamento com instrumentos de controle e disciplina. Dois anos depois, no governo regencial, foram implantados os cargos de delegado e chefe de polícia, buscando dissociar as funções judiciárias e executivas.
Cadeia Nova
Atendendo aos apelos de comissões que defendiam os direitos dos apenados, em 1834 foram iniciadas as obras da futura Casa de Correção da Corte, projetada por Manoel de Oliveira, num terreno de grandes dimensões junto ao Morro de São Carlos, no Estácio. A Cadeia Nova apresentava um programa arquitetônico definido com separação dos detentos por sexo, idade, e condições de saúde, evitando a disseminação de doenças no espaço penitenciário.
Tratava-se de uma ousada concepção radial que utilizava o modelo panóptico: pavilhões distribuídos por quatro raios abrigariam 200 celas distribuídas em quatro pavimentos em torno de uma torre central de observação. Entretanto, apenas um dos raios foi concluído e a proposta não se concretizou como planejada, sendo muito alterada ao longo das décadas seguintes, com a construção de novos blocos isolados, diferentes da proposta original. Do conjunto restou o Portal de acesso, à Rua Frei Caneca, nº463, tombado pelo município, cujo frontispício ainda ostenta brasões enquanto o terreno, em 2010, passou a abrigar um conjunto habitacional após a demolição do complexo prisional.
Com a república foi implantado um novo Código Penal, publicado em 1891, que vigorou, ainda que defasado, até 1940, quando o Estado Novo promulgou uma nova legislação.
Complexo Penitenciário da Frei Caneca
Entre as novidades, foi criada a Colônia Penal Cândido Mendes, em 1941, na Ilha Grande, que abrigaria presos políticos de vários governos, inclusive tornando-se a semente de grandes organizações criminosas do final do século XX, como a Falange Vermelha, produto da convivência de criminosos comuns com “subversivos” que “ameaçavam” o poder constituído.
O Complexo Penitenciário da Frei Caneca também fez parte das obras do governo Vargas, construído provavelmente a partir daquela Casa de Correção da Corte.
Complexo de Gericinó
Em 1942, em Bangu, foi implantada a Penitenciária Talavera Bruce, primeira exclusivamente feminina, distante dos presídios masculinos. Era administrada pelas Irmãs do Bom Pastor, freiras responsáveis pela reeducação das mulheres, incentivando tarefas domésticas como lavar, passar, além de zelar pela moral e bons costumes, chegando até a utilização de exorcismo como controle da sexualidade
O fenômeno da metropolização assistiu à crescente progressão no número dos encarcerados, associado ao fenômeno migratório, ao aumento da miséria urbana e ao fortalecimento do crime organizado em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
Nas últimas décadas do século XX, a sociedade deparou-se com a superlotação das prisões e tornaram-se necessários novos estudos para abrigar esta população, em condições humanitárias.
A cidade do Rio de Janeiro, na década de 1980, assistiu a uma tentativa de melhoria das condições carcerárias com o projeto do arquiteto Luiz Filgueiras Lima para novas unidades prisionais no Complexo de Gericinó, elaborado dentro da Lei de Execução Penal, Ali existia uma preocupação com conforto ambiental, áreas de vivência independentes e uma possibilidade de segurança no controle por parte da administração, dividindo os internos segundo sua periculosidade.
Em alguns casos, adotava-se a segurança máxima em celas individualizadas, como em Bangu 1, o que não impediu rebeliões e graves incidentes, como ocorreu em setembro de 2002, que culminou com a morte de um conhecido traficante na guerra entre facções.
Nem sempre o bom projeto arquitetônico ou uma excelente legislação são capazes de melhorar efetivamente as condições dos internos. Existem outros fatores, alguns conhecidos, outros imponderáveis, que grassam entre as muralhas que não permitem, ou melhor, não querem permitir que o sistema funcione efetivamente para atingir seus objetivos: corrupção, facções criminosas, tráfico de entorpecentes, elementos oriundos de milícias.
A imprensa registra, com frequência, uma indústria criminosa paralela que seria impedida de obter lucros fantásticos originários de uma clandestinidade conhecida, cruel, contagiosa e devastadora para os detentos e para toda sociedade.
E eu que não sabia que existia tanta história por trás dessas paredes! Parabéns pelo conteúdo!
Parabéns Diário do Rio pela publicação. Muito interessante! Que luxo contar com a participação do Maestro William Bittar, todas suas obras são maravilhosas.
E um super professor! Ótimo trabalho sempre ?